14 - P o p c o r n

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A gente não tinha um lugar exato para ir.
E eu não me importava necessariamente com isso.
Desde que ela estivesse perto, por mim, estava tudo bem.
Ela também parecia não ligar sobre o lugar.
Aquilo parecia só mais um detalhe perdido no vácuo do universo. E pela primeira vez, um detalhe sem importância.
- Você quer sentar?
- U-hum.
Eu peguei a fina jaqueta que levava comigo, para o caso de esfriar e coloquei na guia, para que ela não se sujasse.
- Obrigada. - ela se sentou e eu a acompanhei.
- Você tem um horário para chegar em casa, ou algo do tipo?
- Não sei. Mas acho que não. - ela tinha o olhar no céu. - A minha mãe fica feliz quando resolvo sair de casa; ela diz que já faço parte da mobília.
- Uma mobilia rosa.
E eu só percebi que tinha dito isso alto demais, quando ela começou a rir.
- Oi, com licença. Vocês não querem uma pipoquinha? - um senhor bigodudo, que vinha do outro lado da calçada, empurrando um carrinho de pipocas, atravessou para nos perguntar.
- Eu quero! - ela abriu a boca para dizer.
- Do que você quer, minha flor? - perguntou o velhinho.
- Da doce. E será que você pode colocar muito, muito leite condensado? - ele assentiu, já preparando o pacotinho.
- Quanto fica? - eu perguntei.
- Quatro reais.
- Ei, eu tenho dinheiro. - ela protestou com seus dentinhos espaçados.
- Obrigado, senhor. - mas eu já havia pagado e pegado o saquinho de pipocas. - Toma.
- Você não deveria ter gastado seu dinheiro. - ela parecia um pouco brava, mas comia as pipocas.
- Foram quatro reais só. Tudo bem.
Tive vontade de dizer a ela que ela valia os quatro reais. Não. Que ela valia muitos reais. Mas aí, eu pensei que poderia soar meio rude, então eu resolvi ficar quieto.
A verdade é que ela não valia reais. Ela valia todas as estrelas do universo.
- Você quer pipocas? - ela ofereceu o pacotinho.
- Não, obrigado. - ela continuava olhando para cima. - Não gosto de pipoca.
Ela virou o olhar pra mim e ficou com a boca numa forma estranha:
- Como alguém pode não gostar de pipocas?
- Bom, eu só não gosto. - eu dei de ombros.
Ela estava me encarando, como se eu não gostar de pipocas, fosse o maior crime que eu pudesse cometer contra a humanidade.
- Me explique o porquê.
- Não tem um porquê. Eu simplesmente...
E enquanto eu falava, ela enfiou algumas pipocas pela minha boca:
- Ah, não. - ela gargalhava. - Você está rindo.
Ela pegou mais pipocas e tentou forçar na minha boca, mas eu virava o rosto:
- Deixe de ser frescurento!
Ela se desequilibrou nas suas sapatilhas e ia caindo, mas eu a peguei.
- Obrigada. - eu nunca vi o rosto dela tão claro.
- Deus! - eu disse quando o universo permitiu um olhar nosso e um surto de coragem meu. - Você é muito linda, Lisa.
Ela ficou séria. Mas não era aquele sério com tensão. Os olhos dela giravam em musicalidade.
Eu a coloquei no chão de novo e voltamos a andar.
Continuamos uns três metros em silêncio.
- Victor, será que eu posso colocar meu braço no seu? - eu apenas assenti e ela enganchou seu braço no meu.
Continuamos andando pela rua, de braços enganchados, depois de eu finalmente conseguir dizer o quão bonita ela era e ver a resposta por isso, em seus olhos.

- Foi uma noite bem legal, obrigada. - ela disse com as mãos juntas, no portão de casa. - Eu não achei que fosse me divertir tanto hoje.
- Nem eu. - ecoeei um dos sorriso que eu sempre guardava a mil chaves para ela. - Então boa noite, eu acho.
Comecei a andar, me perguntando o porquê dela não ter retribuído meu boa noite, até que ela respondeu minha pergunta, mesmo sem saber:
- Você vai embora assim? - ela soou un tanto indiguinada.
- Como assim? - me virei, confuso.
- Você não vai nem pegar meu telefone?
- Você poderia me dar seu telefone? - eu estava surpreso.
- Bom, eu não ia dizer nada; mas já que você está pedindo. - ela correu até mim e tirou uma caneta do bolso. - Me empresta sua mão.
Eu abri a minha mão e ela começou a anotar os nove algarismos e mais umas palavras na minha palma. Ela usava uma caneta vermelha e aquilo fazia leves cócegas.
- Posso perguntar o porquê de você estar com uma caneta?
- Eu pensei que... - ela considerou algo, pensativa. - Talvez se eu encontrasse você hoje e você pedisse meu numero, eu não iria ligar.
"Então talvez se você não tivesse uma caneta, eu teria".
Eu gostei de saber disso.
Gostei de saber que ela considerava hipóteses, tanto quanto eu.
- Boa noite, Victor.
- Boa noite, Algodão Doce. - ela corou e voltou para a frente do seu portão, onde acenou, enquanto eu me distanciava.

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