Capítulo Setenta

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Eu decidi caminhar naquela tarde terrível com nuvens negras e ventania. Mamãe tirou um cochilo pela tarde, Anthony não havia voltado e papai só chegaria em casa depois das sete.

Pensei no meu bebê, pensei em Micael, fiquei feliz e depois me peguei chorando sozinha, enquanto caminhava. Fiz o caminho do colégio à pé, sentindo falta de estudar e lembrando dos tempos em que eu não tinha problemas.

Dei um sorriso sincero quando observei o portão fechado, com tudo vazio. Continuei à andar e me esbarrei em alguém, que estava correndo.

— Me desculpa, eu... — Retirou os fones de ouvido sem fio. — Sophia. — Me observou de cima à baixo.

— Amélie. — Meu olhar se iluminou. Ela estava tão diferente! — Quanto tempo, quer dizer, como você está?

— Estou bem. Indo! — Não parecia ter ficado muito feliz em me ver. Foi estranho. — Você casou, não é mesmo? Eu fiquei sabendo por alto.

— É, eu me casei sim. — Confirmei. — Estou grávida! — Decidi contar à ela. Amélie não iria fazer muita questão.

— Meus parabéns. — Foi seca. — Se me der licença, eu preciso ir.

— Amélie, eu... — Lhe parei. — Gostaria de convidar você para um café. Você aceitaria? — Pisei em ovos na hora de convidar, mesmo sabendo da resposta.

Amélie pensou na hora de responder mas acabou aceitando. O que me impressionou!

— Vamos. — Assentiu.

Fez questão de pedir um táxi para não irmos andando até o centro de Bordéus. Pedi para pagar mas ela não aceitou. Amélie escolheu uma lanchonete perfeita onde havia aberto semanas atrás, havia gostado da opção!

— E então, como você está? De verdade. — Apoiou os braços na mesa de madeira redonda, com um guarda-sol gigante em cima de nós.

— De verdade? — Amélie conhecia bem a história. Foi como se Tina estivesse ali, mas não sabendo de tudo. — Estranhas, eu diria.

— Ele aceitou a sua gravidez? Estavam tentando?

— Não. Só eu estava tentando! — Amélie ficou surpresa. — Você soube que Tina irá se casar? — Mudei de assunto.

— Não, não soube. Tina e eu estamos distantes. — Cerrou os dentes. — Bem distantes!

— Ainda estão brigadas?

— Brigadas é um termo bem infantil. — Amélie soltou uma risadinha. — Eu diria... Afastadas.

— E você? Conseguiu se formar? Está trabalhando em alguma coisa? — Me interessei.

— Eu saí da casa dos meus pais e virei garota de programa. — Contou normalmente, como se fosse algo comum no dia-a-dia. — Acompanhante de luxo! — Corrigiu sua fala. — Fica mais... Sútil.

— Uau! Acompanhante de luxo? — Fiquei pensativa. — Aposto que sua mãe deve ter...

— Minha mãe não precisa saber da minha vida, Sophia. É algo opcional que eu pensei muito antes de ter essa iniciativa. — Explicou. — Eu ganho bem! Tenho carinho! Ganho presentes caros e não preciso me relacionar com uma pessoa para ter futuro. Não me sinto culpada em transar por notas e mais notas de dinheiro. É incrível! Não consigo viver sem!

Amélie estava serena contando sua experiência como garota de programa, que por segundos me deixou atordoada. Pedi o meu café com a garçonete, seguida dela, que optou por um suco de laranja natural. Nosso acompanhamento foi croissants de frango, divino.

— Você ainda tem contato com o pessoal da escola? — Limpei minha boca com um guardanapo de pano.

— Poucos. — Amélie tentou se lembrar. — A única pessoa que eu vejo quase toda semana é o Victor. — Subi meu olhar à ela. — Ele faz academia onde eu faço!

— Victor? — Me lembrei do incidente do quase beijo, mas não decidi comentar. — Não vejo ele há um bom tempo também. — Menti.

— As pessoas estão corridas. Nós crescemos, Sophia. — Amélie estava bem diferente. — Precisamos marcar algo para conversar melhor! Você está disponível no mês que vem?

— Ah, não... Micael terá uma vernissage em Nova Iorque. Vamos viajar! — Remexi os meus lábios. — Mas podemos marcar em outra ocasião.

Amélie buscou o celular, um pedaço de guardanapo e pediu uma caneta à garçonete. Anotou um número de telefone, me entregando.

— Esse é o meu celular pessoal. Se quiser marcar algo, podemos combinar outro café. — Assentimos. — Foi um prazer revê-la, Sophia. — Se levantou.

— Você também, Amélie. — Vi ela caminhar para longe de mim, me deixando sozinha na lanchonete ao ar livre.

Ajuntei minhas coisas e voltei para a casa da mamãe, pedindo um táxi. Senti preguiça de andar todo aquele caminho, ainda mais com o dia virando noite.

Só não esperava pegar uma chuva daquelas ao chegar na esquina, passando rápido pelo portãozinho de madeira.

— As caixas estão lá fora, Carlota. — Passei pela porta, escutando o papai falar. — Olhe só, aí está ela! — Ficou feliz em me ver, me deu um abraço.

— Papai, como o senhor está?

— Bem! E você? Fiquei surpreso em saber que você estava aqui. — Papai me entregou uma toalha, me sequei rapidamente.

— Vim dormir essa noite. Micael está trabalhando em projetos da nova vernissage. — Menti. — Não gosto de ficar sozinha.

— Fez bem! Com essa chuva, é melhor ficar aqui com a gente. — Papai deu um sorriso. — Tome um banho quente, você irá pegar um resfriado desse jeito.

— Onde você estava? — Anthony apareceu. Estava ajudando a mamãe em alguma coisa.

— Eu fui caminhar! — Entrei no corredor. — Mas a chuva me pegou.

— E você ficou até agora caminhando? — Quis saber mais um pouco. Anthony sendo Anthony.

— Encontrei Amélie no caminho. Tomamos um café e ficamos conversando. — Fui sincera.

Papai deveria estar revirando os olhos mas eu não liguei. Caminhei até o banheiro, tomando um banho relaxante e quente. Horas depois, jantei e fui dormir no meu antigo quarto, revirando revistas que estavam por lá, sentindo saudade daquela época.

Parecia que eu estava em um ano totalmente diferente! Muita coisa aconteceu desde que eu saí da casa dos meus pais.

Quando me deitei, liguei o abajur e decidi ler um livro. Estava chovendo bastante lá fora, conseguia observar as folhas batendo na minha janela.

Desliguei o abajur e me acomodei no edredom, mas tomei um susto ao ver à imagem de Micael, batendo no vidro, querendo quebrar em segundos. Quando liguei o abajur de volta, não tinha nada mais lá!

— Meu Deus. — Coloquei a mão em meu peito, sentindo meu coração à mil. — Foi só um pensamento ruim. — Disse baixo, fechando os olhos e dando um jeito de dormir rapidamente.

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