14 de dezembro de 2011 - Vida que segue

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(Rachel)

Não gosto muito de cenários clichês. Como uma boa conhecedora de peças teatrais e musicais, observo com atenção não apenas ao desempenho performático dos atores envolvidos, como também nos detalhes estéticos. E há certas coisas que acho desnecessárias. Não entendo a razão de todo enterro ser encenado com meia luz e fumaça de gelo seco para parecer poético. É assim no teatro, na televisão e muitas vezes no cinema. Porque nunca está fazendo um sol de rachar num enterro? Está sempre nublado, ou nevando levemente ou chovendo. A não ser quando o filme é policial e o detetive identifica o bandido ou a testemunha chave justo ali.

Ironicamente, o enterro do meu pai teve um cenário clichê. Foi realizado no final da tarde. Havia um leve nevoeiro no cemitério, estava muito frio e as pessoas usavam pesados casacos pretos de inverno.

Os homens da minha família conduziram o caixão simples, sem ornamentos, como é a tradição judaica. Papai foi enterrado com uma roupa branca sem detalhes e o xale de orações. Não usamos flores nem cantamos nos enterros. Fiquei aliviada por Noah ter explicado tal detalhe para o coral, mas estou quase certa de que eles vão fazer um número especial tão logo Santana e eu voltarmos à escola. É sempre assim. George, o cantor sacro da nossa sinagoga, recitou os versos "o Senhor dá e o Senhor tira – bendito seja o nome do Senhor", enquanto jogava as três pás de terra em cima do caixão.

Rabino Amnon fez um sermão emocionado. Ele e papai eram bons amigos. As palavras doces de rabi me fizeram chorar pela primeira vez no enterro. Segurei na mão do meu pai ao meu lado. Ele queria permanecer forte para mim e Santana. Não precisava fazer isso. Não me importava se nós três estivéssemos quebrados e carentes. Estaríamos em nosso direito. Santana usava o kipá e segurava o de papai em suas mãos. Shelby estava ao lado dela. Beth ficou sob cuidados de alguém em casa, eu não perguntei com quem. Cemitérios não são mesmo locais para bebês. Os Lopez estavam quase todos presentes, assim como o coral mais Kurt, Blaine, treinadora Sylvester, senhora Pillsbury e o marido dela, Carl Howell. A família de Brittany também se fez presente. Prudence e Clara com seus respectivos maridos também fizeram questão de prestar respeito a papai e solidariedade conosco. Havia muitos alunos, colegas de trabalho e amigos dos meus pais. Papai era um professor querido e considerado. O jeito amigo e tranqüilo dele conseguiu ser maior do que o preconceito que nossa família foi vítima inúmeras vezes.

Zaide começou a recitar o Kadish e nesse momento as lágrimas correram pelo rosto de Santana. Meu avô estava arrasado com a morte do filho único e nem posso imaginar o que se passava na mente dele. O que podia afirmar era que ele recitava a oração com fervor sem-igual ao mesmo tempo em que se esforçava para manter a postura firme de homem forte. Bubbee teve uma crise nervosa e não suportou ir ao enterro. Ela estava medicada em minha casa. Era provável que zaide e bubbee passariam o luto conosco, que consiste em três dias de confinamento dentro do lar. Na verdade era uma semana, mas apenas os três dias eram essenciais em nossa tradição. Mas qual outro lugar, que não a minha casa, eu gostaria de estar numa ocasiões dessas? Tudo que queria era me fechar no meu quarto e dormir para só acordar quando todo esse pesadelo tivesse chegado ao fim. O único problema é que esse sonho ruim era um desses definitivos porque papai não voltaria mais.

As pessoas nos cumprimentaram antes de ir embora após o sepultamento. Não fazíamos recepções como era tradição entre os cristãos americanos e eu sinceramente não sabia qual era o ponto nisso: enterrar vários dias depois da morte e ainda fazer recepção. Não. Eu preferia o isolamento judeu. Quando chegamos em casa, dei uma olhada no quarto de hóspedes onde estava bubbee. Ela parecia calma em seu sono induzido pelo sedativo que meu pai passara mais cedo. Zaide entrou no quarto de hóspedes, fechou a porta e lá ficou. Santana fez o mesmo. Papai se isolou desolado na biblioteca. Eu me vi naquela casa com Shelby. Minha mãe então fez a melhor coisa que alguém poderia ter feito por mim em um momento como aquele: me deu colo.

Saga Berry-Lopez e Fabray (história 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora