13 - Davi

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Paulo está em seu quarto, no banheiro, terminando de fazer a barba. No aparador de pedra mármore sobre a pia, além do creme de barbear e do pincel de barba com o cabo de madrepérola, ainda estavam a escova de dentes, a pasta para cabelo e a pedra hume, além dos óculos e da velha loção após barba que sempre usou desde que começou a se barbear ensinado pelo pai. As lembranças de sua convivência com o pai, vem à sua mente todas as vezes no início do dia. Em cada passada de lâmina pelo rosto, a lembrança do dia em que seu pai lhe ensinou a maneira correta de segurar o aparelho de barbear, o sentido em que deveria fazer a passada da lâmina pelo rosto, a força que deveria ser empreendida em cada movimento. Ao terminar, seu Paulo baixou a mão, ainda segurando o aparelho de metal, desrosqueou e lavou a lâmina sob a água, depois pegou um pouco da água e levou-a ao rosto para tirar o resto do creme de barbear que sempre insistia em sobrar ao lado das orelhas. Levantou seu rosto e olhou seus próprios olhos no reflexo do velho espelho já desgastado pelo tempo. Passou a ponta dos dedos pelos olhos, pela sobrancelha, pela testa e se deu conta de que estava com a mesma idade de seu pai, quando ele morreu. Pegou os óculos que estavam na prateleira sobre a pia, colocou no rosto e olhou para o velho relógio de aço com fundo escuro que estava em seu pulso, para ver a data que estava marcando no velho mostrador. Fazia vinte e cinco anos da morte de seu pai e as lembranças deles ainda estavam tão vivas quanto no dia em que ele as viveu.

Paulo saiu do banheiro, pegou a camisa que ele havia posto sobre a cama e a vestiu. Caminhou de volta ao banheiro, colocou um pouco da pasta para o cabelo sobre a palma da mão e passou sobre os poucos fios que ainda restavam. Poucos, sim. Mas rebeldes e bem vivos como gostava de dizer brincando com Davi, seu neto.

Olhou mais uma vez para si, pelo espelho e caminhou até a porta do quarto.

Na sala, Davi estava na poltrona, recostado com os braços arqueados, as pernas encolhidas e a cabeça caída para o lado. Estava usando uma fralda e um lençol cobria metade de seu corpo. Seus olhos, olhavam o vazio e sua boca balbuciava palavras incompreensíveis. Paulo entra na sala, passa a mão na cabeça de Davi lhe fazendo o mesmo carinho que sempre fazia em cada manhã.

- Bom dia, querido.

Sem responder, Davi continua com sua mente estivesse imersa em um mundo completamente distante de onde seu corpo estava. Paulo se senta à mesa do café e serve de um pouco de leite na xícara de porcelana.

- O senhor vai querer um ovo frito ou uma tapioquinha, seu Paulo? – Pergunta Rosilda, a cozinheira da casa.

- Não vou querer nada não, Rosilda. Obrigado. Onde estão minha filha e meu genro?

- Já saíram, seu Paulo. Hoje eles disseram que iriam visitar uma clínica nova, para internar o Davi. – Responde Rosilda com a cabeça baixa, como se a intenção dos pais em querer internar o filho, não fosse a melhor notícia que ela pudesse dar naquela manhã para Paulo.

Durante alguns minutos, Paulo fica parado na mesa olhando para Davi, tentando encontrar no neto qualquer sinal, algum gesto, um olhar.

- Meu neto não precisa de internação, Rosilda. Não é esse o tipo de ajuda que vai salvá-lo.

No escritório de Margot, Alfredo entra na sala com as pilhas de processos para distribuir entre as mesas.

- Ontem as coisas no Centro foram mais tranquilas?

- E eu posso saber como é que o senhor está sabendo dessa estória? - Pergunta Vitória, depois de olhar assustada para Margot, como que procurando saber tudo o que estava acontecendo.

- A verdade é que as coisas por aqui, correm mais rápido do que vocês pensam. - Responde Alfredo colocando cinco pastas sobre a mesa de Vitória. - E o que me impressiona mais é que mesmo trabalhando há tanto tempo juntos, vocês acham que eu não ia saber de nada.

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