2 - O Encontro

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Margot chegava à parada para pegar o ônibus que a levaria para o trabalho. Usava uma calça jeans, a blusa que seu namorado lhe dera no último dia 12 de junho e uma bolsa preta de napa com umas ferragens, uma cópia malfeita de uma bolsa de marca famosa. Margot achava que uma leve dor de cabeça parecia ser a causa das imagens turvas que estavam se formando ao lado de algumas pessoas que ela via na rua.

Quase efeito de uma enxaqueca que Margot já havia sido diagnosticada há algum tempo. Algumas dessas imagens eram claras, outras escuras. Apertava seus olhos tentando fixar melhor, e poder distinguir o que seriam aquelas imagens, mas não conseguia nada além do que já estava vendo. O ônibus 145 que levava até o centro da cidade chegou e ela subiu, precisava entrar logo para poder se sentar. Uma senhora, com um vestido florido, que estava sentada na terceira fileira depois da catraca a chama no exato momento em que Margot olhava para um senhor de casaco preto e chapéu marrom escuro que estava sendo umas três fileiras para a frente. Ele olhava fixamente para Margot, seus olhos pareciam ler o que Margot pensava e como se sentia. Um leve frio percorreu sua espinha quando o homem fez menção de se levantar.

- Sente aqui minha filha, vai ser melhor. - Falou a mulher de vestido florido.

Margot não entendeu muito bem o porquê daquele convite, mas achou melhor se sentar ao lado da mulher do que do homem. Olhou novamente para o homem que voltou a sentar no banco, mas continuava olhando para ela.

- Isso. Assim é melhor. Prazer, meu nome é Joana. – Apresentou-se a mulher que deveria ter por volta dos 75 anos, mesmo querendo aparentar 60 com a maquiagem pesada que ela insistisse usar. – Não se preocupe. Aqui ele não vai poder lhe fazer mal algum.

Margot não entendeu por que Joana falou aquilo. Olhou novamente para o homem e viu surgir ao lado dele uma das imagens turvas que ela estava vendo durante a manhã. Ela ficou olhando sem entender o que era, até que conseguiu ver no meio da imagem dois olhos que a olhavam fixamente. Um frio percorreu sua espinha e segue até as palmas das suas mãos que se fecham com força, apertando a bolsa que estava em seu colo.

- Calma filha. Faça de conta que não é com você. - Disse Joana colocando a mão direita sobre as mãos aflitas de Margot. Parecia que o homem tinha percebido o medo de Margot e havia gostado. Ela tenta desviar o olhar e o homem se vira para frente.

- Fique tranquila. Infelizmente você vai ter que aprender a lidar com esse tipo de situação. – Disse Joana com uma voz calma e serena.

- Que tipo de situação a senhora está falando?

- Você vai saber querida. Não é exatamente uma maravilha de se ver. Mas tente entender que são irmãos que precisam muito de sua ajuda e que se você consegue percebê-los é porque foi lhe passada à responsabilidade de ensiná-los o que fazer para que possam continuar a caminhada.

- Me desculpa, mas eu não estou entendendo o que a senhora está falando. O que é isso? A senhora também está vendo? Não sou só eu?

- Não, minha querida. Não é só você que pode vê-los. Na verdade, muitos podem, mas nem todos estão dispostos a trabalhar para ajudá-los. Somos poucos no meio de muitos irmãos que precisam de ajuda. Quando começaram as visões, filha?

- Eu não sei do que a senhora está falando.

- Se você realmente não soubesse, não teria aceitado se sentar ao meu lado. Fique tranquila, não estou aqui para lhe julgar, eu sei bem o que você está passando. A propósito. Prazer, meu nome é Joana.

Margot olha para Joana, tentando descobrir como ela poderia saber tanto a respeito das coisas que estavam acontecendo com ela. Seus olhos buscavam no rosto daquela senhora uma memória, uma lembrança que ela pudesse identificar para tentar descobrir aquela senhora tinha informações sobre Margot que Joana parecia tão bem conhecer.

- Como assim a senhora sabe o que é isso? - Pergunta Margot assustada.

- Filha... Todos começam uma hora ou outra e as estórias são sempre muito parecidas. – Disse Joana sem parar de olhar a rua pelo para-brisa do ônibus.

Margot ficou olhando o rosto daquela senhora, que lhe dava um conforto muito grande e foi esse conforto, essa paz que lhe deu confiança para começar a contar sua estória.

- Foi esta manhã. – Disse Margot falando muito baixo, como se estivesse escondendo um segredo ou contando algo vergonhoso. – Não sei o que é isso. - Complementa Margot.

- Você vai saber. Não se preocupe. – Tranquilizou-a Joana.

- Eu sonhei que estava caminhando por um bosque, uma floresta... não sei ao certo. Seguia por essa trilha que estava marcada no chão, como se vários já tivessem passado antes de mim. Quando olhava para cima, via a luz de o sol passar por entre as folhas, marcando o ar e iluminando o caminho. Sentia a luz no meu corpo, no meu rosto, mas não sentia o calor. Continuava caminhando, sabia que eu tinha que chegar a algum lugar, mas não sabia onde era, só podia sentir que precisava e tinha que ser logo. Logo após passar por uma grande árvore que estava caída no chão da floresta, o caminho se dividiu em dois. Um estava limpo, sem troncos ou pedras, estava até mais plano que o outro, como se tivesse sido preparado para que eu pudesse seguir por ele mais tranquilamente, o outro estava sujo, com pedaços enormes de árvores mortas, pedras, todo irregular. Fiquei parada olhando os dois caminhos e não sabia por qual me decidir. Eu olhava e achava que o caminho mais limpo seria melhor de seguir, mas uma voz dentro de mim dizia que eu tinha que escolher o outro, mesmo com todos os obstáculos e problemas que o terreno tinha. Fiquei olhando, parada naquela divisão, pensei em voltar, mas ao olhar para trás vi que não existia mais floresta, nem árvores, nem trilha atrás de mim. Eu só poderia continuar meu caminho após a decisão que eu tinha que tomar. E foi o que fiz. Mesmo sabendo o que poderia sofrer decidi escutar a voz e seguir o caminho mais difícil.

- Filha. - Disse Joana - Os caminhos do bem nunca são fáceis de seguir. São difíceis, complicados, cheios de obstáculos e tentações, mas o final deles é sempre melhor do que qualquer outro caminho que você possa seguir. Neste sonho você tomou a decisão de seguir o caminho que você havia escolhido seguir antes da sua última reencarnação.

- Como assim? Do que a senhora está falando?

- Quando desencarnamos, nos é apresentado tudo o que deveríamos ter aprendido na nossa última e nas outras encarnações que tivemos. Somos apresentados aos erros que cometemos, às provas que não conseguimos superar e como essas falhas, que não superamos, podem nos prejudicar nas próximas encarnações que ainda vamos passar.

- Mas não existe uma maneira de reparamos esses erros? Por que nos mostram então?

- Claro que existe filha, e é exatamente isso que eu quero lhe mostrar. Uma das possibilidades que temos para reparar esses erros é nossa mediunidade. Todos somos médiuns, uns mais outros menos, mas somos todos. E é com essa mediunidade que temos a possibilidade de reparar os erros que cometemos nas encarnações anteriores. Temos, nessa encarnação, a possibilidade de ajudar aos irmãos encarnados e aos desencarnados. Transitamos com a nossa consciência entre os dois mundos, no meio deles. Por isso chamam Médiuns.

- Mas e se eu não quiser vir com a mediunidade mais...

- Aflorada?

- É assim que falam?

- Pode ser assim, sim.

- Então. Se eu não quiser vir com a mediunidade mais aflorada, o que eu faço?

- Infelizmente isso eu não posso lhe responder, mas tenha calma. Confie em Deus. Ele não vai lhe dar uma cruz mais pesada do que aquela que você pode carregar.

- Com licença. – Um senhor que está parado um senhor com uma sacola de feira nas mãos, que havia entrado no ônibus na parada anterior, chama Margot. - O ônibus está lotado, a senhora se incomoda se eu se sentar ao seu lado?

- Mas o lugar está ocupado... - Margot aponta para o banco ao lado e ao olhar não encontra mais Joana. O banco estava vazio. Como se durante toda a viagem não tivesse tido ninguém sentado ali. -...

Desculpe. Pode sentar senhor. - Responde Margot sem conseguir entender o que acontecera.

- Obrigado.

Margot segue a viagem olhando para a janela, vendo as pessoas nas ruas e vendo imagens turvas ao lado de algumas dela. Enquanto olhava para as pessoas e para os turvos, ela pensava nas coisas que Joana havia lhe dito.

Médiuns (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora