O mundo acabou em uma quarta feira chuvosa. Os países foram reduzidos a pó e quem conseguiu sobreviver precisou se adaptar a um mundo cinzento e silencioso, vivendo nas ruínas das cidades, ou se permitindo serem governados por aqueles que ainda acreditam que uma civilização unida pode funcionar, se alguém estiver a frente de tudo. Fomos divididos e mandados para viver no subsolo, divididos em zonas de contenção.
Não sei como o mundo era antes de acabar, porque eu nem mesmo existia nessa época. Quando eu nasci o mundo já havia desabado e se tornado nada. Tudo que eu conheço está atrás da parede de metal na minha frente, que está emitindo uma luz vermelha que pisca de forma irritante bem na frente dos meus olhos. O "click" que ela solta cada vez que pisca também é irritante, mas já estava acostumada com isso.
Quando a luz vermelha ficou verde e aquele barulho irritante acabou, eu ergui meu braço e puxei a manga da minha jaqueta, mostrando a pulseira eletrônica presa no meu pulso para o soldado ao lado da porta. Ele aproximou o detector, enrugando os lábios quando minha própria pulseira emitiu um som e uma foto minha apareceu na tela do detector, assim como todas as minhas informações pessoais.
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Hannah Hawking.
19 anos.
Setor 2, Zona Agronômica.
Pai: Robert Phillip Hawking – Falecido.
Mãe: Mary Hawking.
Adicionais: Ethan Hawking - Irmão.
———————————Minha foto era uma mistura de cores pretas e cinzas, mas eu podia ver os contornos dos meus cabelos escuros caindo sobre meus ombros, lisos demais para soarem naturais. Minhas bochechas finas marcavam demais meu queixo, além da minha boca ser pequena, exibindo lábios minúsculos. Meus olhos pareciam pretos na imagem, mas na verdade eram de um tom castanho acinzentado esquisito.
—Zona de contenção 2, Agronômica! —A voz grossa do soldado soou alta demais nos meus ouvidos, me fazendo encolher enquanto a porta de metal na minha frente finalmente se movia e se abria, revelando um corredor extenso cheio de portas. —Anda logo. Tem mais gente na fila!
O soldado me empurrou pra frente, quase me derrubando no chão com a força que usou. Aquilo me fez apertar os dentes com força, porque eles não eram conhecidos por serem gentis. Havia uma regra muito importante que todos os civis conheciam e seguiam ao pé da letra; nunca, em hipótese alguma, se aproxime dos soldados da zona militar. Eles eram treinados para serem frios e nunca mostrar sentimentos.
Ajeitei minha jaqueta, escutando a porta se fechar atrás de mim, ao mesmo tempo que o soldado berrava para que o próximo se aproximasse. Todos os nossos passos nas zonas de contenção eram calculados e gravados, pelas pulseiras que usávamos nos pulsos e pelas câmeras ligadas em todos os corredores. Um passo em falso e estávamos na mira dos soldados.
Havia 6 zonas de contenção. Cada uma com sua importância para a manutenção desse lugar. Para que não caíssemos de novo, assim como o restante do mundo. Eu fazia parte da Zona Agronômica, número 2. Atrás das portas por onde eu caminhava no corredor, existiam salas construídas para criação e manutenção de plantações de todos os tipos, assim como de animais e tudo que possa servir a alimentação dos outros setores.
A primeira era a Zona Hospitalar, onde médicos, enfermeiros e todos aqueles com dom de curar e salvar pessoas iam, para serem treinadas e então trabalhar no hospital. Para ir para a número 1, as pessoas precisavam se inscrever e então serem avaliadas. Se fossem consideradas aptas pra trabalhar lá, era permitido que mudassem de zona. A número 3 era a Zona Industrial, que fazia tudo isso funcionar. Também era necessário se inscrever nela se alguém de outra zona quisesse se mudar pra lá, apesar de poucos cidadãos desejarem mudar da zona de nascimento para outra. A Zona Civil era representada pelo setor 4, onde todos aqueles que não eram mais aptos pra trabalhar eram mandados. Principalmente velhos e crianças órfãs, que não possuíam mais nenhuma família.
O setor 5 era a Zona Militar, onde nossos soldados eram treinados para proteger todo nosso complexo. Era maior que qualquer outra zona de contenção e diferente daquelas em que podíamos nos inscrever para muda, nessa éramos recrutados anualmente. Todo ano, assim que o dia primeiro de janeiro se iniciava, os soldados vinham e recrutavam alguns de nós, das zonas 2 e 3. Não podíamos dizer não. Quem era convocado precisava deixar tudo pra trás e se tornar um soldado, longe da sua família.
A Zona Militar e a Zona Hospitalar eram as únicas, além da Zona Presidencial, que ficavam na superfície, o restante era no subsolo, onde nunca víamos a luz do sol, a chuva ou qualquer outra coisa além de paredes e portas de metal. Era como uma prisão, mesmo que aqueles no poder agissem como se fosse nossa salvação. O único dia que podíamos sair daqui, era no ano novo, para ver a explosão dos fogos de artificio no setor 6, onde o presidente e todos aqueles importantes viviam. Um dia antes da convocação. Também era o dia em que todas as pessoas, de todos as zonas, se misturavam.
O último dia do ano era amanhã. Eu iria encontrar todas as pessoas que viviam dentro da cerca de contenção do complexo onde vivíamos. Exceto por aqueles que vivem na Zona Presidencial. Eles nunca se misturavam. Raramente víamos o presidente, a não ser em algumas transmissões nos telões do setor 2, que eles diziam ser ao vivo, mas que eu tinha absoluta certeza de que eram gravadas. Sempre que alguém de lá aparecia aqui, era um representante dele e da sua família. Tinha quase certeza de que ele nunca havia deixado o setor 6.
De qualquer forma, amanhã era o grande dia de sair do fundo da terra e encontrar os outros, além de ver o céu se colorindo com os fogos de artifício. Depois de amanhã seria outro grande dia, em que nos reuniríamos para ouvir a convocação. Quando esses dois dias acabassem, minha vida voltaria ao normal. Trabalhando em salas cheias de equipamentos, terra, esterco e plantações que tenho a obrigação de manter vivas, ou não teremos comida para o próximo mês. Não penso em ir para qualquer outra zona, porque não faz diferença quando minha vida vai continuar sendo tão entediante quanto é agora.
Continua...
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Em Destruição
Художественная прозаO mundo sucumbiu as guerras e os países se tornaram ruínas. Agora, décadas depois, as pessoas precisam viver em zonas de contenção no subsolo, impedidas de ir além dos muros que cercam o complexo em que vivem. Cada um tem um papel crucial nessa nova...