21- No Café da Manhã

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O sol da manhã entrava pela porta que leva à sacada passando pela cortina branca que balança com a brisa do início do dia. Na mesa da sala estava servido o café da manhã e Antonio, pai de Davi, estava sentado à mesa com as mãos entrelaçadas e apoiadas sobre ela, olhando para Davi que estava deitado em uma poltrona na sala, com o lençol cobrindo parte de seu corpo e a cabeça apoiada em um travesseiro. Andreia entra na sala, passa a mão na cabeça de Davi, lhe beija a testa e caminha em direção à mesa do café, Antonio olha a mulher sentando-se ao seu lado, pega o jornal que estava dobrado ao lado da sua xícara de café e o abre para ler.

- Bom dia! – Cumprimenta Andreia.

- Bom dia. - Os olhos de Antonio passam pelas letras do jornal sem se concentrar exatamente no sentido delas. Na verdade, o que menos importava naquele momento eram as notícias do dia anterior que estavam impressas nas páginas. Ele tenta se conter, mas não consegue, dobra o jornal novamente, o coloca sobre a mesa, respira fundo e fala à esposa. – Eu não vou fingir que nada aconteceu, ontem, ou que eu não sei onde você foi, porque sei exatamente onde você foi e o que foi fazer.

- E o que eu fui fazer? – Pergunta Andreia, respirando profundamente.

- Buscar ajuda com aqueles charlatães.

- E por que você os considera charlatães? Alguma vez você esteve com eles e eles lhe prometeram algo?

- Eu não perderia meu tempo procurando esse tipo de ajuda.

- Que tipo de ajuda, Antonio? – Responde Andreia abaixando a xícara que estava em sua mão e a colocando sobre o pires. – O tipo de ajuda que pode me trazer um pouco de conforto? Que pode tentar me fazer entender o porquê do nosso filho estar passando por esse tipo de problema?

- Deixa de ser absurda, Andreia. Nosso filho está com uma doença. Ponto final. Acabou.

- Não, Antonio, não acabou. E sabe por quê? Porque nosso filho não está com nenhuma doença. Pelo menos até agora nenhum médico conseguiu diagnosticar. Nenhum exame conseguiu mostrar o que ele tem. Se é que tem alguma doença mesmo.

- O que você está querendo dizer com isso? Que é algum trabalho que foi contra ele?

- Ninguém está falando de trabalho ou magia negra, Antonio. – Responde Andreia levando as mãos à cabeça. - Eu não sei o que ele tem, mas sei que quero que ele volte a ser o filho que nós tínhamos, o nosso filho. – Os olhos de Andreia se enchem de lágrimas e respira para evitar que caiam pelo seu rosto. - E se para isso eu tiver que tentar de tudo, eu vou tentar. E espero, sinceramente que o meu marido, tente também. Não por mim, nem por nenhum tipo de crença ou religião, mas pelo Davi. Só isso.

Antonio fica parado olhando para Andreia sem saber o que responder.

- Com licença, vou terminar de me arrumar. Tenho que levar o Davi para a consulta com o Dr. Carlos. - Andreia arreda a cadeira e se levanta da mesa.

Rosilda entra na sala, em suas mãos uma bandeja com bules com café, leite, um prato com duas tapioquinhas, um outro prato com metade de um mamão papaia e um pote mel.

- Rosilda, prepare o Davi para que eu possa levá-lo à consulta, por favor. – Pede Andreia, indo em direção ao corredor do apartamento.

- Sim senhora. – Responde Rosilda enquanto coloca a bandeja sobre a mesa.

- Dona Andreia não vai querer mais o café da manhã que ela pediu? – Pergunta Rosilda à Antonio.

- É melhor perguntar para ela. Já não sei mais nada do que a minha mulher quer ou deixa de querer. – Responde Antonio. – Na verdade nem sei mais quem é essa mulher com quem eu me casei. – Resmunga baixinho.

- Fale assim não, seu Antonio. Vocês se amam tanto.

- Quem ama quem aqui nessa casa Rosilda? Parece que as pessoas que moram aqui se esquecem de tudo o que passaram e agora querem acreditar no impossível. – Antonio olha para Davi e respira fundo.

- O senhor tá falando do Davizinho? Fique assim, não. Se Deus quiser, ele vai ficar bom. – Rosilda faz um sinal da cruz em si mesma assim que termina a frase.

- E ele quer?

- Credo em cruz, seu Antonio. Isso é jeito de falar dos desejos de Deus?

- E os desejos dele, Rosilda? – Fala Antonio olhando para Davi. Ele se levanta da mesa e caminha em direção ao filho. – Você acha que ele iria querer ficar desse jeito? Sem poder falar, sem brincar, sem poder jogar bola com os amigos? – Fala Antonio enquanto observa o corpo do filho sobre a poltrona. Ele arruma o lençol e coloca a cabeça do filho sobre o centro do travesseiro. Depois, enxuga uma pequena lágrima em seus olhos. - Você lembra como ele era? Lembra das coisas que ele gostava de fazer? Sabe que ele nunca conseguiu ficar parado muito tempo. Você realmente acredita que ele gosta dessa situação? – Antonio passa os dedos por entre os cabelos de Davi. – As pessoas podem até achar que eu estou sendo egoísta, que só penso em mim. Mas na verdade, a única coisa que eu queria agora, é que ele tivesse paz. Que parasse de sofrer e se para isso eu tiver que abrir mão da companhia do meu filho, eu prefiro que seja assim, Rosilda.

- Fale assim não, seu Antonio. Deus tá vendo o seu sofrimento. Tá vendo tudo o que o senhor e a dona Andreia tão passando. Ele há de ajudar vocês.

- Você realmente acredita nisso, Rosilda? Você realmente acredita que Deus iria deixar um menino como o Davi sofrer desse jeito?

- Quem sou eu para saber o que Deus pode fazer ou não Seu Antonio. A única coisa que eu sei, é que ele não ia deixar o Davizinho desse jeito, se ele não quisesse que a gente aprendesse alguma coisa com isso. É o que eu acredito e é o que me dá conforto quando eu vejo meu menino desse jeito. É isso que eu sei. – Rosilda pega a bandeja com o café que Andreia não tomou e leva de volta pra cozinha.

Antonio fica na sala, ainda sentado ao lado de Davi pensando nas palavras de Rosilda, ele fica tentando entender como, em sua simplicidade, aquelas palavras podem ter lhe dado um pouco de esperança.

- Deus queira que você esteja certa, Rosilda. Deus queira. – Antonio sussurra passando os dedos suavemente pelos cabelos de Davi.

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