~Remédio pra alma

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As pessoas passavam por mim e provavelmente pensavam que eu estou bêbado. Que outra coisa faria um cara de bermuda e camiseta numa manhã fria, vomitar assim, se não uma ressaca daquelas? Bem, eu te respondo: um cara que sentiu nojo de si mesmo.
Quando eu terminei de vomitar até as tripas, eu não tinha forças para montar e pedalar minha bicicleta. Eu mal conseguia ficar de pé, pq minha cabeça doía, meu estômago revirava e minhas pernas tremiam, então eu simplesmente peguei meu casaco e a bike e fui empurrando, meio que apoiado nela.
No quarteirão seguinte, tudo estava pesado demais, então virei em outro desses becos onde ficam as lixeiras e depois de apoiar a bicicleta na parede oposta, eu voltei a me agachar e chorei. Um choro pesado e sentido. Chorei feito uma criança perdida pq é exatamente o que eu estou sentindo: solidão, medo, angustia...
Me senti pior do que esse lixo empilhado ao meu lado. Chorei alto até soluçar e o choro foi tão ridiculamente alto que a porta de um dos estabelecimentos se abriu e recebi um olhar de piedade de uma sra usando um avental floral. Ela me olhou por um tempo. Eu a vi qnd ela abriu a porta e mesmo eu tendo voltado para minha bolha de tristeza, pude sentir que ela continuava ali, me olhando. Talvez pensando em que diabos eu fazia chorando ali ao lado das lixeiras e atrapalhado o serviço dela.
Era tarde demais para qualquer explicação, então eu a ignorei e continuei colocando toda minha dor pra fora. Aquele choro era necessário. Ouvi os passos dela se aproximando e uma mão pousou no meu ombro:
- Está tudo bem, meu rapaz?
Assenti sem olhar, mas ela não saiu do meu lado:
- Seja oq for, volte pra casa. Está frio demais para você ficar aqui sozinho. Vai ficar tudo bem, acredite.
Eu a encarei como o rosto todo molhado e frio pelas lágrimas e provavelmente algum ranho. Eu a encarei bem no fundo dos olhos, com um pouco de raiva pelo conselho dado sem saber q eu sou um merda, que o problema sou eu e ela me retribuiu com um olhar de ternura.
- Você acha mesmo? - perguntei.
- Eu sei que sim. Vc me parece um garoto inteligente. Tenho certeza que vc vai se sair bem dessa. Seja oq for, não pode ser assim tão ruim.
- Eu estou muito encrencado...
- Garotos da sua idade geralmente estão. - ela sorriu e eu sorri de volta.
- Idade maldita.
- Não diga isso. Qnd vc tiver minha idade e um bico de papagaio, vc vai sentir falta da sua juventude.
- Espero rir disso um dia.
- Você vai.
- Obrigado. Zac. - falei estendendo a mão. - Não se preocupe, está limpa. - sorri.
- Prazer, Zac. Eu sou a Abigail. - ela falou se atrapalhando ao segurar minha mão.
- Ah, desculpe. Eu sou canhoto. - falei sem graça, enquanto tentava limpar meu rosto.
- Ah. Sem problemas. Aceita um pouco de água?
- Acho que vou aceitar... eu meio que desidratei, sabe?
- Sei... - ela sorriu e eu a segui para a porta da qual ela havia saído.
- Que loja simpática! - falei olhando em volta.
- Obrigada. É uma loja simples, de artesanato e pqnas vendas das senhoras aqui de Tulsa. - ela sorriu enquanto enchia o copo de água e me estendeu lenços de papel.
- Eu nunca tinha visto.
- Isso pq é uma loja pqna. Nem se compara ao que vc vai realmente notar por aí.
- Prometo que vou prestar mais atenção. - falei pegando o copo d'água e bebendo num gole só.
Ela sorriu e pegou o copo vazio:
- Mais?
- Não. Obrigado. Preciso voltar pra casa.
- Mande lembranças para sua família e lembre-se: vai ficar tudo bem.
- Obrigada D. Abigail.
- Disponha, anjinho.
*Anjinho... broken angel...*
Ela me acompanhou até a porta, peguei minha bicicleta e voltei a empurrar ela até em casa. Aquela senhora desconhecida, dona Abigail, foi o verdadeiro anjo de hoje.
Fui andando e confesso que não sei como cheguei em casa sem ser atropelado, pq eu estava tão fora de mim que me lembro apenas de ter feito a curva no quarteirão da D. Abigail e agora eu estou parado em frente ao meu prédio.
Entrei pela garagem e guardei a bicicleta.
Fui até o elevador e me olhei no espelho. Eu não estava nada bem, mas estava melhor do que imaginei.
Quando a porta se abriu, eu não estava no meu andar. Demorei uns segundos para notar que eu estou no hall do apto do Tay.
A tristeza faz isso comigo: tenho lapsos de memória, pq me afundo demais na tristeza e isso dói tanto que eu meio que entro em um modo automático de sobrevivência.
Eu sei que Lola e Tay tem seus problemas agora, mas eu sei pq meu cérebro tinha me trazido até aqui: eu preciso de socorro e meu socorro é a Lola.
Bati de leve na porta, pq na verdade eu não tenho certeza se quero que ela me atenda. Eu nem sei oq dizer e se vou contar sobre a Kate.
Senti outra onda de enjoo qnd ela abriu a porta:
- Zac? Tá tudo bem? Vc parece meio pálido!
- Oi Lola. Posso entrar?
- Claro! - ela me deu passagem e eu fui até o sofá. Eu tenho intimidade suficiente pra me sentar sem esperar que ela ofereça.
Ela sentou ao meu lado e esperou. Ela faz isso qnd sabe que as coisas não estão bem. Ela espera e ouve, de todo coração.
Eu me deitei no colo dela e perguntei:
- Como estão Penny e o Tay?
- Estão bem. Tay está dando banho nela agora. - ela respondeu me fazendo cafuné.
- Atrapalho?
- De forma alguma.
- Eu ia oferecer ajuda de qq forma. Ike me fez ficar longe esses dias, mas eu simplesmente não consigo.
- Não precisa se preocupar. Minha mãe conseguiu pegar uns dias de folga e vem pra cá. Ela deve chegar hoje à noite. Eu ia ligar mais tarde convidando vcs para a janta.
- Hmmm. Esther e Júlia vão vir? - perguntei ansioso e com medo da resposta. Eu queria tanto ver a Esther, mas tenho medo de encarar ela agora.
- Não. Elas estão em semana de provas finais. Não podem faltar. Júlia vai ficar na casa da Esther esses dias.
- Entendi.
- Zac? Aconteceu alguma coisa?
- Eu vomitei todo meu café da manhã...
- Meu Deus! Vc está doente? - ela já foi colocando a mão na minha testa.
- Não... Não... eu comi e andei de bicicleta. Talvez tenha sido isso. - menti e agradeci por ela não poder ver meu rosto ou veria a mentira nos meus olhos.
- Tem certeza?
- Também vi uma moça que me lembrou a Kate enquanto eu estava na padaria.
- Sinto muito.
- Eu também.
Tay chegou com a minha sobrinha no colo e eu me senti um pouco melhor. Se Lola é meu 911, Penny é minha pqna pílula de alegria.

Save Me From Myself (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora