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Luís Felipe - Bárbaro.

- Toca porra, fica fominhando bola caralho - Gritei com o moleque do meu time que queria ser a estrela filha da puta.

Tá achando que aqui tem olheiro nessa porra, pra ele querer virar a estrela, só se for a estrela da cadeia, comédia.

Ainda errou o caralho do gol, esse mané. Não mando mais bola pra ele, vai ficar no vácuo pra aprender, vacilão do caralho. Tenho paciência pra esses bagulhos não, fico logo puto.

- Tá vendo aí, fominha - Lobo gritou enquanto corríamos para o meio do campo. - Vai ser do meu time mais não parceiro, última vez nessa porra, vontade de te amassar parceiro, tu fica esperto.

VT pegou a bola e nós fomos acompanhando, ele tocou pro pai e já sabe né, gol na certa.

Jogo surrado pra porra, time contrário era bom, mas o nosso era melhor, teve nem como, ganhamos mermo e já era, iam ter que pagar um copo de coca pra cada no dia da visita, caro pra caralho, 10 reais um copo grande de refri.

Esses bagulhos que não entra, vendem caro pra caralho, cigarro então é 3 reais um. Se tu quiser vai pagar caro. Os polícias mermo que botam gente deles pra lucrar em cima da nossa desgraça.

Fora que as vezes toma os bagulhos que as famílias trás e eles tomam e as vezes ainda colocam pra vender.

Me sentei no chão e acendi um baseado, tem que dar espaço para outros jogarem, tem negócio de preferência aqui não.

- Tua mina sossegou mais né - Lobo falou sentando do meu lado me dando um baseado.

- Ih parceiro, quero nem saber pô, puto pra caralho com esses bagulhos, gosto nem de lembrar dessa porra. Minha mente só imagina os dois no ato cara e no tanto de tempo que ela teve pra dar o papo e não deu, mais de ano pô.

Tô mentindo não pô, tantos momentos que nós teve a sós e ela nunca deu o papo pra mim, não jogou limpo. Aquelas né, melhor saber pela boca da pessoa do que pela dos outros, nós se sente enganado cara.

- Mano, ouvi mais ou menos tá ligado, ela deu pro cara por dinheiro foi? - Perguntou e eu assenti com a cabeça observando o jogo.

- Fui sequestrado pô, os canas me pegaram, levei um sacode bonito, pediram 3 mil de resgate e ela levantou a meta tá ligado, ela tinha 2 e os outros mil ela levantou sentando pro cara, deu ideia que foi o único jeito que conseguiu.

Gosto nem de falar essas paradas , fico pensando, imaginando a cena da garota sentando pra outro, fico neurótico pô, transtornado pra caralho só de imaginar outro cara agindo ali com ela.

- E tu tá ligado que foi isso mermo, foi no dia do teu sequestro pô - VT falou, tava em pé do meu lado.

Outro bagulho que quando eu sair eu vou tirar a limpo é esse bagulho do Gordinho ter mandado acionar ela. Se ele acionou sabendo que eu tava com ela vai ser cobrado. A lei é pra todos independente de cargo.

- Cara tá dividido pô, eu tô ligado de qual é, por mais que tenha sido pra salvar ele, ela sentar pra outro é um bagulho que pega maneiro na mente da gente, ainda mais que ela não deu o papo, soube por tu.

- Tô ligado pô, mas se não fosse isso ele não tava vivo, ela fez pra salvar o cara pô, bagulho de sacrifício, boto fé que a mina nem curtiu nada não.

Errado ele não tava, boto fé que tô pegando pesado, mas pra não ficar machucando com palavras é melhor eu ficar na minha e quando tiver com a mente melhor a gente senta e conversa.

Boto fé que VT ficou com a consciência pesada depois que me falou, viu que a garota tava desesperada atrás de mim, ficava mandando eu responder a garota no twitter, mó curioso o filha da puta, olhando meus bagulhos, agoniado pra caralho.

Só fico na minha calado escutando os papos deles, cada um age de um jeito né, sou dos caras que demora pra porra pra digerir esses bagulhos, ainda mais desses. Cabeça dura pra caralho mermo.

- E tu vai arrumar outra visita? Amanhã já e dia - Lobo perguntou.

- Arrumei ninguém pra amanhã não pô, os caras da favela queria arrumar, mas não quis não.  Vamos ver de qual é mais pra frente.

- Tu tá ligado que visita íntima é só quando é casado né pô? Quando é registrado mermo que tu tem algo com a pessoa.

- Ideia mermo né pô? - Assentiu com a cabeça. - Tava nem lembrando desse bagulho.

- Já tô agilizando esse bagulho pra mim com uma das minas que eu me envolvia, advogado tá correndo atrás. Dá não pô, sei nem quanto tempo vou pegar, ficar na seca esse tempo todo é foda.

- Dar umas lapadas na bicha de vez em quando é bom. Bom pra quebrar essa rotina nossa e dar aquela relaxada, na visita normal tudo no love, na íntima bagulho fica louco, selvageria total, nega chega sai andando devagar de tanta sede que nós fica.

Neguei com a cabeça rindo desses malucos, olha os papos. Sinal logo tocou e voltamos pra cela. Aprendi até a jogar baralho pra ver se o tempo aqui passa mais rápido.

(...)

Dia de visita, geral animado que vai rever os familiares, liberaram pra ir pro pátio e um cara pagou a coca do fut e eu fiquei encostado na parede, só observando.

Geral conversando, interagindo, uns com filhos, um dos momentos que não faz nego desistir aqui dentro tá ligado, saber que tem alguém por tu, por mais errado que tu seja. Que tem alguém contando os dias pra ver tua liberdade cantar pra desfrutar dela contigo. 

Na moral, fiquei sentido mermo pô, não nego não, sou de ferro não parceiro, geral revendo quem ama e eu aqui só, lembrando que de família mermo não tenho mais ninguém. É aí que pega pô.

Papo de quem foi abandonado aqui dentro sem ninguém, se suicidar.  Porque não é moleza não, sustentar cadeia não e fácil não parceiro, imagine sozinho.

Tu ver as pessoas morrendo e não pode fazer porra nenhuma que se não tu leva também. Tem que ver as coisas e ficar na moral, fingir que não viu nada.

Teve um dia aí que o menor tava sendo esfaqueado do meu lado , eu em tempo de ser furado junto, sem nem mexer. Bagulho sinistro, mas nada de se espantar pô. 

Mundo do crime é assim mermo. A gente mata ou a gente morre.

Se entrar em cela de inimigo pode saber que tu vai levar o teu, aqui tem esse negócio de relevar não. Vira mocinha de altos caras, faz tudo que os caras quer só pra não morrer, mas no final não adianta de nada, vai pro saco do mermo jeito.

Chega a noite é pior, nego gritando, chorando, onde o filho chora e a mãe não vê. Acabou a visita e eu voltei pra cela, me deitei na rede e fiquei lá pensando em altas paradas.

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DO MEL AO FÉU. Onde histórias criam vida. Descubra agora