capítulo 50

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Fora estúpido por tocá-la novamente, tolo ao dizer que voltaria no dia seguinte. Uma única noite já fora penosa demais. Se tivesse um pouco de bom senso, ligaria para ela, informando que queria outra fisiote­rapeuta, apesar de todos seus protestos. Tinha que fazer isso. Ele sabia que tinha.


Especialmente quando, na noite escura, nas ruas vazias, a lembrança da voz de uma criança encheu seus ouvidos. Os olhos de Dulce observando-o. O me­nino cantando. Não era certo pensar em tudo isso. Perigoso. Assustador. Errado.


À medida que se aproximava de casa, o lugar onde por tanto tempo se escondia, a voz o acompanhava. Ouvia a voz de Charles, pequena, suave, insistente.


Se pretendia voltar à casa de Dulce, teria que apren­der a conviver com aquela voz, com o menino do quarto ao lado. Aquela era a realidade. As crianças nunca ficam quietas e silenciosas. Precisavam brincar, correr, queimar energias. Ucker sabia. Ele tivera sua Amy.


A perspectiva de voltar e encarar aquela criança, as­sustava-o. Mas, havia algo mais. Alívio. Uma pontada de alívio por saber que, em algum lugar, havia uma criança que alegrava o coração de uma mulher. Em al­gum lugar, ainda havia uma criança que cantava.


No dia seguinte, teria que enfrentar o menino, en­carar Dulce e seu filho. Não podia continuar fingindo que Charles não existia.


Ucker estacionou no pátio de sua casa, desligou o motor e desceu do carro. Bateu a palma da mão na capota. O peso da realidade caiu sobre ele.


Lembranças. Dulce sussurrando ao filho com amor. Dulce perplexa quando ele a beijara. Dulce. Charles. Juntos. E ele, bem no meio de tudo. Observando. Experi­mentando sentimentos que julgava esquecidos.


Decididamente, ele lhe mandaria flores, depois de tudo terminado. Celebraria, feliz, quando tudo esti­vesse terminado. Só assim, pararia de sentir tudo aqui­lo novamente.

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