capítulo 47

97 7 4
                                    

Ucker franziu as sobrancelhas. Começava a sentir rancor pelo homem que abandonara aquela mulher com um filho pequeno para criar. Mas Dulce ergueu a mão, silenciando sua crítica.


-     Não se preocupe, Ucker. Já não sinto revolta, nem raiva. Ou pelo menos, na maior parte do tempo. Poncho não era um homem mau. Era apenas fraco, não sabia o que queria. Nem eu sabia o que ele queria. - Ela se apoiou na parede e cruzou os braços. - Não compreen­di que ele não queria uma esposa, um filho, que ele precisava de mim  momentaneamente, e não para sem­pre. Mas, isso foi há muito tempo. Já me recuperei. E, afinal, ele me deixou Charles. Bem, já falei muito a meu respeito. Agora, vamos ao trabalho.


Sentaram-se em silêncio, recomeçando os exercícios. Ucker não se conformava com o que acabara de ouvir. O marido não sabia o que queria e, por isso, abandonara a mulher, o filho, não acompanhara o crescimento do menino. Como um homem podia ser tão cego, insensível?


Ucker mordeu o lábio. A bem da verdade, ele não poderia julgar o comportamento de Poncho. Ele próprio não fizera a mesma coisa? Quantas vezes se ausentara, por conta do trabalho, enquanto a esposa e a filha precisavam dele? Quem era ele para julgar? Balançou a cabeça. Seria melhor não pensar mais e concentrar-se no trabalho.


Flexionou os dedos, cerrou os punhos, sentindo a força que não existia algumas semanas atrás. Um som abafado vindo de outro quarto interrompeu a concen­tração. Dulce pediu licença e saiu da sala. Ele podia ouvir o menino choramingando e a voz de Dulce acalmando, agradando.


Instantes depois, ela saiu do quarto, fechando a por­ta. Sentando-se, ela retomou o trabalho.


O silêncio durou apenas alguns minutos.


Então, Ucker ouviu o som fraco, abafado de um piano de brinquedo. A voz fina e frágil de um garoto cantando versos inventados.


"Estou cansado de estar doente, mas logo ficarei me­lhor, sim, logo ficarei melhor. Minha mãe disse que vou sarar logo, logo" A voz do menino soava lamuriante, desafinada.


Ucker olhou para Dulce. Os olhos dela estavam arregalados, a expressão desolada, num pedido mudo de desculpa.

um pai perfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora