9 - A História de Davi

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Ao abrir a porta do velho apartamento de classe-média construído nos anos 50. Paulo, um senhor já na faixa dos 70 anos, com parcos cabelos brancos e óculos pesados com armação pesada de casco de tartaruga, escuta o ranger da dobradiça e se vira para Antonio, seu genro, que vem logo atrás segurando a mão de Andreia, sua filha, que ainda estava com o rosto inchado do choro pelo enterro da irmã que tinha acabado de acontecer.

- É preciso colocar um pouco de óleo nessa dobradiça.

- Depois eu vejo isso seu Paulo.

- Não precisa ver agora, é só uma lembrança. Só pra não esquecer.

- Pai? – Chama Andreia – Como vamos falar isso para o Davi. Ele era tão apegado a ela.

- Não dissemos para ele tudo o que estava acontecendo até agora? Ele é um menino forte, inteligente. Vai saber superar.

- Mas contar que a tia morreu para uma criança de 7 anos?

- As crianças são mais fortes do que pensamos filha.

No sofá, de costas para a porta, Davi estava sentado em frente à televisão assistindo desenhos.

- Alguém ligou, Rosilda. – Pergunta Antonio para a senhora que há muitos anos trabalhava na casa e que ajudou na criação de Andreia e Karina.

- Não senhor, só o porteiro que trouxe esses telegramas pra Dona Andreia e pro Seu Paulo. – Responde Rosilda, pegando os telegramas de cima do velho aparador da sala de jantar e entregando nas mãos de Antonio, que os olha rapidamente e devolve para Rosilda – Deixe-os na mesa de cabeceira da Andreia.

Próxima a janela da sala, Andreia está parada olhando o céu, enquanto tenta segurar as lágrimas ao lembrar da irmã. Paulo coloca a mão em seu ombro tentando consolá-la, Andreia olha para a mão do pai e coloca a sua por cima, apertando-a, como se estivesse pedido ajuda para sufocar a dor que insiste em apertar seu peito.

- Ela tinha tanta vida, pai. Era tão alegre.

- Minha filha, não sofra. Ela está bem. Temos que acreditar nisso. É o único pensamento que pode nos consolar agora.

- Mas como o senhor quer que eu acredite nisso, pai? Como eu posso querer acreditar que ela está realmente bem? – Responde Andreia sussurrando para esconder do filho a morte da tia.

- Ela está bem. Tenho certeza disso. Eu não posso acreditar que Karina esteja sofrendo agora, mais do que estava quando ainda viva com aquela doença acabando com ela por dentro e tirando todo o viço, toda sua alegria. Ela tem que ter voltado a ter paz, a ter tranquilidade. É o meu consolo minha filha e é nisso que eu tenho que me agarrar para poder superar a perda da sua irmã. E nada, absolutamente nada, vai me tirar essa crença.

- Eu queria tanto ter essa sua certeza, meu pai. Tanto.

Andreia abraça Paulo encostando a cabeça em seus ombros, exatamente como fazia quando criança. Paulo respira profundamente e abraça a filha deixando que umas poucas lágrimas escorram pelo seu rosto.

Antonio caminha até o sofá onde Davi está. – E aí filhão? Tudo tranquilo por aqui?

- Tudo pai.

- Ficou a manhã toda assistindo televisão, rapaz?

- A manhã toda, não pai. Antes eu tava olhando a tia Karina ficar vindo atrás de mim.

- Como assim, filho. A tia Karina tava aqui com você agora de manhã?

- Tava. Mas ela não falava nada. Só ficava atrás de mim o tempo todo.

Andreia, ao ouvir o que o filho falara ara o pai, se aproxima de Davi.

- Filho, a tia Karina não podia estar aqui com você.

- Tava sim, mãe. O que vocês estavam enterrando era só o corpo que ela não vai mais precisar.

Paulo se senta ao lado de Davi.

- Quem lhe falou isso, filho? Foi a tia Karina? – Pergunta Andreia.

- Não mãe. A tia Karina não falou nada.

- Então, quem lhe disse isso tudo? – Perguntou Paulo.

- O homem que está junto dela. – Responde Davi sussurrando para o avô. – Mas ela não sabe que ele está lá. Só eu que vejo.

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