capítulo 75

83 6 5
                                    

"O vento não está propício para pipas", Charles ex­plicara quando ela tocara no assunto e Ucker não o desmentira. Ucker pintara o quarto. Ucker ensina­ra a fazer a pipa. Ucker não queria desapontar Char­les. Ucker... E, assim, o tempo foi passando.


Ela deveria ter tomado uma atitude. Deveria ter telefonado para Mandy e insistido para Charles voltar à antiga rotina. Em vez disso, não fizera absolutamente nada, encantando-se com os sorrisos que Ucker le­vara ao rosto de Charles. Aquilo estava errado. Ela estava errada, mas, não parara para pensar. E, em meio ao silêncio que a inesperada ausência de Charles e Ucker causava, ela não poderia mais esconder-se de seus pensamentos e culpas.


Na cozinha, encontrou um recado preso à porta do refrigerador. Estava escrito com letras grandes, de for­ma, irregulares. Obviamente, tratava-se de um traba­lho de equipe. Ucker ditando e Charles escrevendo. Leu em voz alta:


Fomos ao parque. Voltaremos logo.


Maravilha! Teria alguns momentos de solidão, uma comodidade que havia muito não usufruía. Poderia co­locar os pés para cima, folhear uma revista com uma xícara de café ao lado. As possibilidades desfilavam diante de seus olhos, tentadoras. Então, por que foi direto para o quarto e vestiu jeans e camiseta? Por que calçou tênis velhos e confortáveis?


Porque era louca, tola. Porque precisava de exercícios ao ar livre. Porque o dia estava bonito. Porque adorava ver Ucker e Charles juntos.


Era muito simples. O homem e a criança rindo, brin­cando, rolando na grama, divertindo-se. Desafiando-se em jogos, discutindo sobre o animal mais feio do mun­do. Uma vez, encontrara-os dormindo juntos no sofá. A cabeça de Charles apoiada no ombro de Ucker. Como poderia resistir? Como poderia perder um mi­nuto, quando o tempo passava tão rápido?


Ela não deveria ter permitido que as coisas chegas­sem naquele ponto. Não seria bom para Charles. Nem para Ucker. Principalmente porque a terapia estava quase chegando ao fim.


Fechando a porta, Dulce fez a caminhada em direção ao parque, no fim do quarteirão. O local estava repleto, mas não avistou Charles, nem Ucker. Olhou ao redor. Não estavam na quadra de basquete, nem no tanque de areia, nem sentados nos bancos. Depois de caminhar alguns minutos, finalmente ouviu o som da risada de Charles encantado com as piruetas da pipa verde.

um pai perfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora