- Tudo bem, fique calmo, Victor. - eu dizia para mim no vestiário, tentando não perder o foco.
Eu amarrei a chuteira e subi as escadas para a quadra num pique quase epilético.
Quando eu cheguei lá em cima, o pessoal já estava posicionado. Eu caminhei em metáforas para o centro e lá encontrei Sebastian.
- Está tudo pronto. Você vai jogar. - ele disse, me olhando com os olhos escuros.
- Eles aceitaram?
Sebastian mandou um olhar para o capitão do time, que recuou:
- U-hum. - e um sorriso propenso. - Você joga na zaga, entendeu? - eu apenas assenti, acompanhando suas futuras instruções.
- E você vai jogar em qual posição?
Sebastian apenas me encarou com um legítimo sorriso sonoro e me deu as costas, com seus passos aptos.
Eu não entendi, fui atrás dele e toquei seu ombro:
- Sebastian...
- Eu não vou jogar, Victor.
- Quê? - eu fiquei nulo. - Por que não?
- Eu odeio o pessoal do primeiro ano. - ele disse tranquilamente, pousando um palito de madeira na boca e sentando com as pernas abertas na arquibancada.
- Você não pode me deixar sozinho. - eu supliquei nos meus olhos. - Eu não posso fazer isso. - minha voz foi baixando de nível, como um desenho dos meus em degradê. - Eu preciso de você.
- Você consegue, Victor. - ele disse olhando bem no meio dos meus olhos. - E não, você não precisa de mim.
Eu não entendi o que ele quis dizer com aquilo; na verdade aquilo me assustou um pouco. Considerei se aquilo significava que ele não queria mais ser meu amigo.
Minha cabeça começou a apresentar falhas, mas aí eu senti algo ao meu redor e quando eu me dei conta era Lisa me abraçando com um vestido azul de nuvenzinhas brancas.
- Vai dar tudo certo! - ela disse com olhos animados.
- Victor! Vem logo! O jogo vai começar! - um dos meninos gritaram e eu percebi que não podia recuar.
Eu senti medo.
Eu não queria que Sebastian parasse de ser meu amigo.
Eu não queria desapontar Lisa.
Eu não queria ficar triste.
E quando eu assumi a posição, eu olhei uma última vez para a arquibancada.
Lisa sorria, com os olhos curvados, enquanto me dava um sinal com o dedão e Sebastian me olhava com o palito ainda na boca, e de braços cruzados, como se avaliasse a cena toda, para depois comentar.
Ele estava intocado.
O apito soou e eu vi a bola rolar.
Marcação. Eu tinha que marcar.
Isso fora uma coisa que Sebastian me ensinara.
"Se você deixar o seu oponente em paz, então o seu time não terá paz".
Então eu escolhi alguém e fiquei nele o tempo todo.
Eu realmente estava nervoso; minha vida parecia depender daquilo, enquanto eu corria de ponta à ponta na quadra, tentando dificultar o acesso dele à bola. E por mais que eu tentasse, a bola sempre acaba vindo para ele.
Eu fui me acostumando com a sensação, tanto que não conseguia mais só ficar fixo num lugar.O jogo estava quase terminando. O jogo estava 2 x 1 para a outra sala e não havia mais possibilidade de gol. O time inteiro estava fechado, só eu estava perambulando, porque estava marcando aquele mesmo menino.
E aí, algo inacreditável aconteceu.
A bola desviou e rolou, perfeitamente simétrica para o meu pé e foi como se eu sentisse uma conexão elétrica.
- VAI VICTOR! VAI! - o primeiro grito que eu consegui identificar dentre tantos foi o dela.
Eu dei uma olhada rápida para a arquibancada. Ela estava lá, louca da vida, pulando em seu vestido de nuvens e ela mesma parecia um anjinho. Ela se esgoelava de forma perplexa, enquanto Sebastian continuava na mesma posição do começo do jogo, apenas com os olhos concentrados.
Senti os olhos dele gritando para mim. Seu grito era surdo, mas estava lá.
- Se você não puder dominar a bola, então a largue. - lembrei do dia do treino, enquanto ele roubava a bola de mim e a mirava calmamente para o gol. - Só faça isso se souber que pode.
Me voltei ao jogo e não acreditei que estava correndo inconscientemente com a bola, em direção ao gol.
Eu desviei de uns três garotos, me livrando da marcação.
Quase perdi a bola. Meu coração palpitou.
Ela se distanciou meio metro. Corri como nunca e a recuperei.
"Tem que ser um chute impecável. Que faça a rede vibrar".
Chutei.
A bola grudou na rede como imã.
Olhares e gritos explodiram como fogos de artifícios, quando o juiz aptou que o jogo estava empatado.
Eu estava tremendo.
Eu conseguira. Eu dominara a bola e a chutara. Eu fizera o gol.
Eu sorri e gargalhei.
- PÊNALTIS! - gritou o juiz cortando o brilho dos meus olhos.
Formou-se uma fila de cada time. O primeiro a chutar era um menino do outro time.
Eram três gols.
O menino chutou. E errou.
Suspirei.
O capitão do meu time foi chutar, mas ele também errou.
Eu estava suando, não só pelo jogo, mas também pelas ondas do meu coração quando o garoto do outro time acertou o gol e a torcida dele acordou de novo.
- QUEM VAI AGORA? - ouvi o grito, logo substituído por mais alguém que marcou o gol.
3 x 3
Parecia não ter decisão quando a torcida vibrou em " uhhhh". O garoto do time oposto, havia errado.
Agora a gente só precisava de mais um. A gente precisava acertar.
- Victor? Acha que pode fazer isso? - aquele mesmo menino que me empurrara aquele dia, perguntava na melhor das posturas.
Olhei para os meus amigos. Lisa pulava mais animada do que nunca; Sebastian me olhava, agora com a margem de um sorriso enigmático.
- Posso.
Me direcionei ao gol.
- Tudo bem. Eu consigo. - disse pra mim, tomando distancia para chutar.
Meu coração deve ter parado, quando o goleiro encostou a ponta dos dedos na bola.
O tempo morreu.
Mas a bola entrou no ângulo do gol.
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U m a P r i m a ve r a Q u a l q u e r
Romance"Eu só queria uma resposta. A resposta do que é o amor. Eu queria encontrar uma definição num livro, na internet, mas a única definiçao que eu podia encontrar, era em mim mesmo e aquilo me dava medo, porque... E se eu nunca encontrasse?" - Victor...