Ethan nem mesmo parecia estar respirando quando me virei e parei na sua frente, vendo seus olhos avaliando o dormitório como algo totalmente estranho. Eu já havia visto meu irmão irritado, frustrado e até mesmo triste. Mas isso? Isso era mais do que qualquer outra coisa. Parecia que uma parte dele havia se partido e se perdido em algum momento. Ele parecia um fantasma, com o corpo tão imóvel e rígido.
—Você está bem? Precisa de alguma coisa? —Indaguei, fazendo seus olhos pararem em mim e ele me analisar dos pés a cabeça, notando as roupas pretas iguais as de todos os soldados dali.
Ele balançou a cabeça, soltando uma respiração pesada enquanto os olhos ficavam vermelhos, no primeiro sinal de alguma emoção. Vi quando abriu a boca, parecendo buscar as palavras certas quando umedeceu os lábios com a língua e apertou minha mão que ele ainda segurava.
—Você já sabe? —A voz embargada foi como um soco no meu estômago, assim como o contrair da sua mandíbula quando ele tentou conter todas as emoções que ameaçavam ficar expostas no seu rosto. —Sobre a nossa mãe... Você já sabe?
Abri a boca para dizer algo, sentindo meu coração se apertar quando vi toda dor que cruzou seus olhos, antes de balançar a cabeça minimamente que sim. Ethan fechou os olhos com força, apertando os lábios para conter as lágrimas. Mas diferente dele, eu não era tão boa nisso. As lágrimas queimaram nos meus olhos antes que eu pudesse absorver o que estava acontecendo. Ethan ergueu a mão para acariciar minha bochecha, antes de me puxar contra o seu peito e me abraçar apertado.
Queria saber o que dizer a ele, mas a verdade é que eu ainda estava tentando entender tudo. Mesmo assim, o calor do abraço dele era o suficiente para me fazer entender que tudo estava muito melhor agora que ele estava ali e mesmo que as coisas estivessem ruins, ainda tínhamos um ao outro. O aperto no meu peito se intensificou até estar quase insuportável, antes de desaparecer quando fechei meus olhos e senti Ethan beijar o topo da minha cabeça.
—Vou cuidar de você. —Prometeu, me fazendo lembrar dos meus próprios pensamentos na Zona Hospitalar, quando percebi que erámos apenas nos dois agora e que eu faria tudo por ele. —Prometo que não vou deixar nada acontecer com você e que vai ficar tudo bem... —Ele engoliu em seco quando me afastei e encarei seu rosto. —Me desculpa, Hannah. Me desculpa...
—A culpa não é sua. Não é de nenhum de nós dois. —Afirmei, balançando a cabeça negativamente. Ethan contraiu os lábios quando toquei suas bochechas, sentindo-as molhadas pelas lágrimas que ele estava tentando segurar. —Vamos cuidar um do outro, o que acha? Hannah e Ethan contra o mundo!
Ele soltou uma risada fraca quando me viu abrir um sorriso torto. Mas fiquei feliz por vê-lo relaxar aos poucos, como se finalmente tivesse acordado de verdade. Aquilo me fez inclinar até deixar um beijo demorado na sua bochecha, antes de nos dois nos abraçarmos de novo, como se estivéssemos ficado meses separados e não alguns dias.
[...]
Eliot não estava mentindo quando disse que pizza era a melhor comida de todas. Ele apareceu meia hora depois que havia saído, enquanto Ethan deixava o banho, já usando aquelas roupas pretas que haviam combinado muito bem com ele, diferente das roupas simples que usávamos na Zona Agronômica. Nós três nos esprememos na cama de Ethan, com Eliot colocando a caixa que havia trazido entre nós, revelando uma comida colorida, com um cheiro delicioso e o gosto ainda melhor.
Cada um de nós repassou o que havia ouvido de Cold, para termos certeza que não estávamos deixando passar nada. Ethan tinha ouvido o mesmo que eu de Cold, o que me deixou um pouco frustrada, porque realmente esperava ouvir alguma coisa diferente, que espantasse toda a estranheza que eu estava sentindo com aquela situação. Ethan também não entendia porque estávamos ali, sendo observados de perto, mas sem nenhuma punição. As marcas no rosto de Eliot estavam quase desaparecendo, mas eu ainda me lembrava dos machucados que cobriam seu rosto quando o vi depois que acordei no setor 1.
—Sua mãe realmente não disse quem era o conhecido dela lá fora? —Eliot indagou, esfregando a nuca como se estivesse confuso, antes de pegar um pedaço de pizza e dar uma mordida enorme. Eu e Ethan negamos com a cabeça ao mesmo tempo, arrancando um suspiro dele. —Sabe, fiquei pensando nisso essa semana. Não tive autorização de deixar minha ala pra ver você Hannah. Mas fiquei pensando que talvez eles saibam quem é o conhecido da sua mãe e o estejam procurando. Colocar nós sobre vigilância, mas ainda permitir que fiquemos aqui, é como se esperassem que tentássemos fugir de novo, ou entrar em contato com eles.
—Acho que o presidente tem coisas mais importantes pra se preocupar do que pessoas tentando sair daqui de dentro pra encontrar um grupo aleatório lá fora. —Ethan rebateu, balançando a cabeça negativamente. Mas Eliot comprimiu os lábios, lançando um olhar demorado ao meu irmão, que o fez franzir a testa. —Minha mãe nunca manteria contato com os rebeldes, Eliot! —A voz de Ethan estava tão dura que acabei me encolhendo ao seu lado. —Nosso pai morreu por causa deles. Você sabe o quanto ela sofreu quando isso aconteceu, então não pense uma coisa ridícula dessas!
—Ei, tudo bem! —Eliot ergueu as mãos pra cima como se estivesse se rendendo. —Eu só estou tentando achar uma explicação pra tudo isso, cara. Sinto muito. —Ele deu uma mordida na pizza assim que meu irmão desviou os olhos dele, quase me fazendo rir com a sua expressão cautelosa. —Acho que nada faz muito sentido no final das contas.
—Cold pareceu acreditar em mim quando eu disse que só estávamos fugindo para não sermos separados. —Comentei, fazendo uma careta quando Eliot soltou uma risada alta.
—Parecer não é o mesmo que acreditar, gatinha. —Eliot me lançou um olhar penetrante, com os olhos repletos de bom humor. —Vocês não tem noção de todas as merdas que eu já ouvi sobre ele por aqui.
—O que você já ouviu sobre ele? —Indaguei, sem conseguir ignorar a faísca de curiosidade que se acendeu dentro de mim, ao mesmo tempo que eu fiquei hesitante em saber qualquer coisa. Mas Eliot riu, como se esperasse aquela reação de mim.
—Depois o fofoqueiro sou eu, né? —Sibilou, me fazendo revirar os olhos quando ele soltou uma risadinha, antes de ficar sério. —Primeiro, o cara é uma máquina. Ele está o tempo todo trabalhando e cumprindo ordens do pai. Nunca para, como se nunca ficasse cansado. —Eliot continuou a falar, enquanto eu tentava ignorar o desconforto por ouvi-lo falar do presidente. —Ele já matou mais pessoas do que qualquer soldado desse complexo e nunca parece sentir arrependimento por qualquer uma dessas mortes. Sabe o que é pior? O maldito só tem 23 anos. Eu tenho essa idade e me sinto horrível quando preciso atirar em alguém, mas ele simplesmente faz isso com se não fosse nada. Como se não estivesse lidando com a vida de alguém.
Era tão fácil como respirar, foi o que Cold me disse quando o questionei sobre todas as pessoas que ele havia matado. Eliot não estava mentindo, porque eu havia ouvido isso dos lábios do próprio Cold. Da primeira vez havia sido estranho, mas ele já havia feito isso tantas vezes que havia se acostumado. Ele já não se importava mais. Isso me assustada, ao mesmo tempo que me deixava mais curiosa, porque queria entender tudo que se passava na cabeça de Cold.
—Ele tem um apartamento pra ele, na ala oeste da Zona Militar. Ninguém nunca entrou lá, porque Cold tem regras muito rígidas quando se trata do seu espaço pessoal. Ele não é do tipo que gosta de dividir o dormitório com alguém, então nada de soldados entrando e saindo da sua casa. —Eliot se inclinou na cama, para mais perto de Ethan e eu. —Mas alguns dizem que ele tem um arsenal de armas lá. Como uma maldita coleção pessoal das melhores coisas que você pode encontrar por aqui, mas que só aqueles mais altos tem acesso.
—Como você sabe de tudo isso? —Ethan questionou, com as sobrancelhas se unindo ao encarar Eliot. Ele também sabia sobre a vida de todo mundo no setor 2. A diferença é que lá não havia segredos. Mas aqui? Tudo parece uma caixa de surpresas o tempo todo.
—Eu tenho alguns conhecidos aqui e ali. —Eliot respondeu, me fazendo fechar os olhos e negar com a cabeça, sentindo vontade de rir da expressão inocente dele. —O que importa é que todo mundo diz que não se pode confiar nele. Cold é esperto, inteligente demais e manipulador. Tudo que ele faz é pensando no que vai ganhar em troca. —A forma que Eliot falou me pegou de surpresa, porque soou como um aviso, principalmente quando ele encarou meus olhos. —Cold Andrews é um excelente ator.
Continua...
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Em Destruição
General FictionO mundo sucumbiu as guerras e os países se tornaram ruínas. Agora, décadas depois, as pessoas precisam viver em zonas de contenção no subsolo, impedidas de ir além dos muros que cercam o complexo em que vivem. Cada um tem um papel crucial nessa nova...