Para a sua segurança

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O motorista se posicionou no assento do motorista do carro de Gizelly, enquanto ela levava Rafaella até o seu carro, abrindo a porta para que ela entrasse. Rafaella sentiu um arrepio de emoção quando Gizelly se posicionou atrás do volante e ajustou o banco para acomodar suas pernas. Ela deu a partida e se lançou em meio ao trânsito, conduzindo com competência e confiança o carro pelas ruas de São Paulo.

- Ver você dirigindo me deixa com tesão. – Comentou Rafaella, notando a suavidade com que suas mãos manejavam a direção.

- Minha nossa. – Gizelly olhou para Rafaella. – Você tem fetiche por meios de transportes.

- Tenho fetiche por você. – O tom de voz de Rafaella se tornou mais grave. – Já faz semanas.

- E eu estou odiando cada segundo. É um tomento para mim, Rafaella. Não consigo me concentrar. Não consigo dormir. Perco a cabeça por qualquer besteira. Estou vivendo um inferno sem você.

Rafaella nunca quis que Gizelly sofresse, mas estaria mentindo se dissesse que seu sofrimento não se tornava menos amargo por saber que Gizelly também sentia sua falta.

Rafaella se virou no assento para encará-la.

- Por que está fazendo isso com a gente?

- Vi uma oportunidade surgir e resolvi aproveitar. – O maxilar de Gizelly estava cerrado. – Essa separação é o preço a pagar. Mas não vai durar para sempre. Você precisa ter paciência.

- Não, Gizelly. Não consigo. Não aguento mais. – Rafaella sacudiu a cabeça ao falar.

- Você não vai me deixar. Não vou permitir isso. – Disse Gizelly em tom firme.

-Mas eu já deixei. Você não percebeu? Estou vivendo minha vida, e você não tem participação nenhuma nela.

- Estou participando como poço.

- Monitorando meus passos através do rastreador em meu carro? Qual é? Isso não é um relacionamento. –Rafaella encostou o rosto no assento. – Pelo menos não o que eu quero.

- Meu anjo. – Gizelly soltou o ar com força. – Meu silêncio é dos males o menor. Mesmo se eu explicasse tudo teria que manter você à distância, e isso ainda implicaria um risco. Você pode até achar que quer saber, mas tenho certeza que vai se arrepender se eu contar. Confie em mim. Existem algumas coisas que é melhor nem virem à tona.

- Você vai precisar me dizer pelo menos algumas coisas. – Rafaella pôs a mão na coxa de Gizelly e sentiu sua musculatura ficar rígida em relação ao seu toque. – Não sei o que pensar. Estou totalmente perdida.

Gizelly colocou a sua mão por cima da dela.

- Você acredita em mim. Apesar de tudo o que viu, continuou acreditando. Isso é importantíssimo, Rafaella. Para nós duas. Para a nossa relação.

- Não temos mais relação nenhuma.

- Pare de dizer isso. – Gizelly a repreendeu.

- Você queria minha confiança cega e conseguiu, mas isso é tudo o que tenho a oferecer. Aceitei conviver com o fato de não saber quase nada a seu respeito porque tinha você. Agora não tenho mais...

- Tem, sim. – Gizelly protestou.

- Mas não da maneira que quero e preciso. – Rafaella levantou um dos ombros em um gesto estranho. – Você me pediu para entregar o meu corpo, e eu o cedi, porque era a maneira que você mais se abria e mostrava o seu amor e veneração por mim. Agora não tenho mais isso, só sobraram promessas. E só isso não basta. Na sua ausência física, tudo o que tenho é o monte de coisas que você se recusa a me dizer.

Gizelly olhava para frente, mantendo o corpo rígido. Rafaella tirou a mão de sua perna e olhou para o outro lado, dando-lhe as costas enquanto observava a cidade em movimento.

- Se perder você, Rafaella. – Gizelly disse com a voz embargada. – Não vai me sobrar mais anda. Só estou fazendo tudo isso para não te perder.

- Preciso de mais. – Rafaella encostou a testa no vidro. – Se não puder ter você fisicamente, preciso ter acesso ao que existe dentro de você, mas isso eu também não posso ter.

Prosseguiram em silêncio, andando lentamente em meio ao trânsito noturno. Um pingo forte de chuva se espatifou no para-brisas, sendo logo seguido por outro.

- Quando o meu pai morreu. – Gizelly disse sem se alterar. – Custei a me acostumar com as mudanças. Lembro que as pessoas gostavam dele, estavam sempre por perto. Minha mãe, sempre tão feliz, começou a chorar o tempo todo. Eu comecei a ter meus acessos de fúria o tempo todo. Quebrava coisas. Me fechei para tudo e todos. Você deve se lembrar de como a grande parte da minha vida foi difícil e problemática.

Gizelly parou no sinal, sua respiração estava acelerada. Rafaella olhou para ela, observando sua silhueta impassível, mas nada disse, tinha medo de estragar o momento.

- Na faculdade me envolvi com muitas pessoas. Umas boas. Outras não tão boas. Mas uma em especifico eu acreditei ser muito boa para mim. Acreditei que ela possuía um caráter digno de confiança e suas atitudes me ajudaram a ser quem eu me tornei. De certa forma, possuía um carinho e gratidão por ela.

Gizelly estacionou o carro e o pôs em ponto morto. Ela agarrou a direção com todas as forças, engolindo em seco. A chuva caía de forma constante, isolando-as do mundo e as deixando a sós com um desabafo.

- Quando chegamos de viagem, e encontramos sua irmã naquela situação, a princípio acreditei que foi uma fatalidade. Mas bastou retornar para nosso apartamento que ficou bem claro que não era bem assim a realidade. Eu recebi uma correspondência anônima relatando que o que tinha acontecido com a Mariana era apenas o começo, e que se eu não me afastasse de você não demoraria para me deparar com você em um caixão. Coloquei um detetive, um que já confio, para ir atrás do remetente daquele bilhete. Como a polícia resolveu tratar o caso da sua irmã como um acidente causado por algum motorista irresponsável, decidir não informa-los sobre a mensagem que recebi. Assim ficaria mais fácil para agir. Além de receber ameaças referente a sua vida, plantaram uns documentos falsos, como se você estivesse desviando fundos da escola. Só não contaram com o software que protege o sistema ser eficaz contra ataques de hackers. Um alerta é sempre emitido quando o nosso sistema não reconhece o dispositivo. O técnico de TI conseguiu localizar o endereço de ip e meu detetive fez uma visita ao responsável. Conseguimos encontra o mandante. Graças a atitude amadora do homem, conseguimos chegar até um nome. Mas quando pensei que estava tudo sobre controle, acabei descobrindo algo muito pior. Precisei sair da cidade, acabei levando mais tempo do que desejava, e quando eu voltei para nossa casa, você não estava mais lá...

Gizelly fez uma pausa.

Rafaella começou a chorar ao ouvir os motivos da mudança brusca de Gizelly.

- Para sua segurança prefiro lhe deixar longe de mim e de qualquer coisa que possa tirar você de vez da minha vida. Não suportaria te perder. Não suportaria te ver novamente naquela situação entre a vida a morte. Eu preciso manter você distante, se o que estou planejando dê errado, preciso que você não esteja por perto. Não quero você envolvida. 

Era vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora