48 - B r u i s e s

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- Filho. - mamãe disse quando cheguei da escola.
- Oi, mamãe.
- Tenho um convite especial para você. - ela me olhou com aquele olhar astuto de quem estava planejando algo.
- Qual?
- Tenho um piquenique na sexta, com o Renê. Pensei que você poderia ir e levar sua Lisa. 
Meus olhos devem ter brilhado porque mamãe sorriu.
Era um ótimo convite.
- Sim! Com certeza. Eu vou passar na casa dela amanhã, depois da escola para falar com os pais dela. - mamãe assentiu. - A propósito, como está o Renê?
- Bem. - ela sorriu instantaneamente.
Batidas na porta se subseguiram. Mamãe fez menção de abrir:
- Pode deixar, mãe. Eu abro. - caminhei até a porta.
E quando abri, dei de cara com um Sebastian...
- MEU DEUS DO CÉU SEBASTIAN O QUE HOUVE COM VOCÊ? VOCÊ FOI ATROPELADO POR TRÊS CAMINHÕES AO MESMO TEMPO?
Havia uma bolsa de sangue no seu olho direito, que também tinha um leve destaque roxo ao seu redor; sua boca estava ligeiramente cortada no lábio inferior e no superior também, além do outro corte na bochecha.
- Relaxe, foi só uma briga.
- Entra. - eu o coloquei para dentro. - Senta que eu vou pegar um kit de primeiros socorros.
Sebastian se jogou no sofá branco de mamãe, como se não tivesse nenhuma preocupação na vida.
Como se deu rosto não estivesse todo cortado.
Voltei com um kit de primeiros socorros e sentei do lado dele.
- Qual foi o motivo da briga? - eu disse molhando o algodão com um pouco de soro fisiológico e levando no mais leve gesto até o seu rosto.
- Eu estava descendo do ônibus e um cara tirou o palito de dente da minha boca. - ele deu de ombros.
Eu olhei para ele meio incrédulo. Era sério que o motivo da briga tinha sido aquele?
- Sebastian? É sério? - eu até afastei o algodão de seu rosto para falar. - Não pode ter sido um acidente?
- Não.
- E por que não? - eu terminara a parte da limpeza, agora eu passaria aroeira para que seus cortes secassem e fechassem mais rápido.
- Eu sei quando alguém quer uma briga, Victor. - ele fez uma careta de dor. - E ele conseguiu.
Ele enfiou a mão no bolso e tirou um palito de dentes meio lascado de lá.
- Mas eu consegui meu palito. - um sorriso.
Eu neguei com a cabeça.
- MEU DEUS DO CÉU, MENINO! O QUE HOUVE COM VOCÊ? VOCÊ FOI ATROPELADO POR UM TREM? - minha mãe disparou na direção de Sebastian assustada.
- Não, senhora Winters. Eu... Eu caí.
- Cala a boca Sebastian, que você não tem cara de quem cai. - ela me empurrou do sofá e pegou a aroeira da minha mão. - Saí, Victor. Eu cuido disso.
Ele soltou um sorriso, enquanto mamãe erguia seu queixo e nós dois observávamos o trabalho argiloso dela no rosto dele.
Ela parecia extremamente cuidadosa e aquilo me lembrou uma coisa.
- Tá doendo muito, querido? - ela peguntava com um olhar meio grave, enquanto observava meu joelho machucado.
- Não, mamãe. Tá tudo bem. - eu até sorri para ela.
- Pare de tanto drama, Nina. - ele vinha caminhando com o kit de primeiros socorros. - O menino está bem, não é garotão? - ele brincou com meus cabelos.
Eu senti meu olho começar a encher, mas não pude parar a memória.
- Pronto. - mamãe deu um beijo no meu joelho.
- Vem. - papai me pegou no colo. - Agora vamos atrás do carro do sorvete, porque você foi um garoto muito corajoso.
- Mas não tem carro de sorvete, papai.
- Então vamos encontrar um. - eu saí rindo no colo dele, enquanto ele corria e mamãe nos gritava.
- Victor? Tudo bem? - mamãe perguntou com a mão no meu ombro.
- U-hum. - eu sequei os olhos e peguei o kit de primeiros socorros para o guardar.

- Você estava lembrando do seu pai aquela hora, não estava?
Eu fiquei em silêncio. Não era como se ele estivesse invadindo meu espaço pessoal, mas eu senti vontade de me encolher e ficar ali na calçada. Assim como na primeira vez que falamos disso. Eu só não queria falar.
- Tudo bem, você não precisa falar.
- Obrigado. - sussurrei, mas minhas palavras pareciam cinzas levadas com o vento.
- Eu também lembrei de algo quando sua mãe cuidou do meu rosto.
Absorvi aquilo, enquanto o vento gelado de Guarulhos batia no meu rosto fino e opaco.
- Do que você lembrou?
Sebastian aprofundou mais as mãos no casaco de couro escuro e relaxou na sua face.
- Da minha mãe.
Demorei um tempo, divagando sobre as informações que eu tinha para formular se aquilo era uma coisa boa ou não.
- Isso é bom ou ruim? - mas eu não consegui chegar num acordo.
- Foi a primeira vez que entendi o que "mãe" quer dizer. - ele avançou em seus passos. - Lembrar da minha mãe nunca é bom.
- Eu sinto...
- Eu também sinto. - ele me deu as costas e saiu andando. - E bastante.

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