Eu me sentia embaralhado, enquanto voltava para casa, do lado dela.
Ela me fazia sentir abstrato, como se eu não fosse uma real bagunça. Como se eu pudesse ser uma coisa bonita.
Como se eu pudesse ser arte.
E eu queria ser. Desde que fosse sua obra prima.
- Lisa? - ela se voltou para mim, enquanto seus cabelos rosas pareciam um raio sem direção, quando ela se virou. - Você quer saber o que aconteceu?
Ela ficou em silêncio, com seu lábio contraído numa fina linha, que eu sabia significar indecisão. Ela parecia especular sobre algo, quando nossos olhos viraram galáxias.
- Eu não quero que você se sinta mal quando estiver falando. - ela me disse e meu coração disparou naquele momento.
Eu quis chorar e sorrir, como um arcos íris facial.
- Tudo bem. Eu confio em você.
Os olhos dela se acenderam magicamente:
- Você confia?
- Sim. - foi tudo o que respondi.
Ela saiu andando e se sentou num banco que tinha num ponto de ônibus vazio.
Me sentei ao seu lado e respirei fundo.
- Nós vivíamos no litoral. Numa cidade chamada Itanhaém, nessa época.
"Minha mãe e meu pai sempre foram muito bons pais, e eles gostavam muito um do outro.
"Então resolvemos ir até São Paulo, para ver uma exposição na pinacoteca.
"Estávamos comemorando o sexto ano de casamento dos dois papai e da mamãe.
"Estava indo tudo bem até que a gente pegou a imigrantes.
"Havia um caminhão gigante de cerveja e ele estava na contramão e aí..."
- Shh! Tudo bem. Tudo bem. - ela me deu um sorrisinho acolhedor. - Já entendi o que aconteceu.
Ela pousou a mão de dedinhos finos em cima da minha e a deixou descansada ali, enquanto uma linha fina se curvava em um sorriso tímido.
- Eu sinto muito pelo seu pai. - eu olhei para ela e senti meus olhos queimarem.
- Está tudo bem. - eu me levantei e sai andando.
Mas eu sabia que trazer o brilho de um assunto que eu tentava ofuscar há tanto tempo, não fazia nada ficar bem.
- Victor - a voz dela cortou rosa, junto ao vento.
Eu me virei. Ela estava atrás de mim, quando me abraçou.
Esse abraço foi contemporâneo. Foi leve, mas inquebrável; foi extenso porque naquele momento houve cura.
- Sinto muito mesmo.
- Obrigado. - eu só não sabia o que responder.
Eu nem a abraçava de volta. Não por falta de vontade, por choque mesmo. Eu estava com os braços estendidos ao lado do corpo.
Eu senti minhas bochechas molharem, mas eu soube que não estava chovendo.
Naquele momento, eu chovi, e eu a deixei ser a superfície para a minha precipitação.
- Você quer ir lá pra casa? - ela me perguntou, apoiando as mãos nos meus ombros. - A minha mãe pode fazer pipoca, eu sei que você adora.
Eu sorri num milésimo.
- Posso pedir para ela fazer da doce. - foi quase uma súplica.
- Não, tudo bem. Tenho que buscar a minha mãe no shopping. - ela assentiu, compreensiva.
- Tudo bem.
- Lisa... - minha voz ecoou, solta.
- Oi?
- Eu posso te ligar? À noite?
Ela me respondeu com um aceno espontâneo e um sorriso acanhado e corado.
- Tchau, Vitor.
- Tchau, Lisa.
Então ambos tomamos direções diferentes, enquanto eu me sentia como se pedras colidissem dentro de mim.
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U m a P r i m a ve r a Q u a l q u e r
Romansa"Eu só queria uma resposta. A resposta do que é o amor. Eu queria encontrar uma definição num livro, na internet, mas a única definiçao que eu podia encontrar, era em mim mesmo e aquilo me dava medo, porque... E se eu nunca encontrasse?" - Victor...