Cold Andrews
Encarei a sala silenciosa enquanto ouvia o som da minha respiração rasa. Minhas mãos estavam agarradas aos braços da poltrona. Agarradas de forma tão firme que meus dedos estavam brancos e o tecido estava pronto para se desmanchar entre eles. Cada pensamento meu era como uma chama crescente, queimando dentro da minha cabeça e a fazendo latejar com uma dor insuportável.
—Você precisa de mais alguma coisa? —Laís questionou, tirando a bandeja de comida, que eu mal havia tocado, da mesinha ao lado. Balancei a cabeça negativamente, vendo-a comprimir os lábios em frustração, como se quisesse brigar comigo para que eu fizesse alguma coisa além de ficar sentado ali olhando para o nada.
Eu havia permitido a entrada de Laís no meu apartamento. Isso porque eu não conseguia fazer absolutamente nada sozinho sem sentir dor. Meu corpo estava completamente fraco e eu me recusava a ficar na Zona Hospitalar, sendo tocado por todas aquelas pessoas. E, principalmente, me recusava a ficar na casa do presidente, com ele me rondando feito um gavião.
—Você não comeu nada de novo. —Laís suspirou, balançando a cabeça negativamente com uma expressão resignada. —Precisa se alimentar se quiser melhorar logo.
—Eu não estou com fome. —Falei, fazendo-a revirar os olhos e se afastar, como se não suportasse ficar perto demais de mim naquele momento. —Por que não foi com ele? —Questionei, e Laís parou de andar, surpresa pela minha pergunta. —Com o Eliot... Por que não foi com ele?
—Por que eu iria? —Ela deu de ombros, soando um tanto perdida naquele momento. —Eu passei a vida toda aqui. Não fazia menor sentido ir embora pra um lugar que eu sequer conheço ou sei onde fica.
—E quer continuar assim? —Indaguei, girando o rosto para olhá-la. —Vai passar o resto da vida matando pessoas para o presidente e depois para o próximo? Então seus filhos farão o mesmo?
—E você, Cold, vai continuar assim? —Rebateu, nitidamente ofendida com a minha pergunta. Mas eu não me importei, porque aquilo não fazia diferença no final das contas.
—Desconheço outro modo de viver. A maioria das pessoas aqui tem outras possibilidades, Laís. Eu não tenho. —Afirmei, ouvindo Laís soltar uma risada descrente, soando como se eu fosse o melhor mentiroso de todos.
—Todos temos outras possibilidades, Cold. Inclusive você. —Laís afirmou, me fazendo negar com a cabeça, porque eu não acreditava naquilo.
Nenhum de nós dois disse mais nada, até o silêncio se tornar insuportável. O som do aviso na minha nova pulseira cortou o silêncio do apartamento, me fazendo abaixar os olhos para ver o recado ali, de que o presidente queria me ver e estava me aguardando na sua bela residência. Uma prisão em forma de lar.
—Eu preciso ir. —Me coloquei de pé, engolindo a pontada de dor nas minhas costelas, sentindo minha cabeça pesar e eu ficar levemente tonto. Mas engoli toda aquela sensação de fraqueza, sabendo o que o presidente queria. —Não precisa aparecer aqui mais tarde. Acho que já posso me virar sozinho.
[...]
Me sentei na cadeira de frente para a mesa do presidente e olhei as chamas da lareira. Meus pensamentos estavam vagos e bem longe dali, enquanto o ouvia falava ao fundo, sobre todos os acontecimentos dos últimos dias e de quantos problemas ele tinha que lidar. No final, ele colocou a culpa em mim, como ele normalmente fazia. Nunca era ele a fazer algo errado, sempre era eu.
—Você errou. —Afirmou, com uma voz que demonstrava uma falsa decepção. —Mais uma vez você errou. Nunca aprende a fazer o serviço certo!
—Eu tentei, mas não posso fazer nada se levei um tiro no processo. —Falei, sentindo a risada presa na minha garganta quando me lembrei de quantos soldados do presidente eu havia matado enquanto tentava encontrar Hannah naqueles corredores. Tinha sido tão fácil puxar o gatilho quando eu sabia que as câmeras estavam desligadas. Tinha sido tão fácil escolher ela.
—Então deveria ter pelo menos morrido com isso! —Exclamou, enquanto se aproximava de mim, soando furioso e infeliz, o que era suficiente para me deixar feliz. —Pelo menos eu não precisaria lidar com um filho emprestável. Na verdade, foi eu que errei com você. Talvez não tenha sido duro o suficiente. Vou mudar isso com o seu irmão.
Apertei minha mão com força, encarando aquela luva que cobria uma delas, sentindo meu sangue ferver quando pensei naquelas palavras e no que elas significavam.
—Você não vai tocar nele. —Sussurrei, com minhas palavras saindo tão afiadas quanto a lâmina de uma faca. —Não vou deixar que faça com ele a mesma coisa que fez e faz comigo todos esses anos!
—Cold, meu filho, por favor. —Ele riu, balançando a cabeça negativamente enquanto andava pela sala. —Quanta ingratidão comigo. Não se preocupe, quando ele nascer vou dar certeza de que ele seja muito melhor educado que você e que jamais cometa erros.
Meu rosto se virou para ele, apenas para vê-lo sorrindo com uma alegria descomunal, que me fazia desejar matá-lo bem ali, naquele instante.
—Ele vai odiar você, assim como eu odeio. Ele vai saber como você obrigou Amber a se casar e ainda abusou dela por todos esses anos. —Afirmei, trincando os dentes de raiva. —Ele vai odiar você, tanto quanto eu odeio!
—Você não sabe do que está falando. —O sorriso do rosto dele havia morrido, como se minhas palavras tivessem o atingido. —Amber se casou comigo porque quis. Porque aquele ex marido dela fugiu levando a filha junto. Ela precisava de uma família e eu dei uma a ela.
—Você acabou com a vida dela. —Desviei os olhos dele, não conseguindo mais encarar aquele rosto que havia se tornado meu pesadelo pessoal. —Acabou com a vida de todos nós.
—Sua língua anda afiada demais, Cold. Acho que você passou tempo demais com aquela garota. —Ele caminhou até pegar o gancho da lareira e o colocou sobre as lenhas que queimavam. —Você sabe o que acontece quando erra. Você sabe o quanto me irrita quando faz essas coisas.
Eu encarei o chão e fiquei em silêncio, escutando meus batimentos cardíacos martelando na minha cabeça. Os segundos começaram a passar lentamente, enquanto ele aguardava e então pegava o gancho de novo, que agora exibia a ponta avermelhada pelo calor das chamas. Meu sangue virou gelo, congelando aos poucos até chegar no meu coração e o fazer parar de bater mais um pouco.
—Tire a luva. —Sibilou, se aproximando de mim com passos absurdamente lentos e premeditados. —Tire a luva, Cold!
—Eu te odeio. —Sussurrei, sabendo que ele iria ouvir. Sabendo que aquelas palavras eram combustível o suficiente para me fazer não desistir de tudo.
—Eu mandei tirar a luva, mas não me incomodo de usar sua outra mão também. —Ele inclinou o rosto para perto de mim, abrindo um sorriso sarcástico. —Ou talvez eu use isso em Amber. Seria interessante ver o quanto ela aguentaria.
Eu engoli muito lentamente e arranquei a luva da minha mão, virando o rosto para não ver a pele retorcida em milhares de formas diferentes, repleta de queimaduras que haviam se curado e outras que ainda ardiam na minha pele.
—Segure a ponta do gancho. —Ele estendeu o gancho pra mim, aguardando pacientemente. —Talvez eu seja bondoso e termine isso rápido.
Ergui a mão e segurei a ponta avermelhada e quente, apertando meus olhos fechados quando senti o calor devorar meus dedos e desmanchar minha pele. O ar foi removido dos meus pulmões, enquanto minha garganta se fechava quando agarrei o braço da poltrona do outro lado, ficando rígido para tentar suportar a sensação de estar sendo queimado vivo por inteiro, com a eletricidade que corria da minha mão para o restante do meu corpo.
—É para o seu bem, filho. Assim você aprende a nunca mais errar. —O presidente sussurrou, aquelas mesmas palavras que eu ouvi minha vida toda. —Quero que seja o melhor, Cold.
Encostei minha cabeça no escoro da poltrona, sentido meu sangue borbulhando de tão quente que estava. Então eu pensei nela. Ela estava bem. Estava segura em algum lugar bem longe daqui. Ela estava livre e seria feliz.
Então quando a dor me consumiu por completo eu pensei na sensação dos seus lábios macios contra os meus. De como seu corpo era completamente perfeito pra mim. Hannah era a única luz da minha vida. A única certeza absoluta. Eu estava irrevogavelmente apaixonado por ela.
Continua...
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Em Destruição
Ficción GeneralO mundo sucumbiu as guerras e os países se tornaram ruínas. Agora, décadas depois, as pessoas precisam viver em zonas de contenção no subsolo, impedidas de ir além dos muros que cercam o complexo em que vivem. Cada um tem um papel crucial nessa nova...