46 - As coisas feitas por amor

1.2K 148 30
                                    

"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura."

Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

***

A lareira aquecia o ambiente, mas não o coração de Daenerys. Seu apetite e seu ânimo caíam dia após dia no Norte. Enquanto Jon estava por perto, a sensação ruim que aquela região despertava nela quase não era notada, mas com a ausência dele, passou a sentir cada víscera de seu corpo protestar.

O Norte não era um lugar para Dragões. Eles nunca tinham conhecido um dia de frio sequer, muito menos visto a neve. Estar em um lugar daqueles era desolador.

Quando seus navios desembarcaram naquelas terras e os exércitos foram atravessar a Estrada do Rei, Dany sorriu e se desesperou ao mesmo tempo ao sentir o primeiro toque dos flocos de neve em seu rosto. O Norte ficava cada vez mais bonito conforme avançavam pelas estradas lamacentas e repletas de lodo, mas ao mesmo tempo ficava mais nocivo, perigoso, com um clima que deixava tudo cansativo e um ar que era difícil de suportar.

—  Tudo bem? — Jon havia perguntado, notando-a um tanto quieta — Nunca esteve em um lugar assim, não é?

— Não. É a primeira vez que vejo a neve.

— E o que achou?

— É como o fogo, — respondeu ela, admirada e com rosto ardendo com o sopro frio — só queima de um outro jeito.

Os dragões também não gostavam do Norte e começaram a demonstrar isso. Drogon mal comia e não se acalmava em nenhum momento, assustando os nortenhos com seus rugidos irritados e voos baixos. Sempre que Dany voava com ele, o dragão tomava o rumo do sul e se contorcia enfurecido quando ela o fazia voltar. Viserion também estava adoecendo, mas era bem mais tranquilo e carinhoso, sempre obediente, passando a maior parte do tempo tentando se aquecer em uma caverna que encontrou, mas que a mãe sequer imaginava que existia.

Conforme as noites se passavam e Jon não regressava, Dany se sentia mais irritada, mas tudo piorou naquela manhã quando recebeu o corvo da Capital. Missandei escrevera que Tyrion estava agindo de formas suspeitas juntamente do mercenário que o acompanhava para todos os lados, mas o que mais preocupou Daenerys foi a segurança de sua conselheira.

— Tyrion não fará mal a ela. — Sansa veio se sentar à sua frente na lareira naquela hora — Ele não é um homem ruim.

Dany amassou o bilhete que estava em suas mãos e o jogou no fogo. Não aguentava mais reler aquelas palavras. Estava nervosa, impaciente com tudo, sentindo seu corpo congelar mesmo com as brasas ardendo à sua frente. Era como se o frio penetrasse em sua alma inteira e fizesse morada.

— Missandei é muito valiosa pra mim. — Disse ela, com pesar, recostando-se na poltrona. Seus olhos lilases ficaram vermelhos diante da luz das chamas, que também fazia seus cabelos ficarem dourados — Não vou arriscar a vida dela, preciso tirá-la de lá.

— Tyrion está tramando com Brown a morte de Ellaria por ser a assassina de Myrcella, não por estar contra você. — Sansa saiu em defesa do pequeno homem, lembrando-se de como ele a tratara com gentileza no passado — Missandei não disse nada na carta que indicasse isso. Ele apenas está ferido e com sede de vingança. Ele amava os sobrinhos.

Daenerys refletiu por um instante.

— Temo as coisas que as pessoas são capazes de fazer por amor. 

— Eu tinha esse mesmo medo com relação à Jon. — Confessou Sansa, observando pelo canto do olho se Varys não estava por perto — Medo do que ele faria por amor a você.

Dany se virou para ela, atenta ao que dizia.

— Nos casamos pelo bem das duas casas e de todo o reino.

— Por favor, sabe que meu irmão não se casou com você apenas pelo reino. Foi você que se casou com ele apenas por isso.

Daenerys sentiu uma emoção estranha, a qual não soube nomear. Então Jon não havia se casado com ela apenas pelo reino? Isso era interessante. Às vezes, ela tinha certeza de que ele a amava, mas quase sempre trocava esse pensamento pelo mais óbvio: era desejo, não amor. Pensava até mesmo que o carinho com que a tratava pudesse ser fruto da gratidão, do cavalheirismo ou da lealdade de Jon.

Ela pensava que casamentos arranjados poderiam ser bons se marido e mulher se tratassem bem, se pudessem se divertir na cama e cuidar um do outro. Ela entendia que podia ser desejada por um marido, que poderia até torná-lo obsessionado por ela, mas desconfiava muito de que pudesse ser amada.

Sansa, por sua vez, sentia que Jon via em Daenerys a realização de antigos desejos. Para ela, estava muito óbvio que o irmão estava ficando perdidamente apaixonando pela jovem Rainha Dragão. Havia iniciado tudo isso com inocência, como um sonhador, sem saber como o mundo costumava roer as vísceras daqueles que ousavam sonhar. 

Daenerys estava ciente de que a irmã de Jon não confiava nela totalmente, mas isso não a incomodava. Tyrion e Varys também eram assim, mas pelo menos com Sansa o jogo parecia mais limpo. Ela queria cuidar para que sua família ficasse segura e não havia nada de errado nisso.

— Eu nunca menti para ele. — Respondeu Daenerys — Propus uma aliança por meio de um casamento logo nos primeiros minutos que conheci Jon. Eu sempre fui clara ao dizer que buscava ter o comando dos Sete Reinos.

— E a qualquer preço, não é?

Dany ergueu as sobrancelhas e riu, serena. 

— Sansa, eu cheguei aqui com três dragões adultos e o maior exército da história. Seria muito mais fácil ter degolado e queimado vivos todos os poderosos senhores e senhoras de Westeros, começando por Porto Real e o seu Norte, que é onde mais tive problemas até agora.

Sansa sentiu um calafrio, mas manteve a expressão dura. O dia lá fora parecia calmo, mas dentro de cada um naquele castelo, o clima era intenso.

— Se avaliar que o preço que pedi foi um casamento — prosseguiu Dany — verá que não foi nada alto.

Sansa devolveu um sorriso astuto, recostando na poltrona da frente do mesmo jeito que sua interlocutora. A pose das duas era tão parecida, o jeito como sentiam as coisas, mas eram tão avessas ao mesmo tempo.

— Com certeza vocês dois acabaram gostando muito do preço. — Sansa provocou e Dany segurou o riso. Todos no castelo tinham ouvido o casal em algum de seus momentos íntimos. Não eram tão discretos quanto pensavam.

Logo, algo passou pela mente de Daenerys, nublando seu sorriso.

— Você disse que tinha medo do amor de Jon por mim?

— Sim.

— Não tem mais?

Sansa meneou a cabeça lentamente, sem tirar os olhos de Daenerys.

— Não. Ou não tanto quanto você deveria ter. — Sansa adquiriu uma expressão zombeteira — Ainda que não tenha admitido ou notado, você também está se apaixonando pelo meu irmão.

Dany se assustou ainda mais ao ouvir isso, mas não retrucou. Quando se despediu de Jon e o viu cruzar os portões de Winterfell, ficou confusa com o medo extremo que sentiu de perdê-lo. Talvez Sansa tivesse razão e isso era assustador. 

— E se eu o amo? O que isso significa na sua opinião?

— Riscos. — Resumiu Sansa, com certo pesar — No jogo dos tronos, as coisas feitas por amor costumam ser devastadoras.

Dany se voltou para as chamas da lareira, ainda sentindo frio. Suas sobrancelhas estavam tensas e seus braços arrepiados.

— Talvez ser devastado seja o preço que se paga por amar alguém.

___

Nota: Começo a colocar Dany e Sansa para conversar de um jeito civilizado e sem rivalidades, pois obviamente elas não têm motivos para serem inimigas. Aqui acrescento a magia entre gelo e fogo, os Outros trazem o frio e os Dragões começam a sentir-se doentes, da mesma forma que os Outros são ameaçados.

Final alternativo para GOT (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora