capítulo 22

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Mordendo o lábio, ela concordava com movimentos lentos de cabeça. Apesar da postura autoritária que ela assumira, Ucker podia notar a vulnerabilidade estampada nos olhos azuis-esverdeados. A custo, con­teve um sorriso. Afinal, ela não era tão forte quanto se mostrava. Não perderia aquela chance de expulsá-la de casa, de sua vida, o mais rápido possível. Ela e o filho, cujo nome nem queria ouvir.


Se fazer tudo o que ela mandava significava livrar-se dela, então, ele o faria. Depressa.


Quando Dulce abriu a torneira, ele notou o sangue na mão dela.


- Você se cortou.


- Não foi nada.


-Como não foi nada? Droga, Dulce, chame a mu­lher! A culpa foi minha por ter deixado um copo que­brado aí dentro! Chame-a. Hoje mesmo.


-Não se preocupe, Ucker. Só preciso de um band-aid.


Ele a olhou desolado, sentindo-se inútil, como não se sentia desde o acidente.


-     Não tenho nem mesmo um band-aid - con­fessou ele.


Para espanto de Ucker, ela riu. Não. Gargalhou. Ele estava envergonhado, deprimido, e ela gargalhava.


-     Não se ofenda, Ucker. Você não é o único no mundo. Por acaso, eu tenho uma caixa na bolsa. As mães sempre carregam um estoque, por precaução.


Voltando para a sala, abriu a bolsa de onde tirou um band-aid verde fluorescente. Colou-o no dedo.


-     É a cor favorita de Charles - explicou. - Venha. Vamos terminar nossa sessão antes que você comece a discutir.


Ela era impossível, incrível. Outra mulher o teria dei­xado sozinho há horas. Depois do modo como ele a tratara no dia anterior, Dulce deveria tê-lo deixado falando so­zinho. Não a culparia por isso. Mas, ela estava sorrindo. Brincando. Implicando. Imaginando que, talvez, ela agis­se da mesma forma com todos os pacientes, Ucker sen­tiu que o antigo mau humor voltava.


Com ar de poucos amigos, ele estendeu as mãos sobre a mesa. Dulce segurou-as, reiniciando as mas­sagens e explicando os exercícios que ele deveria fazer durante o dia seguinte.


-      Onde está sua pulseira? - ele indagou repentinamente.


-Minha pulseira? - Ela o fitou surpresa. - Oh, não uso jóias quando estou trabalhando!


-Seu filho sabe disso? As crianças ficam magoadas quando dão um presente à mãe e ela não usa. Prin­cipalmente quando a mãe não fica em casa por causa de um paciente teimoso.

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