No velho quarto, Martins, deitado na cama, fala como se conversasse com alguém à sua frente.
- As coisas não estão sendo fáceis para ele, Ana. Mas ele tem que passar por isso e superar. Só assim ele vai aprender. Nunca é fácil para ninguém, sabes disso. Lembra das dificuldades que passamos com Carmem e Francisca?
Suas mãos dançam pelo ar suavemente, como se o movimento delas ajudasse Martins a se lembrar das estórias que viveu.
A luz do sol da manhã entra pela janela ainda fraca, ilumina a cortina e os porta-retratos que estão sobre a mesa de cabeceira. Nas fotos, Ana sempre sorrindo, em vários momentos que marcaram a vida de Martins.
Com dificuldade ele se ergue e pegue uma das fotos em que Ana aparece abraçada às filhas em uma pequena praia de algum litoral que o tempo se encarregou de tirar a lembrança do nome da mente de Martins.
- Lembra dessa viagem? Foi a primeira vez que saímos de férias com as meninas. Tantos meses nos programando, tantos passeios sonhados e acabamos tendo de voltar bem antes do que programávamos.
Martins passa as pontas dos dedos pelo rosto de Carmem que está sorrindo na foto, abraçada à mãe.
- Coitadinha de Carmem. Até hoje me dói lembrar de tanto sofrimento, tanta dor.
Uma gota de lágrima se forma no canto do olho de Martins, mas uma respirada profunda a impede de cair.
- Eu sei que ela tinha que passar por aquilo. Mas nenhum pai quer que seu filho sofra. E me foi muito difícil ver minha filha sofrendo tanto.
Os olhos de Martins fecham e uma vez mais, seu peito se enche de ar como se buscasse um pouco de acalanto para o sofrimento que as memórias insistiam em trazer novamente à tona.
- Vá filha. Sei que seu tempo é escasso e agradeço cada momento que dispendes dele ao meu lado. Te amo, como sempre te amei.
Carmem abre a porta do quarto e entra trazendo consigo uma bandeja com uma xícara de café com leite e um pão com manteiga prensado na chapa do fogão.
- Falando sozinho novamente, pai.
- Coisas da idade, filha. – Responde Martins tentando esconder o porta-retratos que estava em suas mãos.
- Trouxe o café com aquele pãozinho na chapa que o senhor gosta. – Carmem coloca a bandeja na mesinha ao lado da cama e se senta para conversar com o pai.
- O que o senhor está escondendo aí? – Brinca Carmem tentando ver o que o pai tentava colocar sob as cobertas.
- Nada não, filha. Lembranças somente.
- Como nada, pai. Deixa eu ver. O senhor sabe que eu sou curiosa. – Responde Carmem rindo, que levanta a colcha e vê o porta-retratos com a foto da mãe com ela e a irmã. – Nossa pai. Isso faz tanto tempo.
- Nem faz tanto tempo assim filha.
- Claro que faz, paizinho. Mamãe tá linda nessa foto. – Fala Carmem com um misto de orgulho e saudade na voz.
- Sua mãe sempre foi uma mulher linda. E vocês puxaram a ela.
- Mas quando. Olho de pai não vale. – Brinca Carmem.
- Não filha. Não são olhos de pai, são olhos que já viram muito do mundo e veem vocês exatamente como são. – Responde Martins passando a mão carinhosamente no rosto da filha.
- Pai, por que o senhor sempre se emociona tanto quando olha essa foto?
- Lembranças de um velho, saudoso do tempo em que teve bons momentos.
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Médiuns (Completo)
Romance🥇1º Lugar na Categoria ESPÍRITA nos meses de novembro e dezembro de 2023 e janeiro de 2024. 🙏🏻 🥈TOP 3 nas Categorias ESPIRITISMO, MEDIUNIDADE e PARANORMALIDADE, em Janeiro de 2024. 🙏🏻 Como você se sentiria entrando em um mundo que nunca acredi...