capítulo 80

120 6 2
                                    

-Dulce, não  questione o inevitável. Um dia, você me disse que a gratidão é um sentimento comum entre paciente e terapeuta. Nesse caso, já que chegamos ao fim de nosso percurso, quero a oportunidade de de­monstrar meus agradecimentos. Você me devolveu as minhas mãos e não uma coisa qualquer. Além disso, fiz uma outra promessa a Charles. Coisa simples, Dulce. Não se preocupe. Não vou causar-lhe embaraços.


¾ Não estou preocupada com isso. Mas, não sei se...


-Shh. - Ele se aproximou ainda mais, tanto que os corpos quase se tocaram. Silenciosamente, ele en­terrou os dedos nos cabelos dela, algo que desejara fazer desde o primeiro dia. Não a beijaria. Não naquela noite. Não a aborreceria de novo. Mas tinha que sentir aquelas mechas sedosas antes que tudo terminasse. Para sempre.


¾ Coisa simples, Dulce. Com você. Com Charles. Eu errei desde o começo. Maltratando-a, expulsando-a, dis­cutindo por tudo e por nada. Quero terminar corretamente. Será nossa última vez juntos. Vamos terminar com uma bomba, exatamente como começamos. Deixe-me agradecer, Dulce. Deixe-me fazer essa última coisa .


Gentilmente, roçou os lábios nos cabelos dela. Não foi um beijo, disse a si mesmo. Mesmo assim, sentiu-a estremecer. Ela estava tão perto dele que os corações pareciam bater em uníssono.


- Ucker - ela murmurou com a voz carregada de emoção.


Não, não era verdade, Ucker pensou. Era imagi­nação dele. Ele estava projetando as próprias emoções em Dulce. Queria acreditar que ela sofreria tanto quan­to ele com aquela separação.


Bobagem. Num futuro próximo, quando eventual­mente se cruzassem pelos corredores do hospital, seria como se aquela convivência nunca existira... para ne­nhum deles. Assim que deveriam agir. Amigavelmente, impessoalmente. Não com ele querendo puxá-la para seus braços.


Ucker soltou-a abruptamente. Queria pedir-lhe para esquecer a sugestão. Poderia ser um erro querer transformar a última vez em algo especial. Só tornaria o período de adaptação mais longo e mais penoso.


um pai perfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora