Tempo e Aprendizado II

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O aprendizado de alquimia era a disciplina espiritualista que Yue tinha mais curiosidade em aprender. Usar do conhecimento milenar perdido de Kou para transformar ervas, líquidos, essências, flores, frutos, raízes, minerais e energia da natureza em pílulas, poções, elixires e pomadas medicinais era um mistério que atiçava as mentes dos jovens. Principalmente aqueles que tinham um mínimo de curiosidade sobre bestas demoníacas e as artes marciais.

O aprendizado começou com receitas simples, de pílulas fáceis de lembrar como fazer: para ampliar sua força e agilidade, aumentar a sensibilidade dos sentidos, melhorar as capacidades regenerativas do corpo e a mais simples das pílulas de cultivação: a Pílula da Alma Desenvolvida.

A curiosidade de Yue para aprender sobre os processos alquímicos era tanta que certo dia, despretensiosamente, perguntou para o Mestre Hamir poderia alterar as receitas dadas a ele. Desde a mais sutil das mudanças, como umas gramas de ingredientes a menos, até as mais impactantes, como a total ausência de um ingrediente, ou substituição parcial de outro completamente oposto. Mestre Hamir divertia-se com a curiosidade do menino, conseguindo em sua maioria receitas inúteis ou sem efeito. Por mais que gostasse de ver aquela curiosidade toda em descobrir novos horizontes, Mestre Hamir precisou guiar a curiosidade de Yue para que o menino não se machucasse.

Depois, intercalando com as aulas de alquimia, Mestre Hamir ensinou sobre a disciplina mais aplicável de todas. Junto do domínio da Alquimia, ser versado em Inscrições permitia que o espiritualista ou o artista marcial usar uma gama de ferramentas e coringas para se salvar dos piores cenários.

Começaram do básico. A cada passo que o domínio de Yue no idioma Kou crescia, mais profundamente adentrava no ensino de inscrições. Partindo da mais basal: as Runas. Runas eram nada mais que um kanji qualquer que, ao receber a injeção de ki, manifestava o significado do escrito.

Quando Yue aprendeu a desenvolver a chamada Pílula do Corpo Sadio — a mais simples das pílulas curativas —, avançou para o aprendizado de Inscrições. Por mais redundante que pareça, o nível em questão da disciplina de Inscrições usava um conjunto de dois ou mais kanji, invocando um efeito mais complexo ou específico.

Paralelamente a estas duas disciplinas, o combate desarmado de Yue progredia a passos lentos e frustrantes. Por mais que o garoto rilhasse os dentes pela frustração de não conseguir encostar um dedo sequer do seu mestre e o mesmo conseguir derrotá-lo em pouquíssimos movimentos, não conseguia sentir o avanço na arte. Só foi se sentir mais aliviado com o combate armado e com as habilidades elementais.

Já estava no ranque Prata três estrelas, descobrindo que o seu primeiro elemento aliado era o fogo. Sorrindo com a descoberta, Mestre Hamir surpreendeu Yue mostrando uma chama branca em uma das mãos e uma chama escura como a noite na outra mão.

— Você despertou o mesmo elemento que eu quando alcancei o ranque Prata. — disse Hamir, orgulhoso de seu discípulo. — E para chegar ao mesmo nível que eu usando este elemento, farei você alcançar no mínimo as chamas violetas.

— Elas estão acima do fogo azul? — Yue perguntou inocentemente, encarando atônito para as duas chamas estupidamente quentes nas mãos do mestre.

— Ora, mas é claro! — respondeu Mestre Hamir, sacudindo as mãos e apagando o fogo. — Qual é a chama mais poderosa de seu Império?

— Sabemos que o General Suzaku pode facilmente chegar até as chamas índigo. Mas tem umas histórias da vez em que ele chegou a invocar as chamas roxas...

Yue interrompeu-se quando viu Mestre Hamir levantar uma das sobrancelhas, surpreso com a resposta.

— Então esse tal de Suzaku tem algum poder. — comentou, sentando-se na pequena plataforma de pedra sólida erguida por ele num balançar da mão. — Podia jurar que ouviria que ele alcança só as chamas verdes.

— O nosso Império tem uns raros usuários de chamas verdes e mais raros ainda são os que conseguem alcançar as chamas acima dessas. — respondeu Yue, honesto, sentado no chão de pernas cruzadas e olhando para o mestre. — Só temos certeza que um cultivador pode usar as chamas azuis ou mais quentes quando o despertar dos quatro avós e dos pais é do elemento fogo.

Mestre Hamir bufou com desdém da certeza provinciana que um império inteiro tinha quanto ao elemento fogo.

— Seu povo degradou-se e muito no que tange o aprendizado e desenvolvimento de novas artes marciais e espirituais. — disse o Mestre, tirando um jogo de chá do seu bracelete espacial e preparando a bebida para os dois. — O elemento fogo, junto da água, é um dos mais adaptáveis. Cada tonalidade segue um nível de poder e abre um novo portão para conseguir feitos únicos. Raros de verdade são aqueles abençoados pelos deuses por nascerem com o dom das Chamas Douradas. Este fogo, sim, é que é raro. Nem mesmo tenho como alcançá-lo. E muito menos você, menino. — disse o Mestre, entregando a singela xícara. — Somente alguém de uma longa e poderosa linhagem de despertares do fogo pode ter a mínima chance. E mesmo assim são casos que ocorrem a cada cem mil ou mais nascimentos. Contente-se por ser meu aprendiz e trilhará os primeiros passos para dominar as Chamas Brancas e Negras.

Terminada a bebida, Mestre Hamir continuou seus ensinamentos elementares, mostrando que a mania do império de onde Yue vinha em usar somente um estilo de arte marcial para dominar os elementos algo desnecessariamente restritivo. Se ele aprendesse as formas básicas dos quatro elementos, seria muito mais fluido o seu controle dos mesmos.

Por fim, quando Yue perguntou sobre combate armado, Mestre Hamir o levou até uma sala simples com armas tão simples quanto. Não tinham nem mesmo um adereço de especial. Yue passou diante de todas as armas. A única que chamou sua atenção foi uma: a espada reta, de setenta centímetros, flexível e simples. A jian, a espada mais tradicional do Oeste.

— Muito bem. — disse o Mestre. — Treinaremos esgrima. Agora vá à biblioteca e escolha um estilo de esgrima. O que mais chamar a sua atenção.

Yue foi até a biblioteca como o ordenado. Ficou ali alguns dias, mas logo saiu com dois manuais. Um deles, antigo e meio maltratado, dizia "Estilo de Esgrima: Sombra do Luar". O outro, ligeiramente mais novo e em melhor estado, dizia "Estilo de Esgrima: Lua Branca".

— Belas escolhas. — Mestre Hamir comentou quando Yue apareceu diante dele com os manuais. — Vamos começar pela Sombra do Luar. É o estilo que deu origem ao estilo da Lua Branca. Além disso, é fácil de ser assimilado e você pode evoluir os dois concomitantemente, aumentando exponencialmente o poder das suas técnicas da Lua Branca.

E assim foram os dois por aqueles curtos e longos anos.

Quando atingiu o ranque Ouro, o elemento água fora despertado. E o momento mais delicado do seu desenvolvimento viria agora. Segundo sua técnica de cultivo, era preciso que Fogo e Água fossem igualmente fortes. Com a mesma força, ambos seriam tão fortes que poderiam auxiliar a Terra a suportar o Ar.

Num piscar de olhos, os anos que a Mestra Garça da Lua deu ao Mestre Hamir chegaram ao fim.

Renascer de Um HeróiOnde histórias criam vida. Descubra agora