21 - Regicida

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"Jaime disse-me um dia que só se sentia realmente vivo em batalha e na cama."

Cersei Lannister

***

Daenerys caminhou pela sala do Trono de Ferro com desconfiança, até se colocar de frente às lanças enegrecidas. Aquele trono terrível havia sido construído por Aegon, o Conquistador, o primeiro Rei de Westeros, há quase trezentos anos. Cinquenta e nove dias tinham sido necessários para forjá-lo com o fogo de Balerion.

"O sopro do maior dragão que existiu forjou o Trono de Ferro..." Viserys havia dito à ela no passado "as espadas dos derrotados, mil delas, derretidas e fundidas como velas..."

— Eu deveria sentir alguma coisa ao olhar para ele. — Pensava ela — Mas não sinto.

Aquilo não parecia com o final com o qual havia imaginado. Quando encarou o trono por alguns segundos, o que viu foi uma armadilha e se afastou com o olhar carregado de hostilidade. Suas saias se arrastaram pelas pedras e seus dedos se juntaram sobre o ventre enquanto suas ideias rodopiavam em sua mente.

Sentia-se estranha, como se algo lhe faltasse e, de fato, faltava. Respirou fundo enquanto dava as costas às mais de mil armas que forjavam aquela obra tão desejada por tanta gente. O dia da coroação ocorreria em breve, mas enquanto isso precisava resolver algumas pendências.

Daenerys caminhou por aquele lugar silencioso com uma curiosidade tristonha. Observava tudo, relembrando todas as histórias que seu irmão contava. Era como se pudesse ouvir a voz dele de novo. Além do salão do Trono de Ferro, a Fortaleza Vermelha possuía vários salões para ocasiões especiais, como o Grande Salão e o Salão de Baile da Rainha. Nos corredores havia relíquias da dinastia Targaryen, como armaduras de aço negro com escamas de dragão nos elmos, empoeiradas, e crânios de dragões.

Descendo as escadas frias e aterrorizantes da Fortaleza, ao lado de Verme Cinzento, Daenerys encontrou o calabouço em que Tyrion estava acorrentado. Ela parou em frente às grades sujas e sentiu o fedor de excremento naquela parte sinistra do castelo.

— Você me traiu.

Ouvir essa frase fez o anão erguer os olhos, mas não se levantou do monte de palha em que dormia. Havia sido uma noite difícil ali, mas não tanto quanto outras que já tivera. Quando os imaculados chegaram até ele na noite anterior, sabia que tinha caído na armadilha de Daenerys. Ela desconfiava que ele a trairia.

— Sim. — Confessou, envergonhado. — Eu a traí.

Dany o encarou com a expressão mais dura que alguma vez Tyrion viu naqueles suaves traços. Atrás das grades e em meio à escuridão, ela parecia um espírito mortal. Mas não havia apenas dureza na Rainha, mas também uma melancolia que ele não conhecera nela antes. Havia decepção e não apenas raiva. Isso o fez ficar ainda pior, pois de fato tinha apreço por ela.

— Eu nunca me importei com Cersei. — Explicou ele. — Mas Jaime sempre foi um bom irmão. Eu não imaginei que ele...

— Trairia sua confiança? — Dany interrompeu — Não imaginou que ele tentaria salvar Cersei? Ou que avisaria a ela que eu pretendia utilizar as passagens subterrâneas? Você percebe que poderia ter matado grande parte dos imaculados que estão protegendo sua Rainha e a sua própria vida há um bom tempo? Você comeu da comida deles, viveu sob o teto deles e foi recebido no coração deles como a Mão da Rainha. Esses homens o respeitavam. Eu o respeitava. E você nos trocou por uma mulher cruel que tenta matá-lo desde o berço.

Tyrion baixou a cabeça, sinceramente arrependido.

— Eu sinto muito.

— Os laços de sangue são mais fortes que as palavras. — Disse ela, com uma ponta de tristeza. Dany nunca sentiria o mesmo. Não tinha mais família de seu sangue há muitos anos — Mas não pretendo abrir mão de você, Tyrion Lannister.

O anão recobrou um pouco de vida dentro de si, com o fio de esperança que era lançado. Desde que fora preso, tinha certeza de ser executado e, no fundo, era isso que queria. Centenas de pessoas de Porto Real haviam morrido com o fogovivo e isso era grande parte culpa sua. Não tinha como fugir de sua consciência e dia e noite sentira retornar à sua lembrança o terrível peso daquelas mortes. Havia sido tolo por amor ao irmão, mas não seria novamente. Jaime havia mostrado a ele outra vez que nunca deixaria de proteger Cersei.

— Eu farei qualquer coisa para obter seu perdão. — Disse ele, com segurança.

— Tem certeza disso? — Dany o estudou friamente — Pois há apenas um jeito de ter de volta a minha confiança.

Tyrion prendeu a respiração, mas fez que sim para Daenerys.

— Pois bem. — Ela falou lenta e profundamente — Será sua a tarefa de executar Cersei Lannister.

***

Em sua cela, Jaime voltava a sentir-se como quando estava aprisionado por quase um ano em Correrio. Naquela época, suas roupas ficaram podres e sujas, seu rosto ficou pálido e deslocado, magro, com covas debaixo dos olhos e rugas. Ele também ficou com piolhos no cabelo enredado com nós e cordões que caíam sobre os ombros e também uma barba grande, tensa e dourada que cobria seu rosto, fazendo-o parecer um animal selvagem e magnifico acorrentado. Mas não haveria tempo para ficar daquele jeito. 

— Morrerei por Cersei, como imaginei a vida toda que morreria. — Pensava ele.

Logo sua mente viajou para conversas que teve nos últimos anos. A primeira imagem a vir à sua mente foi a de Brienne, com seu rosto grosseiro, achatado e repleto de sardas.

"Em toda minha vida homens como você me ridicularizavam." Ela havia lhe dito "E em toda a minha vida eu venho derrubando homens como você na poeira."

— Tinha olhos bonitos e calmos... — Sussurrou ele, olhando para a única mão que lhe restara e para os dedos pálidos e calejados da espada.

Então pensou em seus filhos e em suas mortes. Ainda se lembrava de Myrcella lhe dizendo que sabia que ele era seu pai e do brilho em seus olhos enquanto morria em seus braços. Ainda se lembrava do cheiro do veneno nela. Quando pensou em Tommen, sentiu pena, mas não era próximo ao garoto. No entanto, quando pensou em Joffrey, teve ainda menos sentimentos.

Sabia que esperava-se que os homens enlouquecessem de desgosto quando os filhos morriam. Esperava-se que arrancassem os cabelos, que amaldiçoassem os deuses e jurassem rubra vingança. Mas Jaime não sentia nada.

— Nem quando meus filhos morreram, nem quando meu pai morreu. — Analisava ele — Eu não sinto nada. Será que sentirei algo quando chegar a minha hora ou a de Cersei?

Cersei... Ele viu tudo de novo. Tudo havia começado porque quisera uma hora a sós com Cersei em Winterfell. A viagem para o Norte tinha sido um longo tormento, vê-la todos os dias, sem ter a possibilidade de tocá-la, sabendo que Robert entrava em sua cama, todas as noites, aos tropeções de bêbado. Mas Bran havia atrapalhado...

— Desde que o atirei daquela torre, quem tem se quebrado todos os dias sou eu. — Ele deu conta.

Cersei havia ralhado com ele, dizendo que não precisava ter feito aquilo. Bran era criança e bastaria assustá-lo o suficiente. Seria pior se ele contasse ao pai o que aconteceu depois que acordasse de seu longo sono.

— Então eu mato Ned Stark. — Jaime havia respondido a ela.

— E, nessa altura, o que imagina que Robert fará?

— Robert que faça o que bem entender. — Rugiu — Faço guerra com ele, se tiver de ser. Os cantores vão chamá-la de Guerra pela Boceta de Cersei.

Jaime riu e seus ombros doeram com o breve sacolejo. Havia sido isso mesmo, no fim das contas. Ele deixava os bordéis e as prostitutas para o irmão Tyrion. Cersei era a única mulher que tinha desejado na vida. E por ela morreria em breve.

___

Nota: Tyrion dá sinais de melancolia, uma depressão longa e constante, há muito tempo, desde que matou o pai, por isso eu descrevo ele sempre bebendo. Agora, no conflito entre os Lannisters e Daenerys, ele se encontra bem no meio de um conflito contra seus últimos familiares. As descrições desse capítulo foram retiradas dos livros, de vários deles. Esse finalzinho em que Jaime reflete foi adaptado do que estava no "A Tormenta de Espadas".

Final alternativo para GOT (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora