Médiuns (Completo)

29 - Sobre a Despedida de Seu Martins

- Tudo o que queria, agora, era poder me deitar e tirar uma boa soneca. – Fala Jorge, se jogando no sofá da sala e estendendo as pernas sobre o sofá, logo depois de ter tirado os sapatos.

- Eu não acredito que tu vais colocar os pés sujos sobre o meu sofá. E ainda por cima, vai deixar esses sapatos no meio da sala. – Reclama Francisca, enquanto bate nas pernas de Jorge com o pano de prato que trazia nas mãos.

- Francisquinha do meu coração. É só um instantinho. Eu já tenho tão pouco tempo para descansar depois do almoço. – Suplica Jorge, enquanto abre o caderno de esporte do jornal para ler sobre o jogo do Corinthians na noite anterior.

Carmem entra na sala e se senta na poltrona perto do sofá. Apoia os cotovelos sobre os joelhos e o queixo sobre as mãos entrelaçadas. Jorge olha por sobre o jornal para Carmem que, pensativa, não percebe o olhar do cunhado para ela. Francisca se aproxima trazendo nas mãos um prato de sobremesa com uns pedaços de laranja da terra que havia comprado naquela manhã na fruteira da esquina. Jorge se senta no sofá dobrando o jornal nas mãos e Francisca se senta ao lado dele.

- O que é que está acontecendo? – Pergunta Jorge, baixinho para Francisca.

- Ela está assim desde uma conversa que tivemos com o papai, ontem.

- E sobre o que foi essa conversa?

- Nem eu sei te dizer ao certo. Papai anda muito estranho. Parece que ele sabe que vai acontecer alguma coisa com ele e não quer nos falar. É como se ele estivesse com tudo programado. Tudo acertado.

- Chica, quantos anos tem o Seu Martins?

- Noventa e dois.

- Tu não achas que já está mais do que na hora desse homem descansar?

- Não fala assim, Jorge!

- Não precisa brigar comigo. Não estou falando por mal. Estou falando uma verdade Chica. Como tu irias te sentir tendo que ficar trancada em um quarto vinte e quatro horas por dia, sete dias da semana. Não deve ser nada fácil para ele.

- Nós sabemos disso, Jorge. Não é isso que nos preocupa... Quer dizer, não é isso que me preocupa, ao menos. – Responde Carmem. - O que me deixou preocupada sobre a conversa que tivemos ontem com ele, foi o teor do assunto.

- Como assim? Pergunta Jorge.

- Na verdade, foi sobre o que ele não quis nos falar. É como se tivesse um segredo. Algo que ele preferiu nos esconder por receio ou por achar que não conseguiríamos entender ou até perdoá-lo.

- Eu tive essa mesma sensação. – Fala Francisca colocando um grande prato de porcelana antigo, sobre a mesa de centro da sala. – E o pior de tudo é que antes de dormir, ainda fiquei um bom tempo pensando o que poderia ser. O que o nosso pai poderia estar escondendo da gente.

- Eu não acredito que duas mulheres adultas estejam sofrendo desse jeito por algo que nem sabem se realmente existe. – Fala Jorge.

- E você queria que a gente estivesse como? – Francisca se senta no sofá ao lado de Jorge. – Se você estivesse desconfiado que a sua mãe estivesse escondendo um segredo de você. Como seria sua reação? Ia achar tudo normal?

- Gente, é muito simples. O Seu Martins está agorinha mesmo, lá em cima,deitadinho na cama do mesmo jeito que tem estado há mais de cinco anos. Por queas duas não sobem e resolvem isso de uma vez por todas? Não vai ser melhor paravocês?