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Mari POV

(10:40 da manhã do mesmo dia.)

\Enterro./

Luciano: Mariana, O que essa garota está fazendo aqui? - perguntou alterado, ao me puxar pelo braço pra o canto da igreja.

Ah, eu sabia que isso ia acontecer...

Mari: Tá dando o último adeus à mulher que criou ela desde a primeira semana de vida. Não está vendo? - perguntei séria, cruzando meus braços.

Letícia não merece que eu a defenda.
Mas também não merece ter sua dor invalidada pelas decisões que tomou à menos de 24 horas atrás.

Não dá pra escurraçar alguém de uma família tão rápido e sem nenhum escrúpulo desse jeito.

Luciano: Mariana, eu não quero saber! Essa menina agora é uma vergonha pra essa família! Eu exijo que tire essa menina daqui imediatamente! - falou firme, olhando nos meus olhos e eu levantei meu rosto até mais perto do dele, ainda séria.

Mari: E eu exijo que você segure a sua sede de se exibir como o machão da família e tenha a decência de respeitar a dor da sua sobrinha! - falei firme, pondo o dedo indicador em seu peito e ele negou.

Luciano: A partir do momento em que ela fez o nome da nossa familia ir parar em todos os noticiários policiais do país como cúmplice de um bandido procurado, ela não é mais minha sobrinha. E aliás, ela não é mais uma de Sá Medeiros.- falou firme, me olhando nos olhos e eu ri irônica.

Mari: Engraçado que os de Sá Medeiros vivem em noticiário policial e ninguém remove você ou os seus irmãos, deputados, da família. Por quê? - franzi o cenho, chegando meu rosto pra mais perto do dele.- Será que é porque vocês são especiais, ou será que desviar verba de merenda de escola pra crianças de periferia junto com outros deputados federais é um crime menos sujo do que vender drogas e trocar tiros com a polícia que VOCÊS pagam pra matar gente na favela? - estalei a lingua, e ele respirou fundo.

É, acho que essa resposta eu já sei de cor.

Luciano: Olha, eu não quero saber dos seus mimimis militantes, ok? Eu quero que você tire essa menina daqui agora, antes que eu mesmo o faça! - quase gritou, muito bravo e eu o peguei pelo braço, quando ele tentou sair de perto de mim.

Mari: Encosta um dedo podre seu nela.- falei baixo, olhando bem em seus olhos, séria.- Encosta que eu quero ver.- sussurrei em seu rosto e ele engoliu em seco, se soltando com força.

Luciano: Tudo bem, Mariana. Deixe que essa bastarda continue aqui até o enterro, só cuidado pra não defender demais ela e ir parar no mesmo lugar que ela. Porque se for... As costas dessa familia estarão para sempre viradas não só a ela, mas a você tambem.- falou baixo, ameaçador e eu levantei uma sobrancelha vendo ele sair de perto de mim.

Imbecil.

Ô familia de gente desgraçada.

Corja maldita!

Acham que podem me ameaçar desse jeito... Não sabem com quem estão falando.

Letícia pode ser besta e deixar que isso aconteça, mas comigo o buraco é mais em baixo e eles que se cuidem pra não pisar na bola comigo.

Mas meu Deus, que cena ridícula e desnecessária.

Eu também não acho nada certo o que a Letícia fez, mas eu tenho um limite nos meus princípios, e é onde começa a minha humanidade.

Amanhã, eu volto a fingir que ela não existe. Hoje, ninguém vai deslegitimar a dor dela perto de mim.

Ah mas não vai mesmo.
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.
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Letícia POV

Todas as pessoas em volta de mim, me encaravam.

Olhares atravessados, cochichos, pessoas desviando de passar por perto de mim.... Tudo isso enchia essa pequena capela do cemitério onde estamos velando uma das pessoas mais importantes da minha vida.

E o que mais me doía, nem eram os olhares dessas pessoas fúteis. O pior era imaginar o que ela deveria estar pensando de mim antes de morrer.

Se estava decepcionada...
Se tinha tristeza ou raiva...

Confesso que a raiva me deixaria mais confortável nessa situação.

Imaginar que ela teve raiva de mim antes de partir era muito melhor do que a ideia de ter decepcionado mais alguém importante da minha vida.

Eu não tinha a resposta certa, mas eu sabia que, em parte, eu tive culpa na morte dela também.

Ela morreu de preocupação. De medo de perder a gente naquele monte de tiro...

E eu quem causei tudo aquilo né...

Mas enfim, eu já tô sofrendo demais pra pôr mais isso nos meus ombros.

Resolvi não pensar mais nisso em um ato de compaixão a mim mesma...

Não aguentaria mais essa ideia na minha cabeça.

Passei mais uma vez minha mão pela pele de seu rosto pálido e sorri de lado, com lágrimas caindo pelo meu rosto.

Eu sempre vou lembrar dessa expressão doce...
Dos seus conselhos...
Das suas receitas incríveis...

Sejam elas culinárias ou sobre como não ter pesadelos em noites de tempestade.

Jamais vou te esquecer...

E não consigo ficar mais triste com a sua morte...
Só consigo me sentir especial por ter tido a honra de te ter na minha vida.

Pra sempre nas minhas melhores memórias.
Pra sempre no melhor lugar do meu coração...

Me abaixei, beijando sua testa gélida, e logo me afastei, olhando as pessoas sérias que me encaravam a minha volta.

Já tinha dado minha hora e eu percebi, então eu apenas procurei Mariana com o olhar e a vi me observar séria de um canto de parede, com os braços cruzados.

É... Ela estava certa...

Essa foi a nossa despedida.
Infelizmente.
A pior despedida de todas.

No entanto, a mais definitiva possível.

Suspirei tomando coragem pra deixar aqueles olhares tortos, e logo procurei a saída, indo em direção a ela em seguida.

A cada passo que eu dava,
A cada pessoa que me encarava...
Era um passo a mais pra longe de um passado recente, que mais parecia que havia se passado à mil anos.

Um abismo me separava desse mundo e, incrivelmente, só algumas horas foram necessárias pra criá-lo.

É isso.

É o fim.

Infelizmente, não há mais lugar pra mim dentre essas pessoas.

E, na verdade, eu nem me importo tanto com isso.

Só não me importo menos porque essas pessoas incluem a Mariana... E ela é a única pessoa de quem eu jamais deixarei de sentir falta.

Porém, ela já deixou de sentir minha falta no exato momento em que virou as costas pra mim, então, me sinto no dever de tentar fazer o mesmo.

Mesmo que agora me pareça impossível.
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(Próximos caps, início de uma nova fase na história...)

No alto do morro...Onde histórias criam vida. Descubra agora