Capítulo 16- Você sabe a minha história.

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Angústia. Isso definia o que eu passei nos últimos 6 meses da minha vida. Por onde eu deveria começar? Acho que pelo fato que eu tive um ataque cardíaco naquele hospital e desmaiei umas três vezes por meus pais estarem na minha frente e visivelmente eles nunca estiveram mortos pois eu tenho 19 anos e não 28 anos. Sim. Segundo meus pais e os médicos, eu havia desmaiado no chuveiro em uma noite que eles estavam em casa, aliás nunca saímos do Brasil, estamos na mesma casa que eu comprei da Stephanie. Depois que eu desmaiei eu fiquei dois dias inconsciente a ponto de internarem.
É obvio que eu surtei, como assim eu estava no Brasil? Como assim meus pais estavam ali? Como assim eu tinha 19 anos? Que história era essa de desmaio? Cadê a máfia? Cadê Niragi? Cadê minhas filhas? Mas é obvio que todos eles acharam que era loucura minha.
FLASHBACK ON
- Ellie, decidimos isso pelo seu bem – minha mãe disse me olhando.
- O que? – falei sentada naquela cama, já tinha perdido a conta de quantos exames da minha cabeça haviam feito, o quanto de remédios eu tinha tomado, o números médicos passaram para falar comigo, perdi a conta de quantas vezes eu gritei falando que queria meu marido e minhas filhas.
- Vamos te internar numa casa de reabilitação – ela disse essas palavras de forma tão fria e eu me levantei correndo.
- PQ? – quase grito, estou desesperada, as lágrimas já começam a surgir – não pode fazer isso, mãe, eu tenho uma família e preciso encontra-los.
- PARA ELLIE! – ela grita – já falamos sobre isso! Nada existe! Você estava desmaiada e sonhou, as informações sobre você foi o que eu disse para o médico para preencher a sua ficha, você nunca foi mãe pq é virgem ainda, você não tem uma amiga chamada Stephanie, pq a enfermeira tem uma irmã com esse nome, você nunca saiu do Brasil! – ela fala brava e eu me encolho.
- Mas mãe... você precisa acreditar em mim – peço aos prantos.
- Você precisa parar! Está ficando louca!
FLASHBACK OFF

Louca. Era isso que eu mais escutava e realmente não consegui escapar da casa de reabilitação e quando eu cheguei lá pensei que seria um lugar calmo com flores e coisas legais mas na verdade era um hospício, minha própria família me colocou ali. O lugar era terrível, enfermeiros para todo canto, havia inúmeros corredores com portas, quartos para ser mais específica, e eu ficava o dia todo presa lá dentro. As vezes vinham me buscar e me colocavam no sol por alguns minutos, eu me levavam em uma sala para ser examinada ou as vezes me fazia um tratamento de choque para ver se eu parava de chorar e gritar nomes os quais minha mãe afirmou que não existia ninguém na minha vida com esse nome.
Eu tentei fugir inúmeras vezes, eu gritava dentro daquele quarto, quebrava tudo que havia na minha frente, eu tinha perdido a minha cabeça e não me importava. Era uma dor a minha vida, doía pensar que nada daquilo existiu, meu marido e as minhas filhas, dói pensar que tinhas tantas provas disso, câmeras de onde eu estava na última semana e exames provando que eu realmente era virgem. Tudo estava piorando na minha vida e eu achava que alguém entraria a algum momento pela porta do meu quarto e me mataria.
A minha última chance de vida estava na Dra. Burpem. Psiquiatra. Comecei a visita-la com mais frequência depois de 4 meses internada, eu não queria ouvir que ela tinha a dizer, não queria trabalhar para melhorar, não queria mais remédios ou aumentar a dosagem, não queria falar nada, só queria chorar e correr para fora daquele hospício.
FLASHBACK ON
- Teve outra crise de raiva ontem – ela disse me olhando, ela estava tão calma que eu apenas concordei com a cabeça.
Ela era alta, loira, tinha 42 anos, falava de modo calmo e me socava de pergunta quando precisava mas na maioria das vezes ficava quieta vendo eu dar os ataques no consultório dela.
- Ellie, já vai completar 5 meses que está aqui e não tivemos nenhum avanço com você – ela diz e eu a encaro querendo explodir dizendo que tudo isso de me internar num hospício é loucura – pensamos que se você simplesmente se abrisse comigo você se sentiria melhor, mas você continua fechada e tendo crises todo dia – completa.
- Você sabe a minha história – falei e ela ficou impressionada por ter dito algo.
- Sim, sei – ela diz – e também consigo sentir que no fundo você aceitou que nada disso aconteceu, que tem 19 anos, que desmaiou em uma noite de sábado enquanto tomava banho e que ficou internada por dois dias sem consciência – ela faz uma pausa – o chuveiro explica a chuva na última parte, a missão sobre sua família é um reflexo da sua mãe passando as informações para o médico colocar na ficha, suas filhas é por causa dos nomes dos filhos das enfermeiras pq sua mãe ama perguntar sobre a vida pessoal delas e Niragi... também deve ser.
- Mas foi tão real... – digo olhando para o chão.
- Quando estamos inconscientes absorvemos tudo a nossa volta e criamos uma realidade perfeita na nossa mente, sabemos que é difícil para você mas não pode viver assim para sempre, Ellie – eu a olho – daqui a pouco os rostos vão começar a sumir da sua mente e talvez você supere isso ou talvez surte pelo resto da vida, o apagar dos rostos é um mecanismo da sua mente, é ela dizendo que foi tudo inventado – ela diz e algo começa a apertar em meu peito, lagrimas começam a cair.
- Único rosto que lembro é de Niragi – conto chorando e choro ainda mais. Faz umas duas semanas que os rostos começaram a sumir da minha cabeça, não conseguia lembrar o rosto das minhas filhas, nem de ninguém exceto a de Niragi.
- Está vendo? Sua mente está te sinalizando – ela me faz olhar para ela de forma gentil – você aceitou que era mentira a muito tempo e está surtando por não aceitar que aceitou, pq para você foi perfeito.
- Niragi é a única lembrança que tenho, ele não some – digo.
- Podemos fazer ele sumir – ela diz e eu nego, não quero perder ele, ele também não – torne ele o vilão, invente que ele te machucou e está sendo obrigada a supera-lo – ela diz e eu reviro os olhos e me levanto.
- Não – digo e saio do consultório dela. Que ideia merda.
FLASHBACK OFF

Em algumas semanas comecei a perceber que meus ataques de raiva pararam e que eu apenas passava o dia tudo com Niragi na cabeça, as vezes eu chorava e toda vez que isso acontecia eu escrevia. Escrevia poemas, frases, historinhas curtas.
A partir aí começaram a diminuir minha dosagem, me deixavam mais tempo fora do quarto, comecei a conversar com a Dra. Burpem e em algumas semanas eu fui liberada para casa. Era difícil olhar para o rosto dos meus pais pelo fato de que foi eles que me enfiaram lá, aquilo doía ao pensar, eles desistiram de mim tão fácil assim?
Eu precisava ocupar a minha mente para não pensar demais, precisava me livrar dos meus pais, precisava ficar comigo pq depois de tudo que passei eu não era mais a mesma, eu estava mais forte, de fato, mas fechada também. Em alguns dias consegui uma bolsa em uma faculdade de design no Japão, meus pais iriam me enviar dinheiro todo mês e com isso sai do Brasil, com apenas algumas roupas e sem ninguém pq eu não tinha amizade com mais ninguém.

Estou no Japão a 9 dias. Achei um mini caderno jogado nas minhas coisa, vou começar a escrever as coisas importantes nele.


Estou no Japão a 12 dias.
Escutei alguém chamar o nome dele hoje na rua estou surtando, chorando.
Meus pais ligaram perguntando se estou bem e eu confirmei com um sorriso no rosto mas era mentira, todo mundo espera que você continue sorrindo mesmo com dor e você sorri mas lá no fundo fica cada mais difícil sobreviver.


Estou no Japão a quatro meses.
Fiz uma amiga na faculdade. Isabelly.
Ela realmente me fez sorrir de verdade, não sorrio de forma sincera a meses, mas ela... eu não contei sobre tudo que eu passei mas expliquei que os últimos meses da minha vida se baseou em superação, hospício e remédios.
Um dia fui para aula depois de uma crise de ansiedade e tudo estava dando errado, eu estava quase desistindo de tudo quando ela me disse:
Sua história não pode ter tido um começo bom, mas isso não define você e sim o restante da história, quem você escolhe ser e eu sei que você é a pessoa mais forte do mundo e vai superar isso.


Estou no Japão a um ano e meio.
Sinto que parecia não importava o que fizesse, ainda doía, comecei a pensar que a dor sumiria se eu acabasse com a minha vida. Essa dor de sentir ele próximo de mim mas um vazio ao lembrar que o amor da minha vida foi só o meu cérebro inventando e me fazendo de idiota, me torturava. Quero acabar com isso.


Estou no Japão a dois anos e oito meses.
Hoje eu esqueci o rosto do Niragi. Tudo dói.
Me sinto horrível por não me lembrar dele, como se faltasse algo em mim. Todo dia antes de dormir a imagem dele parecia na minha mente, toda vez que eu olhava para o céu a imagem dele aparecia mas agora não.
Pensei que era só pq eu estava cansada mas ontem não pareceu e nem hoje. Me encontro jogada no chão, meu peito dói demais, tive uma crise tão forte que mal conseguia respirar.
Daqui algumas horas terei que ir para a faculdade como se nada tivesse acontecido, é assim que você sobrevive quando machuca tanto a ponto de você não conseguir respirar, é quando você sobrevive.


Estou no Japão a três anos e dois meses.
Eu achava que me conhecia mas faz tempo que eu não me sinto no meu corpo, é tipo uma casa vazia, meu coração só faz a função mecânica dele, não consigo sentir nada além de dor. Pq mesmo nem lembrando do rosto dele isso me causa tanta dor.


Estou no Japão a três anos e dez meses.
As crises de ansiedade pararam a mais de cinco meses. Estou estável e até de certa forma feliz.
Falta apenas dois meses para eu acabar a faculdade, estou no meu estágio e finalmente estou começando a aplicar meus conhecimentos. E a primeira coisa que vou fazer quando acabar é sumir desse lugar.

Jogo o caderno num canto e vou até a janela e a abro. O vento vai até o meu rosto me refrescando, meus ombros doem pelo dia de hoje. Minha vida se baseava em ir para a academia, organizar a casa, estudar e ir para a faculdade. Talvez no fim de semana sair com umas amigas, mas quase sempre prefiro ficar em casa lendo e assistindo.  Olho para baixo e vejo o bonde apoiados na parede, até que estar no oitavo andar de um prédio que ficava na frente da rua mais escura e misteriosa do Japão não era a pior coisa do mundo, de dia essa rua era inofensiva.
Há mais o menos 3 meses um grupo de pessoas se instalou nessa rua, maioria homens e armados. É obvio que eu não tinha medo deles mas eu nem podia ficar na janela que aqueles pares de olhos me secavam, todos eles. Eu nunca vi eles de perto, a não ser por um que está sempre me cantando, ele é alto, cabelos curtos, rosto bem-marcado e vive fumando. Nunca perguntei seu nome e nem quero saber. Olhar eles daqui de cima era sinônimo de ver sombra, consigo ver os corpos, eles em um tipo de rodinha perto da parede, armas e as vezes escuto eles gritando.  Eu conseguiria os diferenciar pelo cabelo mas todos tem cabelos curtos, exceto por um que tem cabelos grandes, nunca o vi e ele nunca abriu a boca para mim, ao contrário do idiota ao lado dele.
- Vai Rapunzel, jogue suas roupas para nos ver o espetáculo! – ele disse me lembrando do dia que eles chegaram e eu fiquei boas horas no meu quarto de calcinha e sutiã e eles viram tudo pela janela.
Reviro os olhos e fecho a janela e a cortina. Idiota.

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