49 - Frank

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Havia uma séria diferença temporal entre as duas vezes em que abrir meus olhos totalmente naquele dia em questão.

Na primeira, meu olhar encontrou o dele, claro, quase debruçado sobre a cama do hospital, alerta, cuidando das minhas feições como nunca. Minha mente ainda não havia registrado exatamente como eu havia parado ali, então, a primeira coisa que me tomou foi aquela felicidade instantânea em vê-lo ali, velando por mim. Até prestar atenção nos mínimos detalhes.

Na lamúria em seu olhar, uma escuridão tão... Tão profunda, que eu senti que, se me mantivesse muito tempo o encarando, eu seria sugado por ela, o que de fato aconteceu depois de certo tempo, enfim. Eu podia ver parte do contorno de seus olhos em um ligeiro tom de vermelho e eu não quis colocar em minha cabeça que ele estava chorando por minha causa... Decidi que Gerard deveria estar há muito tempo acordado e aquilo era fruto disso, assim como eu nariz afiladinho igualmente vermelho e inchado. De toda forma, eu tentei me mover ou quiçá responder ao seu chamado baixinho e preocupado, a voz tão conhecida e repleta de sentimentalismo, como se quisesse me despertar daquilo. Me esforcei, sem muito sucesso, afinal, eu só conseguia captar Gerard, nada mais do que isso.

Gerard parecia não tomar banho há certo tempo, ao julgar por seus cabelos oleosos e a barba por fazer. Parecia vestir a mesma roupa que trajava na noite em que chegamos em Paris e sequer pude identificar se estava cheirando mal ou algo assim, pois meus sentidos me enganaram e desmaiei poucos segundos após tentar erguer a mão e tocar a dele, que espalmava a beirada da maca onde eu estava, cheio de preocupação. Eu me encontrava tão desligado, que minhas últimas imagens não vieram em mente, eu sequer me lembrei do acontecido no banheiro e não compreendi nada daquela memória.

Até abrir os olhos pela segunda vez, dessa vez mais seguro de mim, ciente de que eu não perderia as forças e desmaiaria logo após. Eu estava definitivamente acordado, são, com cada flash daquela noite assombrando minha cabeça. A sensação era de estar preso em um filme de terror sem fim, mas longe dos que eu gostava, muito longe de qualquer cena sanguinária que eu adorava assistir. Aquele era um drama aterrorizante da vida real, onde eu havia não só destruído a minha vida, como havia errado... Tropeçado, despencado da pior forma possível.

E da única coisa que eu me lembrava, assim que abri meus olhos e me deparei com a expressão sonolenta de Bert, era do chão gélido do banheiro do meu quarto de hotel com Gerard, de luzes e mais luzes, de um tom de esverdeado e, logo, a escuridão. Exatamente nessa ordem, sem qualquer detalhe mais grotescos... Uma sensação, uma luz, uma cor e o nada... Até que era alguma coisa para alguém que...

- Você teve uma overdose. Uma maldita overdose. – Foram as primeiras palavras de Bert, quando me mexi um tanto, arrastando o meu corpo, em uma tentativa falha de me sentar. Apenas verifiquei que sentia meus membros, que minha cabeça latejava um tanto pela forte luz do quarto, e que estava conectado a um monitor de batimentos cardíacos, como também a uma bolsa de soro misturado a uma espécie de remédio. E enquanto eu ainda visualizava o cenário ao meu redor, resmungando pelo roupão azulado que vestia, continuei a escutar Bert tagarelar. – E você poderia ter morrido. Você tem noção da merda fodida em que você se meteu, Frank? Já era! – A cama onde eu me encontrava era um tanto quanto grande demais para mim, localizada bem abaixo daquela maldita lâmpada branca fluorescente, e quando eu guiava meu olhar pelo quarto, eu...

- Quatro dias desacordado, Frank! Quatro dias! – Encontrei Mikey, vestido de preto da cabeça aos pés, as mãos sobre os cabelos acastanhados, ao que caminhava, de um lado para o outro, diante da minha cama. Passei meu olhar, mais uma vez, pelo quarto, a fim de encontrar mais alguém (vulgo: Gerard), mas apenas encontrei Bob sentado em um sofá de couro amarronzado no outro extremo do quarto, com uma pilha de papéis em mãos e no colo, provavelmente resolvendo alguma merda provocada por mim. – Nós achamos que... Achamos...

Surrender The Night || Frerard versionOnde histórias criam vida. Descubra agora