capítulo 4

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Sentado em sua casa quase vazia, ucker ouvia o monótono tique-taque do relógio. Como uma torneira pingando incessantemente, o som irritava, impedindo que os pensamentos vagassem à vontade, mantendo-o preso ao presente, fazendo-o lembrar-se de algo. Algo que ele deveria lembrar-se. O que era?


Oh, sim! Aquele era o dia em que o Dr. Anderson mandaria a fisioterapeuta, a melhor que o dinheiro poderia pagar, segundo ele. Ela viria. Quando? Qua­renta e cinco minutos atrás.


Fechando os olhos, Ucker respirou longa e lenta­mente. Reclinou a cabeça no encosto do sofá. Ótimo. Com certeza, Anderson esquecera. Dois dias antes, o médico aparecera lá esbravejando, acusando-o de estar negligenciando a si próprio e clamando que ele deveria continuar vivendo. Pior ainda. O homem insistira que, como amigo, tinha o direito de dizer-lhe que ele estava perdendo muito tempo mergulhado na auto-piedade.


Depois, o homem saíra, avisando-o que mandaria uma fisioterapeuta, independente da vontade de Ucker. Frisara que recorreria a todos os meios, até mesmo legais, se preciso, para garantir que Ucker recebesse o trata­mento adequado. Até mesmo ameaçara chamar Annie, a irmã de Ucker. A irmã amorosa, emotiva. A irmã para quem ele mentia havia um ano, tranqüilizando-a, assegurando de que estava muito bem.


Se Anderson a chamasse, seria o caos. Annie viria chorando, querendo falar sobre Amy e Joanna, revi­vendo lembranças que Ucker levara meses tentando destruir. Ela reavivaria tudo e ainda traria a família, os cinco filhos com quem Amy costumava brincar. Annie traria amor, lágrimas e crianças, coisas com as quais ele não sabia mais como lidar. No desespero de vê-la ir embora, acabaria por magoá-la, com certeza. Na verdade, Annie se magoaria apenas vendo o es­pectro em que seu irmão se transformara. Não, ele não poderia correr o risco.


Ucker não duvidava que Dan Anderson cumprisse a ameaça. Ele era um médico competente, um homem astuto. Insistente e enérgico, mesmo quando trata­va-se de um amigo. Mas, felizmente, era também muito ocupado e, obviamente, esquecera-se de man­dar a fisioterapeuta.

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