Surrender The Night || Frerard version

15 - Quatro anos atrás

 O já não tão jovem Gerard observou a cartela de cores diante de si, com certo orgulho do resultado. Em breve, teria colorido a sua primeira HQ, assim como as demais que estavam em processo de pré-criação nas salas de design da Umbrella.

Há anos sua vida não havia funcionado de forma tão linear e correta. Já havia se livrado do vício e tudo o que conseguia pensar era em como mergulhou por inteiro nos desenhos, enquanto esteve preso naquele minúsculo quarto, no fim de um corredor que cheirava a éter, do centro de reabilitação durante meses.

A vida sempre trabalhou de uma forma curiosa a seu respeito. E, nem sempre, ela lhe dava chutes no saco, como havia dado ao longo de tantos anos.

Gerard carregava o peso de tanta coisa consigo, mas havia aprendido a camuflar a dor e o arrependimento durante anos. Voltar atrás era um caminho inviável, então, ele havia estipulado novas regras ao seu dia a dia. Se disciplinou, criou um homem correto e que vivia para o seu próprio crescimento. Tinha que provar para si e para os outros que era capaz, que poderia vencer aquele capítulo conturbado de sua vida. E que o fez com os próprios pés.

Assim que saiu da clínica, Gerard não voltou para a casa dos pais ou os comunicou que sua "sentença" havia acabado. Ligou para o irmão, lhe disse o quanto estava bem e soube que fez toda a diferença ao escutar a risada animada de um Mikey de dezoito anos completamente histérico e feliz. Foi até Ray em NY, o velho amigo de infância que havia voltado de NJ e agora morava solitário em um apartamento alugado na cidade natal de Way, próximo de onde, futuramente, iriam trabalhar.

Ray o recebeu bem, vendo o quanto o amigo estava regenerado, um homem diferente e responsável, ainda que fosse o mesmo rapaz gordinho e sem muito jeito para pessoas, que Toro havia conhecido. Viu futuro em Gerard e não estava errado.

Way lutou muito e sua trajetória não foi fácil. Tinha todas as ferramentas em mãos, poderia pedir ajudar dos pais e tornar seu sonho real em questão de meses, mas Gerard optou pelo caminho mais árduo. Não apenas para se punir de tudo o que fez ao longo dos anos não-sóbrios, mas para sentir por si só como ser independente e crescer. Como disse, Gerard construiu uma nova imagem de si, alguém que mergulhou em pequenos trabalhos aqui e ali, para ajudar a pagar a faculdade.

Arte foi a sua escolha, foi o que ele retomou, após anos de sofrimento.

Sempre pareceu tão certo e nunca entendeu exatamente o porquê de tanto ter adiado aquilo. Ele tinha talento nato, tinha as notas mais altas da turma e se esforçava para ser notado por suas criações e seu ar imponente, já tornando-se um tanto cheio de si, fruto do novo estilo de vida que havia designado para si próprio. Não demorou muito para chamar atenção de um amigo de classe, Bob Bryar, a quem seria eternamente grato por não só acreditar nele, mas embarcar na ideia mirabolante de criar uma editora exclusivamente para jovens talentos se lançarem no país, para aqueles que não tinham oportunidade. Mal sabiam os dois que iriam obter sucesso em tão pouco espaço de tempo e que, dentro de dois anos, Gerard já iria ser conhecido mundialmente.

A parceria havia dado certo desde o primeiro dia.

Bob tinha as habilidades para o negócio e havia aprendido a ser um bom administrador com o pai, que sempre o inteirou dos negócios da família. Mesmo que tomar conta de uma loja de doces não tivesse muito a ver com os quadrinhos, Bob soube levar a Umbrella como ninguém e a ensinar um pouco do que sabia para Gerard, que não demorou muito para se engajar sua criatividade e o recém-adquirido senso administrativo em ideias que fizeram a editora alavancar em questão de meses. E, ali, três anos depois do início do sonho, três anos cheios de portas fechadas e "nãos" que poderiam arrancar a esperança de qualquer um, eles haviam comprado aquela pequena sede no centro comercial que, dali a quatro anos, tomaria todo um pavilhão do local.