Capítulo 06- Vou consertar isso.

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Estou mergulhada na escuridão, estou afogando em memórias, em vontades de fazer tudo diferente como se eu fosse a culpada. Há gritos e comemorações ao meu lado mas eu não consigo evitar de ficar parada no canto da sala olhando para o nada.
- Mãe! – um grito de Alicia e ela pula em mim, saio daquela bolha de escuridão e a pego no colo com um sorriso. Ela estava com a respiração acelerada por estar correndo com as irmãs e a vó – brinca com a gente – pediu fofa e todos meus ossos doeram.
- Mas filha a suas irmãs estão... – tento falar mas Niragi se aproxima.
- Meu amorzinho, deixa a mãe quietinha hoje – falou fofo com ela e a pegou nos braços – as meninas estão te chamando.
De alguma forma, ele fez ela voltar a brincar e depois me envolveu com os braços. Ele era o único que sabia o quão torturante era passar os dias dos pais sorrindo, eu ficava muito mal esse dia. Juro que não queria ser assim, era um dia feliz para ele mas para mim era o pior, eu lembrava demais da minha família, sentia falta deles, sentia culpada por eles terem morrido por minha causa e eu nem ter me despedido direito. Normalmente eu não ficava assim, é como se eu já tivesse superado o luto mas em comemorações eu ficava muito triste, acho que minha mãe amaria sair comigo para comprar presentes, ela adoraria passar o dia anterior preparando as comidas com a minha sogra. Meu pai ficaria encantado com as crianças e seria o melhor vô do mundo. Minhas filhas amariam ter conhecido Lara, elas brincariam muito.
- Você quer ir embora? Posso pedir para Kuina ficar com as crianças – Niragi disse me segurando meu rosto e eu sorri fraco.
- Não quero – o abracei – quero ir ao cemitério mais tarde, preciso ir.
- Tudo bem, meu amor – ele acariciou minhas costas – eu te amo muito, sabe disso né?
Olhei para ele e sorri antes de beija-lo.
- E eu te amo mais, você sabe né? – disse e ele riu me puxando para o seu peito. Senti seu coração batendo e fechei os olhos, eu amo tanto esse homem.
- Cadê nossa garota? – a voz grossa do meu sogro me fez abrir os olhos. Ele era muito importante para mim, ele era um sogro, um avô, um mafioso que não decidia nada sem a minha opinião e me acolhe como filha.
- Acha que eu morri? – falei rindo e ele veio até mim e Niragi.
- Obvio que não, você não morre fácil Ellie – ele disse e eu ri antes dele acariciar minhas costas.
Isamu Suguru. Um homem alto de 54 anos. Cabelos brancos mas o corpo não mostrava que ele tinha a idade que tinha. Obvio que com o tempo a pele vai ficando flácida mas era visível que a uns anos ele era super musculoso e que agora ele ainda levava uma saudável. Ele se vestia super bem, com ternos caros e para ele seu rosto tinha que ser impecável, então a barba, um pouco branca também, estava sempre feita num tamanho perfeito. Quando ele disse que estaria passando a máfia para mim e Niragi eu não entendi pq ele ainda tinha pique de fazer as coisas, coordenar assaltos e tudo mais, mas ele mesmo disse que “eu to preservado para isso e ainda amo meter umas balas em caras idiotas mas agora eu quero ser avô, quero ficar em casa aturando minha mulher pedindo para comprar muitas coisas e brigando comigo, quero ficar em casa de roupão lendo jornal e ligando por vídeo para as minhas netas, quero coordenar de longe e vocês estão no auge da vida, então poder meter bala em quem quiser e fazer loucuras para falir homens burros, só voltem vivos pq não suportaria perder mais alguém na minha vida”.
Sora Suguru, essa mulher era de outro mundo, ela era independente de qualquer homem, mas nunca deixou de se importar com aqueles que ela mais ama: o filho e o marido. No começo eu achava que a relação entre ela e meu sogro fosse algo por dinheiro, tipo aquelas mulheres que têm cartões de crédito sem limite que compra o que quer, que vive fora de casa e nem fica com o marido, justamente por que era um casamento baseado no dinheiro, eu jurava que Isamu traia ela e que ela fazia o mesmo mas eu descobri que a relação dele está além disso quando eles ficaram felizes descobrindo que eu estava gravida e era uma menina. Lembro que os dois me abraçaram e tocaram minha barriga, depois desse dia eu comecei ter uma intimidade enorme com eles.
A história deles é incrível, os dois se apaixonaram na infância mas só puderam ficar juntos quando Isamu teve dinheiro suficiente para impressionar o pai dela e aceitar ele na família. Eu rio imaginando a cena deles jovens e apaixonados, pois os dois contam que viviam fugindo de casa para se ver. Eles eram o casal perfeito, ele era quieto e super discreto enquanto ela era superanimada, festeira e amava ficar para a rua gastando e se divertindo. Essa visão que tive antes deles, acho que era por causa que Isamu passava o dia todo na máfia e Sora nunca precisou trabalhar então ela ia a encontro com amigas, aulas de yoga e passava o tempo dela abusando do dinheiro e isso passava muito a imagem que eles não se amavam mas quando eles estavam juntos era visível o jeito amoroso que eles se olhavam. Ele era calmo e ela estressada. Ele não contava muito sobre vida eles e ela só me faltava contar os mínimos detalhes da noite deles e isso era a cereja do bolo. Eu amava ser a melhor amiga dos meus sogros.
Quase sempre eu sou quem eles chamam para fazer coisas que o outro odeia, por exemplo, Sora odeia estudar e investir na bolsa de valores, enquanto Isamu ama e não gosta de fazer isso sozinho então ele me chama para isso. Sora ama ir em lojas de decorações para casa e Isamu não aguenta tudo aquilo então pelo menos duas vezes na semana eu recebo uma ligação dela falando “você está livre? Vamos a loja de decorações nova?” ou “se arruma que daqui dez minutos eu to passando aí para a gente sair”. Eu amava.
- Fiquei sabendo que você arrasou no Pôquer semana passada – ele disse sorrindo e eu ri, eu já sabia o que ele ia pedir – vamos lá, jogue com esse pobre senhor de cabelo branco, a chata da minha mulher não quer e meu filho é péssimo nisso... você não negaria um pedido de um velho né?
Eu e Niragi rimos do desespero dele.
- Nossa pai, parece que você ta com o pé na cova já – Niragi disse rindo.
- Parece? É atuação para convencer sua mulher a jogar comigo – falou apoiando os cotovelos no meu ombro como ele sempre faz – Eai Elliezinha, bora? Se quiser apostamos em dinheiro verdadeiro.
- Não quero te falir sogrinho – disse e ele me olhou chocado – eu sou muito boa, não esqueça disso – Niragi riu.
- Então você está negando um pedido de um homem prestes a morrer? – fez drama e eu gargalhei.
- Quem vai morrer? – Sora gritou lá da cozinha. Ela estava fazendo bolo e as meninas estavam ajudando ou trabalhando mas estavam lá, talvez elas a deixem louca pq todas se animam muito com a ideia de fazer qualquer coisa com a vovó.
- Eu, se a Ellie não jogar comigo – ele respondeu.
- Não jogue Ellie, já cansei desse velho – ela disse e as meninas gritaram que amavam o vovô e que queriam viver com ele.
- Você é a única enjoada daqui, mas sem problemas pq eu to conservado e as novinhas amam um velho bonitão igual a mim então você quem sabe mas eu me lembro muito bem que quando éramos jovens você chorava pq me queria e não podia me ter – ele disse e ela gargalhou sarcástica.
- São águas passadas, querido – ela disse simples.
Olhei para Niragi que estava rindo, sei lá, o jeito que eles flertavam no próprio casamento era diferente.
- Tudo bem então querida Sora, mas a sua amiga lá ela ainda me acha bonito e como você disse que não tem mais interesse em mim, hoje eu vou sair para encontrar ela – ele disse e escutamos passos apressados vindo até nos – você me joga no lixo e suas amigas reciclam... – ele disse antes dela bater nele com um guardanapo.
- Vá atras de outra que eu mesma preparo seu funeral depois que eu te matar a facadas e ainda faço o papel de viúva triste no enterro – ela disse brava e ele tocou o rosto dela gentilmente.
- Então diga que você me quer igual o tanto que eu te quero – falou e os dois se abraçaram e beijaram, eu ri com aquilo e apoiei minha cabeça em Niragi.
- VOVÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ – um grito com três vozes e logo ela voltou correndo – você abandonou a gente!
- Calma meninas, a vó estava resolvendo assuntos sérios – ela disse antes de voltar a ser uma gritaria naquela cozinha de “deixa que eu faço” “não derruba” “tira a mão” “não precisa ficar brava com a sua irmã”.
- Vamos jogar – falei me soltando de Niragi e passando por Isamu, ouvi uma risada vitoriosa.
Ah, esqueci de contar que ele tem um mini cassino em casa. Niragi foi para a cozinha pegar as crianças e eu comecei a jogar com ele apostando uma pequena quantia de dinheiro. Algumas horas se passaram quando Niragi disse iriamos ir embora, ir ao cemitério e depois para casa.

Passamos na floricultura e pagamos flores, eu escolhi girassóis pois era flor preferida da minha mãe. Assim que sai do carro e encarrei o portão do cemitério eu começo a sentir as lágrimas descerem pelo meu rosto, Niragi me abraça rapidamente antes de entrarmos mas aquilo me destruiu a ponto de não conseguir esconder a minha dor, eu soluçava até chegar ao tumulo.
- O que foi mamãe? – Serena perguntou e eu apenas limpei minhas lagrimas, que brotava sem parar, Niragi a puxou gentilmente deixando as meninas com ele, me dando um espaço.
Assim que vi o tumulo deles eu me joguei em cima chorando, meu coração doía.
- Mãe, pai... sinto tanta falta de vocês, queria vocês aqui comigo para eu contar tudo da minha vida, queria o apoio de você para algumas coisas, queria saber se vocês estão orgulhosos de mim, queria que vocês conhecesse a minha família, queria tanto ter abraçado vocês pela última vez – digo chorando e acho que passo uns bons minutos ali chorando até perder o ar e as forças do meu corpo por logo eu estava nos braços de Niragi, chorando demais e ele passando as mãos pelas minhas costas.
- Calma meu amor, respira – ele dizia e eu comecei a me acalmar.
Fiquei ali chorando e desabafando com Niragi ao lado do tumulo deles, as meninas estavam em pé e quietas apenas vendo aquilo, não era justo com elas mas eu estava tão destruída de saudades. Algumas pessoas passavam e viam eu assim mas não ligava e algumas paravam nos túmulos ao lado, aquela “rua” estava um pouco movimentada, mas estava tudo bem logo eu iria embora. Afastei minha cabeça do corpo de Niragi e olhei para as meninas que estavam me olhando, assustadas e tristes.
Me abaixei e as três me abraçaram.
- Está tudo bem, minhas meninas – falei e apertei elas em meus braços.
As gêmeas se soltaram de mim depois de um tempo mas Serena ficou e começou a chorar.
- O que foi, meu amor? – questiono e abraço ela.
- Pq você não me conta quem são esses que a gente vem visitar? Pq as crianças na minha escola tem duas avós e dois avôs e eu só um? – ela chora e eu também.
- Hoje a mamãe não está muito bem para falar sobre isso mas eu prometo que eu vou te explicar isso, ta bom minha vida? – questiono e ela me abraça forte parando aos poucos de chorar, quando ela para limpo as lágrimas dela com meu polegar e ela sorri e vai até as irmãs.
Seco as minhas e me levanto, devagar demais, meus olhos ardiam, meu nariz estava me impedindo de respirar um pouco. Antes de eu me virar eu escuto vozes de crianças, elas correm e dão a volta ao tumulo, correndo, felizes e inocentes.
Vejo minhas gêmeas e uma menina, um pouco mais velha que Serena, cabelos do mesmo tom que o meu e olhos grandes, ela era linda, uma graça, vestia um vestido florido amarelo e ria com as gêmeas. Serena se aproximou e eu observei elas conversarem, o que se passava na mente de uma criança dessa idade? A conversa parecia tão séria, eu estava rindo para elas que nem olhavam para mim. Niragi passou o braço pelos meus ombros e também observou a cena.
De repente, uma dor ainda mais me atravessa. Lembro de Lara, minha irmãzinha, ela também morreu, acho que se eu pudesse salvar alguém do acidente que os matou eu salvaria ela. Graças aos poucos anos que cuidei dela foi que eu consegui criar minhas filhas, eu daria tudo para ver minhas filhas brincando com ela, de ver como ela estaria agora, ela estaria com nove anos agora.
- Qual é seu nome? – Serena questiona e a garotinha sorri.
- Lara e o de vocês? – ela diz com a voz doce e eu fico em alerta. Só podia ser coisa do destino.
Paro de escutar elas falando os nomes, tudo está vibrando na minha cabeça, tenho vontade de agarrar a garota, de beijar as bochechas dela, como se ela fosse a minha Lara. Minha irmã. Estou quase fazendo isso quando ainda olhando para elas que correm até um grupo de pessoas.
- Essa é a minha mãe e a minha irmã – Lara diz apontando mas eu não tirava os olhos dela, tudo acontecia mas eu apenas olhava ara quela menina.
- Oi! – ouvi as três falarem – e aquela é a nossa mãe! – Alicia apontou e Niragi disse um “oi” educado enquanto eu estava chocada, ergui os olhos e quase tenho um desmaio.
Meus pais. Eles. Eles estavam chorando apoiados no mesmo tumulo que meus pais estavam mas... meu coração acelera. Olho para eles assustados, eles olham para mim chocados  então eu olho para o lado e vejo ela. O ser loiro. Stephanie. Fazia anos que não via ela, ela cortou relações quando eu reencontrei Niragi, ela estava chocada e desesperada, me olhou e agarrou a mão de um homem de terno.
- Espera... – minha voz saiu baixa demais para ser ouvida, minha mente estava correndo e agarrando eles mas meu corpo não se mexia, minha mente gritava mas a minha voz não saia – vamos embora, vamos Lara, vamos pai e mãe – ela disse puxando todos eles, desesperada como se eu fosse uma ameaça – vamos, vamos! – gritou e o homem apenas obedeceu, meus pais foram puxados pois o olhar deles estavam em mim.
- Tchau Serena, Alice e Alicia – Lara disse triste e as meninas disseram tchau com tristeza também.
Eles começaram a correr e Stephanie, com seu cabelo loiro majestoso, se virou e me olhou, seu olhar entregava que algo estava errado.
- NÃO! – falei alto quando eles estavam quase fugindo da minha visão, comecei a correr, minhas pernas não me obedeciam, eu mais tropeçava do que corria – PAI! MÃE! – berrei e Stephanie olhou mais uma vez para mim e os puxou para fora do cemitério.
- ELLIE! – Niragi veio correndo e eu sabia que ele ia me segurar mas eu corri até eu cair no chão com tudo, minha cabeça doeu – meu amor! – ele disse me levantando e eu chorava – o que foi? – ele disse eu abracei ele.
- Niragi por favor, não me diga que você viu – falei enquanto ele me segurava e guiava as meninas até o carro, as meninas estavam sem entender nada enquanto ele a colocava na cadeirinha – me deixa ir lá ver – pedi chorando.
- Ellie não! Você está fraca de tanto chorar, quando você se acalmar eu prometo que sou todo ouvidos – ele disse e colocou o cinto em Alice. Ele estava ocupado arrumando elas enquanto eu corri para dentro do cemitério novamente.
Corri. Corri. Meu marido berrava o meu nome mas eu o ignorava. Cheguei ao tumulo e olhei as placas, havia quatro.
Lara Prado
Valentina Prado
Bernardo Prado
Ellie Prado
Eu estava morta? Mas eu tinha toda a minha documentação. Eu tinha que abrir a merda nesse tumulo. Será que não tem ninguém aqui?
- Ellie!! – Niragi aparece e me abraça por trás – o que foi?
- Niragi – me tremi erguendo os dedos.
- O que querida? – questionou e eu o puxei para ver as placas – puta merda – ele disse e eu agarrei seu pescoço chorando – eu vou consertar isso.

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