Capítulo 23 :

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O primeiro dia do ano nasceu com um singelo sol que a cada minuto ganhava mais intensidade e brilho. Carla revirou na cama, irritada pela falta de sono que a assombrava há alguns dias e por saber que não conseguiria mais dormir, deixou Arthur esparramado na cama e desceu a escada fazendo um laço no roupão branco de flanela, ouviu um barulho da cozinha e foi até lá, encontrando uma loira bem conhecida por ela, derrubando os saquinhos de chá todos no chão. Abiu um sorriso e se aproximou, sentando-se no banquinho.

Quando Sarah levantou, esbravejando sua falta de habilidade na cozinha, encontrou Carla sentada bem à sua frente a olhando. Por um momento, se retraiu, envergonhada por estar ali, depois de tudo. Ontem, no meio da festa, Carla tinha ficado feliz talvez pela emoção do momento, mas agora era diferente, estavam apenas as duas, dentro da casa dela e com alguns saquinhos de chá importados jogados no chão.

Sarah: Eu... Eu perdi o sono. — tentou se explicar e Carla apenas assentiu, colocando em um copo um pouco de suco. — Boa ideia. —abriu um sorriso e pegou a xícara que estava nas mãos e despejou o mesmo suco.

Carla franziu a testa, mas logo depois abriu um sorriso ao ver o quanto sentia saudades do jeito louco e descompromissado daquela loira. Ela sentou-se na sua frente e por algum tempo o silêncio reinou entre as duas.

Sarah: Não sei como você ainda me deixa ficar perto de você... — respirou fundo e disse a frase inicial para a conversa que elas sabiam que deveriam ter.

Carla: Porque você é minha melhor amiga e eu te amo muito, Sarah. — olhou nos olhos verdes dela e viu um brilho especial neles. — Nada do que aconteça é mais forte do que a nossa amizade. Você não aprendeu isso?

Sarah: Eu deveria... — balançou os ombros. — Você é minha única família, Carlinha e eu me sinto muito mal por ter dito todas aquelas coisas para você. Eu disse que iria ficar com uma família que queria apenas o meu mal, que me manipulou a vida toda e eu achava que estavam apenas me protegendo, quando deixei de ser útil, eles acabaram comigo.

Carla: Você precisava vivenciar isso para aprender a ver quem está com você, Sarah. Você sempre foi deslumbrada com todo o conto de fadas que vivia com o Viana, com todo o dinheiro da família dele e todo o poder que eles têm, mas sabia que nunca iria se encaixar naqueles padrões, por isso vivia fazendo essas bobagens.

Carla falava calmamente e Sarah apenas assentia, sabendo que mais uma vez Carla estava certa.

Sarah: Por que isso não aconteceu com você? É a mesma história, mas com um final completamente diferente.

Carla: Talvez porque eu nunca desejei estar aqui, você sim. — disse com um sorriso singelo e Sarah abriu um também, lembrando-se dos velhos tempos com Carla. — Você não podia ouvir falar em Fórmula 1 que já pulava em cima, é por isso que eu acho que se deslumbrou um pouco, enquanto eu vivi por anos na base do se vai, foi, se não foi, não vai mais. — deu de ombros e  Sarah assentiu. — Mas, fico feliz que você tenha caído em si a tempo de curtir a sua filha, viver toda a vida que perderam enquanto ela ainda te ama e te quer por perto.

Sarah: A Maria Alice é um anjo. — apoiou a mão em seu rosto e suspirou. — Ela é como você, não importa o que aconteça, estão sempre ao meu lado. Já eu nunca estou do lado de vocês...

Carla: Mas eu tenho certeza que isso vai mudar. — assentiu, encorajando Sarah que deu um sorriso pequeno que não a convenceu nem um pouco. — Você quer desabafar sobre o que está acontecendo?

Sarah: Na verdade são tantas coisas acontecendo de uma vez, que eu nem sei como estou de pé ainda, Carlinha. Primeiro nossa briga, depois a história da Alice e do Rodolfo e logo depois a família do Luan acabando com tudo que eu construí durante anos. Isso porque eu era "A mulher da vida dele"

Ao dizer aquilo, Carla viu os olhos dela ficando cristalinos e imediatamente pegou a mão dela.

Carla: Então havia mesmo um contrato?

Sarah: Havia, eu o assinei antes da Alice nascer, deixando claro que havia chances dela não ser filha do Luan, mas que eu como mãe escolhi ocultar do Rodolfo e dar a guarda dela para o Luan, havia várias coisas lá, como que ela nunca poderia saber, nem o Rodolfo, se isso acontecesse, eu teria que arcar com as consequências. Eu nem me importei com essas consequências, uma porque era apaixonada pelo Luan e sabia que ele criaria comigo a Alice para o resto da vida, não importando as condições e outra porque me arrependia do meu passado com o Rodolfo e não queria de modo nenhum que ela soubesse daquela remota possibilidade, mas no fundo, eu sabia que não tinha chances de ser filha do Luan, eu estava com uma semana a mais de quando voltei com ele e foi a pior merda que eu fiz durante toda minha vida. Se eu soubesse que o Luan trataria ela do modo como tratou a vida toda, desprezando e educando que apenas ele e a família dele achavam digna, eu teria contato ao Rodolfo desde o começo.

Sarah escondeu o rosto com as mãos e começou a chorar. Carla se sensibilizou e foi ao lado dela para abraçá-la.

Carla: Mas, saiba que por mais que a Maria Alice tenha vivido esses anos todos sofrendo com o Luan, em tão poucos meses, ela recuperou tudo isso vivendo com o Rodolfo. Você não tem que se remoer pelo que aconteceu, nós sabemos que naquela época você era uma modelo, não tinha condição de criar uma criança sozinha, por isso escolheu o Luan. Se tivesse contado para o Rodolfo, ele não teria a maturidade que ele tem hoje, para encarar esse fato do modo correto. Não se torture por isso, está tudo certo com a sua filha. Ela está aí, sorrindo, saudável e aproveitando a vida dela com o pai que ela sempre quis ter.

Carla dizia enquanto acariciava o cabelo longo de Sarah. Ela ouvia tudo aquilo e chorava ainda mais, era uma sensação horrível reconhecer que fez uma grande burrada por longos anos.

Carla: E Sarah, você é linda, tem saúde e sabedoria para conquistar tudo de novo que perdeu. Eles te tiraram tudo, mas você ganhará o dobro minha amiga.

Sarah: Não sei como Carla, saí do casamento nem com a aliança, não tive direito a nada e ainda tive que vender a agência, minhas partes nas lojas e a minha casa para pagar a quebra do contrato. Fui procurar emprego e só ouvi que estou velha demais para voltar a ser modelo e inexperiente demais para conseguir um bom trabalho como estilista. — soluçou enquanto dizia.

Aquilo cortou o coração de Carla em dois. Desde sempre Sarah foi independente, mas ao casar com Luan, jogou tudo nas mãos do marido e passou e viver sendo dependente dele, talvez pela história de Sarah, Carla tinha horror a depender inteiramente de Arthur, muito menos aceitava algumas propostas que envolviam uma enorme quantia de dinheiro dele.

Sarah: Penso nisso como um castigo, sabia? — olhou para a amiga e limpou as lágrimas. — Desde que comecei a ganhar dinheiro, comecei também a esbanjar, não lembrar que havia coisas muito mais úteis para se fazer com ele, mas pelo contrário, eu sempre dizia que não tinha e não dava o devido valor e quando eu casei foi pior ainda, me deslumbrei com uma casa de oitenta milhões de reais, milhões na conta do meu marido e carros luxuosos na minha garagem. Olha onde eu vim parar, morando em um hotel e invadindo a festa de ano novo por não ter para onde ir.

As duas se olharam e no mesmo segundo começaram a chorar. Não havia como não reagir daquele modo pelo momento difícil que ela estava passando.

Carla: Eu prometo que tudo vai ficar bem, ok? — segurou o rosto da amiga e lhe deu um beijo na testa. — Nós vamos passar por isso, juntas.

Carla disse enquanto a abraçava novamente. Sarah não disse nada, apenas desfrutava do momento de ter sua amiga novamente lhe dando apoio.

Parado na porta da cozinha, Rodolfo continuava de olhos arregalados e completamente boquiaberto com tudo que tinha acabado de ouvir. Que Sarah tinha que pagar por todos os erros que ela cometeu no passado e vinha cometendo era uma coisa, mas passar pela situação que ela estava passando era completamente absurdo. Que tipo de ser humano era Luan e toda aquela família de idiotas dele?

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Arthur: O Piloto III 🎡Onde histórias criam vida. Descubra agora