38 - Na Rua

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- É um absurdo você chegar no trabalho de uma casa espírita séria como aquela e ficar fazendo gracinhas com a minha cara, Vitória. - Sussurra Margot.

Margot e Vitória estão sentadas na mesa de uma pequena doceria que fica próxima do Centro Espírita. Quando Vitória vai responder, uma garçonete se aproxima da mesa com os pedidos das duas e pergunta:

- A torta de berinjela?

- É minha. - Responde Vitória. - Adoro essa torta e só encontro aqui.

- E a da senhora é a torta de frango com gorgonzola? - Fala a garçonete para Margot.

- Isso mesmo. Obrigado.

- Veja um suco de maçã, por favor?

- Pois não. A senhora vai querer algo? - A garçonete pergunta para Margot.

- Uma água com gás, por favor.

- Trago já. - Responde a garçonete se afastando da mesa.

Vitória para de comer e responde para Margot:

- Absurdo é você deixar passar uma oportunidade como essa.

- Vitória, a gente estava ali para fazer um trabalho.

- Não senhora. Vocês estavam ali, juntinhos, porque o avô dele pediu para vocês se encontrarem ali. E como não aconteceu nada de mais durante o trabalho, eu só posso achar que ele quer que vocês se encontrem para se conhecerem melhor.

- É sério, isso? Você está realmente acreditando que o avô do rapaz, agora, resolveu dar uma de cupido?

- Queridinha, quem sabe ele não está querendo lhe ajudar? Você percebeu que até a garçonete já está lhe chamando de "senhora"? Sabe lá o que é isso para uma mulher? O princípio do fim. Isso é ladeira abaixo na perspectiva de arrumar um namorado sério.

- Vitória, pelo amor de Deus! A moça é treinada pra isso, mulher. Deixa de loucura. - Responde Margot entre risos, sem querer acreditar no que a amiga havia acabado de falar.

- Tudo bem. Você sabe que é brincadeira minha. Até porque sou obrigada a assumir que temos a mesma idade. Ou seja, se você está ladeira abaixo, eu também estou.

- Pelo que eu saiba você é dois anos mais velha do que eu. - Responde Margot colocando um pedaço da torta na boca.

- Tinha que humilhar, né? Mas, falando sério, por que o avô dele quis que vocês se encontrassem aqui se nada aconteceu?

- Não sei. Tem muita coisa que eu ainda não consigo entender. E, sinceramente, acho que nem depois de anos estudando o Espiritismo vou conseguir entender.

- Será que ele não queria, mesmo, que vocês se conhecessem melhor?

- Para, Vitória. Eu tô falando sério. O recado foi muito claro. Ele queria que viéssemos aqui, hoje. Alguma coisa tinha que ter acontecido. Era essa a intenção. Só não sei o quê?

- Bem, deixa eu terminar minha torta, até porque ainda vou ter que dar uma passada na casa da minha tia para pegar umas coisas que ela quer me dar.

- Então você não vai pra tua casa, saindo daqui?

- Infelizmente, não.

- Não tem problema. Eu acho que tô precisando caminhar um pouco sozinha, mesmo.

- Quer pensar nele, né. – Brinca Vitória.

- Triste esse teu comentário. – Responde Margot, depois rindo dela mesma.

Já na porta da doceria. Vitória está entrando no táxi.

- Tem certeza de que não quer que eu te deixe na tua casa? – Pergunta Vitória.

- Tenho sim. Fica tranquila. Preciso caminhar mesmo. – Responde Margot, fechando a porta do táxi. – Vai tranquila.

- Beijos. – Fala Vitória

Margot olha o táxi de Vitória se afastar da porta da doceria até dobrar a primeira esquina à direita. Ela olha para os dois lados da rua como se estivesse procurando por alguém conhecido ou algo que lhe fosse mais familiar do que ela estivesse acostumada a ver e foi então que percebeu que todas as vezes em que ela deixou o trabalho do Centro, nunca havia parado para olhar a rua, as casas antigas as árvores na calçada dos dois lados da rua. Naquela noite em especial, a lua estava maior no céu, não era noite de lua cheia, mas era uma bela lua de quarto-crescente que brilhava no céu por trás de algumas poucas nuvens que tentavam cobrir seu brilho.

Margot respira profundamente e começa a caminhar no sentido contrário da rua. Eram por volta das nove da noite. A rua não estava deserta, mas tinha pouca gente caminhando por ela. Margot segue para a primeira esquina do lado direito da rua, em direção à faixa de pedestres. Seus pensamentos divagam sobre o "nada de especial" que achava haver acontecido no Centro naquela noite e a mensagem recebido do avô de Pedro.

- Sonhos!

Margot se assusta ao escutar uma voz por trás dela. Vira-se rapidamente e não encontra ninguém mais além de um vira-lata que atravessava displicentemente a rua a alguns metros de distância dela.

Por alguns segundos ela fica parada tentando entender o que havia acontecido. Procura por uma janela aberta, alguém dentro de um carro, uma pessoa que não havia percebido na rua, mas não encontra nada. Ela se vira para frente e volta a caminhar em direção à esquina.

- Muitas vezes falamos com vocês através de seus sonhos.

Margot vira-se novamente e diante dela Marta está parada. Margot se assusta, dando um passo desiquilibrado para trás, quase caindo no meio-fio da rua.

- Desculpe. Não foi minha intenção assustá-la. – Fala Marta.

- Quem é a senhora?

- Você não me conhece. Mas conhece meu marido e já ouviu ele falar de nosso neto.

- O garoto que está com problemas?

- Ele mesmo. Davi. Ele vai precisar muito de você. Ele vai precisar muito de vocês dois.

- Nós dois?

- Por favor. Não desistam dele e nem do trabalho de vocês. Nós estaremos sempre ao seu lado lhe amparando e auxiliando.

- Como assim? Nós quem?

- A caminhada de vocês vem sendo aguardada há muito tempo. Foram várias encarnações sendo preparados e agora que, finalmente o trabalho começou vocês não devem parar.

- Eu não estou entendendo o que a senhora está querendo dizer com isso.

- Confiem em Deus e sigam a caminhada. É só o que pedimos.

- Explique melhor, por favor.

Margot vê Marta colocar a mão em seu ombro esquerdo.

- Moça... moça... você está bem?

- Por que você está me chamando de moça?

- Moça acorde. Você está bem?

A imagem de Marta se desfaz diante de Margot e ela vê a garçonete da loja de doces com a mão em seu ombro, olhando assustada para ela. Por trás da atendente duas outras colegas da loja olhavam para Margot.

- Desculpe. Eu não sei o que aconteceu. – Fala Margot, confusa com o que acabara de acontecer.

- A senhora estava parada na calçada como se estivesse olhando alguém, mas não se mexia e nem falava nada.

- Obrigada. Eu estou bem, agora.

- Está bem mesmo?

- Tô sim. 

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