O primeiro mês do ano já se mostrou tempestuoso — literal e figurativamente. Liang Yue sabia que seu aniversário de quatorze anos viria no último dia do verão. Mas até lá viveria na prisão? Seu clã se mobilizaria para contestar o absurdo que ouviu no fundo da mente quanto à acusação que o prendeu ali?
A cela, escura e exígua, assombrava-o com as silhuetas dos corpos de seu pai e seu mestre, gravadas a ferro quente em seus olhos. Já nem sabia se o que via era real ou não. Muito menos se as lágrimas que sentia descer pelas suas bochechas eram reais ou imaginação sua.
Não soube dizer se passaram dias, semanas, meses ou anos, mas em algum momento, um guarda veio ver sua condição.
O homem resmungou qualquer coisa. Liang Yue não respondeu. Irritado, o homem lançou uma pedra pequena nele, conseguindo um gemido de dor baixinho. Quando viu que estava vivo, saiu e trancou a porta.
Yue se perguntava a razão de tamanho azar. Seria o cometa? Seriam os deuses?
Lembrou-se que seu pai disse "Um homem que almeja ser um líder não pode pautar sua vida em crendices. Precisa sempre almejar o futuro brilhante e ver a luz no fim do escuro túnel dos seus obstáculos". Esse, e mais inúmeros outros ensinamentos passados a Yue nos momentos mais íntimos de pai e filho, eram seu precioso tesouro naquele breu miserável de ar vicioso que era o lugar onde se encontrava.
Tentou buscar no fundo de sua mente as memórias de sua amada mãe, mas era no mínimo difícil. Liang Si faleceu quando Yue tinha seus tenros três anos. Uma lembrança borrada dos longos cabelos pretos como os dele e seus olhos bondosos de tom de avelã eram o pouco que conseguia manter da mãe em mente. Nem mesmo um retrato. Seu pai não quis deixar nenhum à vista. Dizia que Liang Si fora a mulher que mais amou em vida e não queria revisitar memórias tristes dos tempos em que viveu um dia por vez para manter o luto controlado.
Perdido em seus pensamentos, o corpo de Yue não mostrava o mesmo nível de atividade. Refeições parcas, pouca luz, ar vicioso, um lugar minúsculo... Nada ali contribuía para que ele se mantivesse minimamente saudável.
Seus músculos, começando a desenvolver-se agora que dava os primeiros passos do desenvolvimento do corpo, murcharam. Os cabelos, antes pretos e lustrosos como se feitos de fios de obsidiana, estavam baços e embaraçados. Até mesmo os olhos verdes claros perderam aquele brilho de vida.
Sua única âncora ao mundo era o pergaminho escrito que guardara com afinco dentro de suas vestes, preso pelas garras que eram suas unhas.
O som das trancas da porta chamou sua atenção.
O mesmo homem que o alimentava com as parcas porções voltou pouco depois. Ou assim pareceu.
Entregou uma roupa folgada e disse:
— Se vista. Temos de ir ao tribunal. — o tom dele era de pena.
Ao sair da cela, chumbos foram atados a ele. Algemado no pescoço, pulsos e tornozelos, ligando estes três por correntes quase tão pesadas quanto.
A população que o visse nas ruas não diria que aquele era o jovem mestre Liang Yue, filho do falecido Lorde Liang Bao. Estava magro, com a pele esticada sobre os ossos. Os músculos estavam murchos e os cabelos mais longos, imundos e sem corte que um mendigo. As roupas de prisioneiro estavam folgadas não porque ele era muito novo para usá-las, mas sim porque ele estava a um passo da desnutrição. Uma sombra discreta de uma barba rala e o olhar mortiço o auxiliava a não ser reconhecido.
O caminhar até o tribunal foi penoso: depois de tanto tempo sem conseguir usar as pernas, ser obrigado a caminhar no ritmo dos guardas era como andar sobre lâminas. Seus pés sangravam mesmo calçados com reles sandálias de palha e as pernas mal aguentavam seu peso. Parecia ter desistido de viver.
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Renascer de Um Herói
FantastikNo continente de Wei, um das grandes nações que dominam a maior península do continente é o Império das Cinco Bestas Divinas Huang Long. Nele, as leis marciais ditam a política: artistas marciais e espiritualistas se destacam com seus poderes e habi...