capítulo 64

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Ucker observava Hannah ajeitando a bolsa. O mo­mento que tanto temia, havia chegado. Hannah pre­parara o almoço, lavara a louça e, agora, ia embora, deixando-o sozinho com o menino.

Hannah o ajudara a superar as primeiras horas, embaraçosas e difíceis. Seguindo as instruções de Dulce, a governanta servira o café da manhã para Charles, ajudara-o a tomar banho e a vestir-se. Agora, porém, ia embora.

- Bem, Dr. Uckermann, já vou. Se precisar de alguma coisa é só telefonar. Acredito que tudo correrá bem. O garoto já almoçou e acho que vai dormir ainda por um bom tempo. Quando ele acordar, procure distraí-lo até a mãe chegar.

Era justamente esse detalhe que o preocupava. Dis­traí-lo significava conversar, ouvir, ficar com ele... du­rante horas. Dessa vez, não poderia evitá-lo. Oferecera ajuda à Dulce prometera cuidar bem do filho dela.

Não queria decepcioná-la. Entretanto, sua respiração tornava-se mais rápida e ofegante. Suas mãos trans­piravam e tremiam.

Da porta, Ucker acenou para Hannah. Depois, vol­tou para a sala de estar, onde Charles dormia no sofá. Assim que entrou, o menino abriu os olhos e olhou-o com expressão cautelosa.

- Precisa de alguma coisa? - Ucker detestou o tom ríspido de sua voz.

Charles negou com um gesto de cabeça.

- Tem certeza?

De novo, o movimento de cabeça, afirmativo dessa vez.

Ele não queria nada... Ou melhor, Ucker juraria que ele queria livrar-se daquele estranho.

Charles estava bem equipado. Rodeado por livros, brinquedos, até mesmo o indefectível urso de pelúcia, parecia ter mesmo tudo do que precisava.

Mas, a sala estava escura. Aproximando-se da ja­nela, Ucker começou a abrir as cortinas.

¾ Não abra! - Charles gritou com voz estridente.

-Você precisa de luz - Ucker explicou. - Não é bom ficar no escuro por tanto tempo. - Como eu fiquei, até Dulce entrar em minha vida, ele lembrou. - O dia está ensolarado. O sol faz bem para a saúde.

-É mais uma ordem do médico? - Charles indagou num tom ansioso.

-Com certeza. Por que você não quer as cortinas abertas?

Charles franziu as sobrancelhas e Ucker achou que ele não iria responder. Depois, erguendo o quei­xo, disse:

-     De repente, os monstros podem entrar. Você sabe, se eles perceberem que estamos aqui. Se as cortinas estiverem fechadas...

Os lábios dele tremeram, a voz fraquejou. Ucker decidiu não contrariá-lo.

¾ Entendo. - Sentou-se mais perto de Charles. - Os monstros o incomodaram hoje?

¾ Não. - Charles brincava com um caminhão ama­relo. - Porque Hannah estava aqui comigo. Mas, você... Já lhe contei que a mamãe disse...

¾ Eu sei o que sua mãe disse. Que eu tenho medo de crianças.

-         Você tem mesmo? Mamãe sempre fala a verdade.

Ucker descobriu que não conseguia sustentar o olhar de Charles. Desviando o olhar, deteve-se nos de­senhos do carpete. O amor de Charles pela mãe era tão grande que demonstrava o quanto uma criança poderia ser inocente e confiante. Confiante demais, Ucker pensou. Alguns pais não correspondiam a tan­ta confiança quando eram requisitados. Ucker sabia disso muito bem

um pai perfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora