51 - O Sonho de Margot

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- Por que lhe é tão difícil acreditar no que preciso lhe mostrar, filha? – Pergunta Joana para Margot, que estão sozinhas em uma plataforma em uma estação de Metrô. Uma luz muito forte parece emanar das paredes, como se as lajotas que as recobrissem fossem feitas de energia. Nada, além da voz de Joana, ressoa pela estação, que apesar de antiga, está muito bem conservada e limpa.

- Onde nós estamos? – Pergunta Margot.

- Onde precisamos estar para que eu possa lhe mostrar a verdade que terá que enfrentar.

- Do que a senhora está falando?

- Tudo o que você viveu até agora foi uma preparação para o que virá. Seus estudos, suas práticas, suas vivências... Tudo.

- Tudo, então, era parte de um plano?

- Sempre é, filha. Você sabe disso.

- Mas o que irá acontecer. Para o que eu estou sendo preparada?

- Para ajudar aos irmãos que precisam da ajuda de Deus. Você será mais um instrumento para que os desígnios Dele possam ser atingidos.

- Me desculpe, mas eu não consigo entender.

- Lembra de nossa primeira conversa? Eu lhe disse que você teria que aprender a lidar com algumas situações e que você teria a responsabilidade de ensinar aos irmãos sofredores o que deveriam fazer para seguir a caminhada como Deus havia designado à cada um deles.

- E como isso vai acontecer?

- Já está acontecendo, filha. Desde o nosso primeiro encontro. E a cada dia, a cada aprendizado, sua responsabilidade aumenta mais e mais.

- E por que estamos aqui, nesse local?

- Como lhe disse é a partir daqui que você seguirá para descobrir seu destino. Conhecer aquele que está lhe movendo para o caminho que Deus lhe traçou.

- Eu não estou entendendo.

- Não é necessário que você entenda, filha. Eu não poderei lhe acompanhar. Mas você deve subir aquela escada ao fundo e seguir pela rua em direção à primeira encruzilhada. Confie em Deus que ele estará ao seu lado. Nada de mal lhe acontecerá.

Quando termina de falar, Joana desaparece e o ambiente de luz começa a escurecer e se torna soturno. Nas paredes, antes limpas e alvas, começam a aparecer lodo, limo e rachaduras. Uma névoa densa se projeta lentamente sobre o ar, quase tornando-o irrespirável. Gemidos, grunhidos e urros começam a ecoar por toda a plataforma. Assustada, Margot caminha em direção à escada indicada por Joana. Começa a subir os velhos e desgastados degraus, que racham sem aguentar o peso de passos que há muito parece não ter sobre eles. Tentando se segurar no velho corrimão, Margot, se assusta ao ver insetos, bichos e larvas caminhando sobre ele.

Ela olha para o alto e vê uma luz tênue vindo do alto da escada e tenta subir o mais rápido possível para chegar ao topo e sair da velha plataforma que se transformou o lugar onde antes era luz e tranquilidade.

- Meu Deus. Onde estou? – Fala assustada sem reconhecer a cidade. A arquitetura de ferro de séculos passados, já bastante enferrujada, se misturava com prédios coloniais e casas de arquitetura da década de 1950. A única coisa comum à todas as construções, era a aparência de abandono e destruição que todas possuíam. O vento varria o chão das velhas calçadas de pedras portuguesas, que faziam limite com as ruas pavimentadas com pedras pretas irregulares, como se um grande mosaico tivesse sido montado por um louco. No céu, a luz do sol tentava encontrar caminho por entre as nuvens negras que corriam fazendo pequenas tormentas. Pequenos pedaços das casas, calçadas e ruas, se soltavam e flutuavam em direção às nuvens como se cada parte da cidade estivesse se desfazendo, mas na verdade, nada parecia mudar nas velhas construções abandonadas. A cidade, aparentemente sem qualquer morador, parecia ter vida própria, os prédios e as ruas pareciam pulsar. As únicas formas de vida eram os estranhos bichos rastejantes e os insetos que se afastavam quando Margot dava cada passo tentando chegar à encruzilhada que Joana havia lhe dito para ir.

A dificuldade em respirar atrapalha a caminhada, assim como as rajadas de vento que pareciam tentar lhe impedir Margot de chegar ao seu destino. A encruzilhada, que antes parecia bem perto, a cada passo parecia mais distante.

- Não desista. Não pare! Deus está com você. – A voz de Joana ressoava dentro da cabeça de Margot que, com muita dificuldade consegue chegar até a encruzilhada.

Ela levanta o rosto e olha no meio do encontro das duas ruas, um homem de costas para ela, completamente sem pelos, parado olhando para o alto. Descalço, com a camisa branca aberta, que sacode com o vento forte. Pequenos pedaços das construções levados pelo vento forte rasgam a pele do homem como pequenas lâminas fazendo com que pequenas gotas de um sangue negro escorram sujando sua roupa. Ele está completamente imóvel.

- Senhor! – Grita Margot.

Os ventos se tornam mais fortes e levam Margot ao chão.

- Siga. É importante. – As palavras de Joana fazem com que Margot consiga se arrastar pelo chão. Com muita dificuldade ela consegue chegar perto dele. Com muita dificuldade ela estica seu braço esquerdo e toca a perna do homem para lhe chamar a atenção.

- Vocês não irão me afastar dele. Ele é meu! – Grita o homem para Margot, que olha para cima e vê uma expressão de raiva em um rosto sem olhos, nariz ou orelhas.

- Não!! Grita Margot assustada se levantando rapidamente na cama.

Olha em volta e vê as paredes de seu quarto. Leva as mãos até a boca tentando segurar um pouco do ar que insiste em sair através da sua respiração ofegante. Margot olha para todos os detalhes como se quisesse se tranquilizar, tendo a certeza de que estava realmente a salva em seu quarto. Ela olha para a mesa de cabeceira e o rádio relógio marca 3h48 da madrugada. Ela tira a coberta de cima de suas pernas e se senta na beira da cama. Ainda tentando controlar sua respiração, ajeita o pijama. Coloca uma mecha de cabelo para trás de sua orelha esquerda. Respira fundo e se levanta, caminhando até a porta do quarto. Atravessa a sala iluminada pela luz da rua que entra pela porta da pequena sacada e caminha até a cozinha, abrindo a geladeira para pegar uma garrafa de água. A coloca sobre o balcão, enquanto pega um copo no escorredor de louças que está sobre a pia da cozinha e se vira de volta ao balcão para pegar a garrafa.

- Me ajude. Por favor! – Diante dela, Davi está parado olhando fixamente para Margot que, assustada, deixa cair o copo de vidro vazio no chão da cozinha.

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