62 - Frank

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Uma semana para o Natal era o suficiente para me deixar empolgado, ainda que eu não estivesse na melhor posição ou no melhor lugar do mundo para me preocupar com aquele feriado em questão. Talvez eu não tivesse a oportunidade de comemorar a data, como no ano anterior e aquilo me trazia uma pequena pontada de saudade, do tipo que parecia se proliferar por meu corpo. Me encolhi naquele ponto do quarto, sentado sobre o parapeito de mármore da janela engradeada do cômodo, repousando minha face ali, parcialmente, na tentativa inútil de averiguar se a neve estava densa demais naquele fim da manhã. Eu havia ouvido no rádio de um dos seguranças, na tarde anterior, que seria um dos dias mais frios do ano e era uma pena não poder sentir aqueles arrepios. E por dois motivos.

O primeiro era óbvio: o aquecedor geral mantinha a clínica em uma temperatura agradável, de forma que eu podia assistir a neve cair estupidamente do lado de fora, mas só poder imaginar a sensação daquele vendo frio rebatendo contra o meu rosto, enquanto eu andava tranquilamente com roupas comuns e quase suando ao usar um par de meias mais grossas... Talvez aquilo fosse reflexo de passar quase mais de uma semana trancafiado em um lugar, de ficar estagnado. Logo eu, o cara que não parava quieto e que era obrigado à tal.

O segundo também não era difícil de se imaginar: o uniforme que eu era obrigado a usar era de um tecido grosso, flanelado e espesso, em um tom de cinza que, definitivamente, já estava me enjoando. Possuíamos a opção de intercala-los com roupas que levávamos, mas necessariamente deveríamos usar ou a calça de moletom, ou a camisa grande e folgada com alguma roupa nossa que fosse socialmente segura. E quando digo isso, me refiro à peças que não tivessem botões, zíperes muito grossos ou qualquer coisa assim, qualquer coisa que pudesse apresentar riscos ao paciente em questão. De todas as poucas roupas que eu havia levado, só duas calças, as camisas e os casacos de moletom haviam sobrevivido, o que me levava a utilizar o "uniforme" quase todo dia.

A falta de frio era o de menos em um ambiente como aquele, ainda mais em minha situação. No início, a ambientação foi mais difícil... Quando Bert me deixou ali, falando todo o seu discurso sério e emocionado, eu achei que fosse conseguir me focar em seu apoio. Mas, assim que entrei, assim que vi a quantidade de pessoas estagnadas no mesmo problema que eu, há anos convivendo com aquilo, eu quase desisti. Por segundos, a ideia de sair pelas enormes portas de vidro da entrada me pareceu boa, mas eu ainda estava predestinado a seguir em frente e me internar naquele local, seja por minha própria vontade ou à força, como eu havia pedido à Mikey, se algo desse errado e eu fugisse pela centésima vez.

Eu havia escolhido aquele lugar em específico por ser perto de casa, dos meus pais, e por realmente não conhecer nenhuma clínica especializada, que não fosse aquela. Não tive tempo de pensar e me programar adequadamente, somente consegui reunir minhas coisas e ali me deparar com inúmeros pacientes com problemas iguais ou piores que os meus, em um ambiente agradável. As dificuldades vinham de mim, não do lugar... Não era como se eu entrasse ali e magicamente minhas complicações sumissem. Estava sendo difícil, repito. Fodidamente difícil.

Ainda não havia criado coragem para socializar com muitos dos pacientes... O local era imenso, gigantesco mesmo, e eu havia decidido explorá-lo antes de fazer amizades. Aliás, eu e Richard conversarmos esporadicamente, então era o máximo de interatividade humana (além da que tinha com os médicos, psicólogos e enfermeiros) que eu tinha por ali. Richard que, por sinal, era um senhor com seus mais de cinquenta anos, ex-professor de faculdade que havia deixado a bebida e a cocaína o vencerem na vida.

Não éramos melhores amigos, mas ele era o mais próximo de colega que eu possuía ali, morando na cama em frente à minha e me dando o mínimo de trabalho possível. Acordávamos, trocávamos algumas palavras, nos esbarrávamos ao longo do dia e dávamos "boa noite" antes de sermos dopados pelos remédios que éramos obrigados a tomar, para "apaziguar os ânimos". Ele sabia que eu era músico, sabia até mesmo de Gerard (talvez eu falasse um pouco mais do que deveria, mas eu precisava desafabar), e eu sabia de sua ex-esposa traidora e polígama que o havia enfiado ali e proibido que saísse até ficar completamente limpo. Richard havia ido e voltado, diversas vezes, e nunca sequer se prestou a parar de usar o máximo de substâncias possíveis para deixa-lo louco o suficiente para esquecer seus problemas. Ou seja, sua mulher havia perdido essa.

Surrender The Night || Frerard versionOnde histórias criam vida. Descubra agora