Capítulo 8: Vamos ser presos?

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As vezes acho que o universo gosta de te levar lá no fundo do poço e te entregar uma pá pra você cavar e ir ainda mais fundo, porque eu tinha tanta certeza que nunca mais o veria além daquela noite e agora o universo estava me dando um tapa na cara. Ele estava bem na minha frente, com aquele rosto te tirar o fôlego, mas diferente daquela noite, hoje ele estava inexpressivo. Quase como um robô sem emoções.

Ele não deveria ser muito mais velho que meu irmão. Talvez um ou dois anos. Mas o tom de voz que usou com o soldado era de autoridade, além do soldado e a enfermeira o tratarem com tanto respeito, como se tivessem medo dele. Tudo aquilo me fez hesitar, percebendo a burrada que eu havia feito aquela noite.

—Você está bem? —Indagou, a voz soando como se ele nunca tivesse me visto antes. Tudo bem, acho que eu podia fazer aquilo também. Fingir que não o conhecia era melhor do que explicar pra todo mundo como eu o conhecia. Então balancei a cabeça, sem saber se aquilo era um sim ou um não. —Levante-se, por favor.

A enfermeira me ajudou a ficar de pé, enquanto eu me encolhia, sentindo meu corpo inteiro quente de constrangimento, porque o vestido branco havia grudado inteiro no meu corpo, revelando absolutamente tudo pra ele. Por sorte a manta estava sobre meus ombros e eu pude puxa-la até me envolver por completo nela.

—Pode me dizer como está a minha família? —Indaguei, comprimindo os lábios quando minha voz saiu baixa e trêmula. —Meu irmão e minha mãe?

Parei de falar quando ele ajeitou a postura, com os ombros tão retos e rígidos que parecia não estar nem mesmo respirando. Era alguém completamente diferente do soldado que eu havia conhecido aquela noite. Não havia nada gentil ou calmo no seu rosto quando acenou para o soldado e ele se afastou.

—Podemos fazer um trato, o que acha? Você volta para o quarto, troca suas roupas molhadas e deixa o médico te examinar. Assim que ele disser que está tudo bem, eu irei responder todas as suas perguntas. —Ele me encarou, nada além de determinação e frieza ali. —Podemos fazer isso, Srta. Hawking?

Balancei a cabeça que sim, sentindo os braços da enfermeira ao meu redor, antes de ela me puxar em direção aquelas portas por onde eu havia passado, me levando de volta para o quarto, enquanto ele nos seguia de perto. Não deixei de notar os olhares tensos que eram lançados a ele pelos corredores, como se sua presença incomodasse todos eles.

[...]

Encarei as paredes brancas da sala, além do blip irritante da máquina atrás de mim. A enfermeira me examinou por completo, me fazendo perguntas sobre como eu me sentia, além de me dar alguns remédios pra beber, antes de me fazer comer uma sopa com gosto esquisito. Ele ficou lá fora o tempo todo, onde eu podia vê-lo pela janela de vidro, mexendo na pulseira em seu pulso.

—Você vai ficar bem. —A enfermeira suspirou, se afastando de mim, antes de dar uma olhada na direção dele. —Vou pedir para o senhor Andrews entrar. Precisa de mais alguma coisa?

—Não, obrigada. —Falei, vendo-a assentir e então sair, me deixando sozinha por poucos segundos. Foi tempo suficiente para eu me ajeitar na cama, antes que ele entrasse, fechando a porta atrás de si e a trancando, como se não quisesse que ninguém nos interrompesse. Isso me deixou tensa, porque ainda não tinha decidido como agir com ele.

—Como está se sentindo? —Indagou, uma pergunta que soava mais como obrigação do que preocupação.

—Estou bem, eu acho. —Dei de ombros, porque queria que chegássemos logo no assunto da minha família. Ele se aproximou de uma poltrona no canto do quarto, tirando a jaqueta preta que usava, antes de se sentar ali e enfim olhar pra mim. Aqueles olhos soando mais cautelosos do que qualquer outra coisa.

—Bem, nós temos algumas coisas para esclarecer. —Afirmou, os dedos cobertos pela luva batucando o ombro da poltrona, como se aquilo o ajudasse a pensar, enquanto olhava pra mim sem nem mesmo piscar. —A primeira delas é o que vocês três estavam fazendo fora do complexo, quando você e seu irmão deveriam estar se juntando ao restante dos convocados.

—Vamos ser presos? —Foi a pergunta que escapou pelos meus lábios, porque não tinha como negar o óbvio e fingir que não estávamos tentando fugir depois de tudo que aconteceu.

—Por enquanto, não. —Eu desviei os olhos dele, sentindo que iria me desmanchar se ele continuasse me olhando daquela forma. —Por que vocês iriam fugir? Todos os registros sobre a sua família foram analisados e vocês nunca saíram da linha ou quebraram qualquer regra. Então, por quê?

—Não queríamos deixar nossa mãe sozinha. Eles nunca recrutaram duas pessoas da mesma família, mas por algum motivo fizeram isso comigo e com Ethan. —Afirmei, porque era verdade, ao mesmo tempo que não era todo o real motivo. Mas haviam coisas que só minha mãe poderia explicar. —Agimos por impulso. Fomos imprudente e deu no que deu. —Ele apenas me encarou, como se soubesse que havia algo mais ali. —O que acontece agora?

—Vocês seguirão o que estava previsto desde o início. Serão levados para a Zona Militar e treinarão para se tornarem soldados. Mas terão vigilância constante depois do que aconteceu. Um passo em falso e serão executados. —Esclareceu, fazendo meu sangue gelar quando compreendi tudo que ele estava dizendo. —O mesmo ocorrerá com o senhor Ward, que já foi punido pela transgressão que cometeu. Ele foi enviado de volta para a Zona Militar depois que recebeu alta, com uma perna quebrada e um tiro de raspão no braço. —Fechei meus olhos, sentindo meu coração contrair ao pensar em qual foi sua punição. —Seu irmão ainda está desacordado, sobre os cuidados dos médicos. Mas você pode ir visitá-la logo.

—E quanto a minha mãe? O que vai acontecer com ela? —Indaguei, sentindo minha voz falhar quando a imaginei sozinha, presa naquele lugar embaixo da terra. Tudo já era entediante m demais lá embaixo, mesmo com uma família, não conseguia imaginar o quão solitário e infeliz seria viver sozinho.

Demorei para perceber que ele ainda estava em silêncio. Ergui a cabeça e o encarei, observando a expressão dura dele se suavizar, com aqueles olhos verdes parecendo mais profundos. Por um segundo, fui carregada de volta para aquele terraço e as confissões que trocamos. Por um segundo, pude ver aquele soldado ali de novo, antes de desaparecer quando ele desviou os olhos de mim para o chão.

—Eu lamento muito, Srta. Hawking, mas a sua mãe não sobreviveu a explosão.


Continua...

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