24 - A Ameaça

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Pedro levanta o rosto com a água ainda escorrendo por ele e se olha no espelho do banheiro.

- Mais um dia, mais uma batalha – Pensa Pedro imaginando em que momento da sua vida ele tomou a decisão de que seria necessário abrir mão de sua vida. Em que ponto, seu destino havia mudado para um caminho em que seus sonhos estavam ficando cada vez mais distantes.

- E quem lhe disse que é necessário esquecer de você? – Pergunta João que aparece ao lado de Pedro. – Nem sempre o que queremos para nós é o que é melhor para o nosso desenvolvimento.

- Estou tendo que abrir mão de tudo que eu tinha em troca do quê? De um futuro que nem sei ao certo se vou realmente viver.

- Não diga isso, filho. Confie em Deus. Ele sabe o que está fazendo.

- Mas então peça a ele que me dê um sinal. Que me mostre que meu sofrimento, no final, vai realmente servir para algo pois não estou mais aguentando viver desse jeito. Sei que errei, mas Deus, estamos aqui para aprender com nossos erros e não para sofrer desse jeito que estou sofrendo. Sei que estamos em um planeta de provas e expiações e não peço para mim um tratamento diferenciado pelo trabalho que estou me esforçando em desenvolver, mas só peço que mostre um sinal, uma luz, de que tudo ficará bem no final para que eu possa encontrar forças dentro de mim e continuar essa batalha. – Fala Pedro à João, enquanto lágrimas escorrem por seu rosto se misturando à água da pia.

- Se você tiver algum sinal, algum aviso, talvez não aprenda o que é necessário para que possa evoluir. Em alguns casos, o sofrimento é inevitável pois nos recusamos a aprender de outra maneira. Confie em Deus e acredite, pois, ele sabe o que é melhor para ti e está sempre ao seu lado.

Pedro segura com as duas mãos na pia de porcelana branca e baixa a cabeça enquanto fecha os seus olhos, rezando por ajuda. Depois pega a escova de dente e coloca um pouco de pasta nas velhas cerdas desgastadas, levanta seu rosto e o mesmo homem que apareceu para ele, no dia do acidente está parado ao lado da pia.

- Não pense que vou desistir fácil de você. – Fala o homem irritado.

Pedro se assusta, o tempo parece diminuir seu ritmo, a escova cai de sua mão batendo na torneira aberta, ele dá um passo para trás tentando se afastar daquele homem, seus pés deslizam na água que estava no chão do banheiro, suas mãos procuram onde se agarrar para evitar a queda, mas não encontram onde. Pedro batendo a cabeça na parede de azulejos azuis e desmaia no chão.

A escuridão é total. Num ímpeto de se salvar, Pedro abre a boca buscando preencher os pulmões de ar e conseguir se manter vivo. Expira e passa a respirar mais tranquilamente. Ele abre os olhos devagar e tenta focar em algo que esteja perto dele. Seus olhos não reagem como deveriam, seu corpo está estranho, parece não mais controlar como antes. Ao seu redor escuridão e um fedor forte de carne apodrecida e a sensação de medo presente o tempo todo.

- Não quisestes disputar conosco? Não quisestes provar que podias mais do que qualquer um de nós?

Pedro escuta ao longe uma voz masculina repetindo essas palavras que ele não conseguia entender por que as estava ouvindo. Além da voz, Pedro escutava murmúrios, choros, gritos de sofrimento e lamentações de outros homens e mulheres.

- Vamos rapaz, levanta e enfrenta teu destino. Sabemos muito bem do que achas que és capaz.

Pedro ainda tentava organizar seus pensamentos para entender o que estava acontecendo.

- Onde estou? – Pergunta Pedro levando uma das mãos à cabeça para tentar aliviar a dor do baque.

- Estás no lugar de onde nunca deverias ter saído. – Responde o homem.

Ainda tonto, Pedro tenta se levantar apoiando suas mãos no chão de lama e lodo.

- Eu não sei do que o senhor está falando... – Fala Pedro, ainda tonto com o baque na cabeça.

- Claro que sabes. Não te faças de tolo.

- Não. Eu não sei!

Seu Jorge abre a porta do banheiro, forçando o corpo de Pedro que, caído no chão, impedia a abertura da porta.

- Onde está tua força, agora? Onde está tua luz? Onde está teu Deus que não está aqui para te ajudar, para te socorrer? – Grita o homem para Pedro.

Pedro olha ao redor e consegue perceber onde está. O lodo, o fedor ácido que parece lhe queimar as narinas, a neblina que impede a visão ao longe e pequenos pontos de chamas por todo o campo de lama. Espalhados pelo chão, o que parecem ser homens e mulheres rastejam para chegar a algum lugar. Alguns deles empurram seus corpos para tentar se levantar, mas não tem força suficiente e acabam caindo novamente. Alguns olham para Pedro e buscam nele algo que parece lhes dar forças para tentar sair dali.

- És o responsável por vários dos que foram trazidos até aqui e também por mantê-los nesse estado de sofrimento. E agora queres renegar tudo que fizestes.

- Não estou negando nada. Mas não sei do que o senhor fala.

- Não minta para si mesmo rapaz. Tente ao menos se lembrar e reassuma o seu compromisso comigo.

- Não tenho compromisso algum com o senhor. Não lhe conheço.

- Lembre-se.

- Pedro! Acorda filho. – Grita seu Jorge enquanto empurra a porta abrindo uma pequena brecha por onde tenta passar, desesperadamente.

- Já lhe disse que não sei do que o senhor está falando. Por que insiste nisso?

Pequenos lampejos de imagens surgem na mente de Pedro. Cavalos correndo por uma planície, com homens vestindo túnicas brancas com uma cruz vermelha no meio do peito, por sobre o que parece ser uma armadura. Na mão de alguns deles, um mastro com a bandeira retratando a mesma cruz vermelha, além de espadas em suas cinturas. As imagens se misturam com as destes mesmos homens, montados em seus cavalos, lutando como que em uma guerra, matando, homens, mulheres e crianças. Pedro se assusta com o que começa a se lembrar segura sua cabeça, como se tentasse buscar algum equilíbrio, algum sentido nas imagens que surgiam nela.

- Não adianta tentar fugir da essência do que somos. Em algum momento ela ressurge e rompe todas as barreiras que colocamos sobre ela para tentar escondê-la. – Diz o homem para Pedro.

- Não sou eu. Não sou eu. – Repete Pedro, enquanto vê em sua mente as imagens de um dos guerreiros empunhando sua espada e lançando-a sobre camponeses, matando-os.

- Claro que és tu. Sabes bem disso e não adianta fugir.

- Não sou eu! – Grita Pedro, desesperado.

- Pedro! – Grita seu Jorge, deslanchando um tapa no rosto do próprio filho, em uma tentativa desesperada para acordá-lo do desmaio. – Acorda filho. - Pedro abre os olhos devagar, respirando ainda com alguma dificuldade. - Isso filho. Acorda. Papai está aqui.

- O que eu fiz, pai? O que eu fiz? Me ajuda! - Murmura Pedro, chorando no colo do pai.

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