39 - Na Sala de Casa

414 46 12
                                    

- Não. Não estou.

- Não está, o que filho? – Pergunta Francisca, tensa, já imaginando a resposta do filho.

- Me desculpe, mas eu não estou conseguindo entender. – Reclama Pedro, coçando os cabelos com as pontas dos dedos, com movimentos frenéticos.

- Calma, filho. Eu posso te explicar novamente.

- Não tem o que explicar, mãe. Como a senhora acha que pode explicar pro próprio filho que escondeu dele uma estória como essa por anos?

- Calma Pedro. Tua mãe não escondeu. – Responde Carmem, abraçando Francisca que chora com a cabeça abaixada, escondendo o rosto com as mãos. – Na verdade, ela só não quis acreditar que isso fosse verdade. Que isso pudesse acontecer realmente.

- Ok. Entendi. Mas começou a acontecer... Está acontecendo... E nem assim ela me disse, tia. O que a senhora que pudesse fazer? – Fala Pedro para Francisca. – Acho que pudesse evitar que essa estória acontecesse?

- Não sei, filho. Não sei. Tudo foi muito rápido. Muito de repente pra mim...

- Rápido? – Interrompe, Pedro. – Eu tenho 28 anos! 28! A senhora ia me contar quando? Quando eu tivesse 50? 60?

- Nunca! – Responde Francisca cortando a fala de Pedro que fica atônito com a resposta da mãe. – Eu nunca iria contar pra você. Qual a mãe que teria coragem de contar pro próprio filho que a avó dele disse que ele iria morrer antes dos 30 anos e que deveria estar pronta para aceitar, por que era assim que tinha que ser?

- Isso é loucura! – Exclama Pedro. – Porque minha avó iria dizer uma coisa assim antes mesmo de eu nascer.

- Pedro, meu sobrinho entende. Tua avó estava passando por uma doença mental. Ela tinha surtos onde começava a falar algumas coisas que não faziam o menor sentido. Ninguém conseguia entender.

- Ninguém conseguia entender na época, tia Carmem. Na época... Até porque, pelo que vocês estão me dizendo, agora, muitas das coisas que ele disse fazem muito sentido.

- Não é assim, não, filho!

- É assim, sim, minha mãe. Ela falou do acidente do carro, do Centro, do senhor de ascendência árabe, da mulher que iria me dar um recado no dia da morte do meu avô... Como não faz sentido?

- Esse recado não aconteceu. – Fala Francisca.

- Claro que aconteceu. – Responde Pedro sentando na poltrona em frente ao sofá e colocando a mão sobre o rosto enquanto tenta buscar imagens em sua mente confusa com as informações que acabara de receber. – Foi na capela onde houve o velório do vovô. Ela esteve lá e me disse que ele me queria no Centro Espírita para poder dar um recado importante.

- Que recado? – Pergunta Carmem.

- Não sei. Não recebi mensagem alguma. Pelo menos não no Centro.

- Tá vendo... As coisas não estão acontecendo como ela disse que aconteceriam. – Tenta se justificar Francisca.

- Mãezinha... As coisas estão acontecendo muito mais rápido do que a senhora está vendo. Em menos de um ano a minha vida virou de pernas pro ar. Eu tive que reaprender uma série de coisas que achava serem verdades e a senhora acha que nada aconteceu? – Não tente esconder a verdade que está diante dos seus olhos, por favor.

- Meu filho, entende por favor. Eu só queria o seu bem. Não quis te preocupar com o que poderiam ser delírios de uma senhora. Minha mãe não estava bem. Ela estava doente.

- Minha avó era médium. E ninguém pode ajudá-la. Só isso. Nada de mais.

- Pedro, por favor, não nos julgue. Nossa ignorância nos levou a cometer erros. Mas erros que eu quero consertar.

- Eu sei, mãe. Mas eu preciso pensar. Preciso tentar entender o que minha avó quis dizer com tudo isso.

- Tem uma coisa que pode lhe ajudar. – Diz Carmem caminhando até a estante da sala e pegando um velho caderno de capa azul marinho que estava na prateleira de cima. – Muitas mensagens ela escrevia nesse caderno. – Continua Carmem, entregando o caderno para Pedro. – Acho que talvez aqui você possa encontrar as respostas que precisa.

A luz da luminária é acesa e mostra Pedro sentado na beira cama com o velho caderno nas mãos. Os cantos da capa desgastados e o tecido azul marinho, já bastante encardido, mostram os anos de existência do velho caderno. Na capa o nome ANA GUIMARÃES MARTINS delicadamente escrito à mão livre com tinta dourada.

- Era isso que o senhor queria me dizer, meu avô? Era essa a mensagem que eu tinha que receber no Centro?

Lentamente Pedro abre o caderno e começa a ler:

"Que hoje comece meu novo ano de vida. 1954. Estou fazendo 35 anos e tenho certeza de que a partir de agora minha vida irá tomar rumos muito melhores." – Ao lado da frase, um pequeno botão de rosa ressecado pelo tempo em que ficou preso dentro do caderno.

Pedro avança mais algumas páginas:

"Uma estranha sensação de que estou sendo observada dentro da minha própria casa. Mas olho e não vejo nada. Às vezes a sensação é ainda mais forte de noite."

Os dedos de Pedro continuam a virar as páginas do caderno procurando respostas:

"Estou tendo dores de cabeça cada vez mais fortes. E sempre que elas surgem começo a escutar como se fossem vozes, mas são várias e não consigo entender o que elas dizem. Conversei com o Zé sobre isso, mas ele brinca dizendo que eu devo estar ficando maluca, mas eu sei que não isso."

"Noite passada vi um senhor no corredor de casa. Na hora me deu um arrepio forte nos braços."

"Eles surgem a todo momento. Não sei mais o que fazer e nem quem procurar. Tenho medo de que achem que estou enlouquecendo. Meu Deus, o que eu devo fazer?"

"Estou muito feliz. Esta tarde fui ao Dr. Antunes. Estou grávida. Minha primeira filha vai nascer. Tenho certeza de que será uma menina."

"Quase no final da minha primeira gravidez. Tudo tranquilo graças a Deus! Desde que fiquei grávida foi como se anjos estivessem me protegendo. A mim e à minha filha. Minhas dores de cabeça sumiram e as vozes são cada vez mais raras. Que bom!"

"Francisca fez seis meses, ontem. Como passa rápido o tempo, meu tesouro. Zé e eu nunca fomos tão felizes."

"Depois de tanto tempo, as vozes voltaram e junto com elas as dores de cabeça. Tenho chorado escondido toda noite. Não quero que o Zé se preocupe comigo. Mas não sei quanto mais vou aguentar"

Quase no final do caderno, uma das anotações chama a atenção de Pedro.

"Meus Deus! Hoje vi aquele que me persegue. A princípio achei que era um ladrão que havia entrado em casa. Depois tive a certeza de que não era loucura minha. Era um velho, sujo, roupas rasgadas, desgrenhado. Seus olhos me assustaram. Emanava o mal por eles. Ele olhou pra mim quando entrei na cozinha. Só disse uma frase e desapareceu diante de mim.

- Bem-vindo ao meu mundo!

"Cai ajoelhada no chão e chorei sem conseguir me controlar."

A mesma frase, a mesma face, o mesmo olhar, o mesmo homem que fez com Pedro sofresse o acidente.


Médiuns (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora