Os dias afastados

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Os dias que se seguiram foram tranquilos, levando em conta que não saímos de Cumberland's Hall.
Recebemos alguns visitantes, afinal, a Galeria chamava a atenção dos moradores ao redor.
Mas no geral, não encontramos ninguém da alta sociedade. Os jornais foram ignorados, principalmente durante o desjejum.
Ninguém queria ler uma coluna recheada de críticas e ofensas a nós.
Thomas, então, marcou sua viagem para o interior de Norfolk. Onde iria procurar pistas sobre meu parente mais próximo.
Com a ajuda de William Bennett, mesmo contra a minha opinião e bom senso, ele estava em busca de Pevensie House e o atual lorde Pevensie.
Uma comprovação de parentesco com alguém nobre poderia me deixar em bons lençóis para o Comitê de Privilégios.
E então, meu adorado marido entrou em sua carruagem e partiu.
Fiquei no Hall de entrada, olhando ao longe, enquanto a carruagem se distanciava no horizonte. Respirei fundo quando uma pontada de ansiedade tentou me dominar.
Caminhei pelos corredores, sem rumo. Geralmente, eu tinha a fiel companhia de Lady Clarisse, que no momento, estava se dedicando ao seu amado.
Ela nunca tinha passado tanto tempo fora de casa. A estufa tinha se tornado seu novo lar.
Nem mesmo sua criada pessoal sabia o que ela fazia lá. Mas eu sabia. Eu sabia bem o que a prendia na estufa por tanto tempo.
O charmoso e gentil Fitzwilliam Moore.
Eu pedia a Deus que ninguém descobrisse. Cumberland's Hall não estava preparada para um novo escândalo.
Nem tínhamos acalmado os ânimos dos nobres a meu respeito! Como explicaria aos nossos vizinhos e conhecidos que a Condessa viúva estava tendo um caso com o jardineiro?
Certamente, havia outras madames que tinham seus casos por aí. Porém, ninguém tinha uma história como Lady Clarisse. Ela o amava. Certamente queria viver ao lado dele até o último dia de vida.
Não era apenas um caso.
E da forma intensa que estavam se amando, eu temia que alguém descobrisse a verdade.

Fiquei esperando por ela a tarde toda. E então ela chegou. Foi para a sala de estar, onde eu estava bordando um lenço, para me distrair.
-- oh, Amélia! Boyle me informou que estava a minha espera -- ela tagarelou animada, sentando numa poltrona próxima.
-- sim, estava.
-- pois então, diga, minha querida.
-- Thomas partiu.
Ela me olhou, confusa. Certamente não havia prestado atenção em nada que eu tinha dito sobre a viagem dele, em nossas conversas anteriores.
-- ele foi a Norfolk, em busca de um parente meu -- expliquei, evitando constrangimento.
-- oh, sim. Pensei que fosse na semana que vem.
-- ele vai encontrar William Bennett e depois sair a procura do novo lorde de Pevensie House.
Ela suspirou, mudando seu semblante. Tinha ficado preocupada. Foi como se aquela conversa tivesse trazido ela para a realidade novamente.
-- espero que consiga uma comprovação. O Comitê aliviar essa perseguição.
-- sim. Mas estou com medo. O novo lorde nunca enviou ajuda alguma nem para mim, nem para minha mãe. Mesmo não tendo herdado nada, não deveríamos ter ficado abandonadas.
Ela pensou por um instante. Seu olhar se condoeu.
-- Thomas vai encontrar esse tal lorde Pevensie. E trará respostas.
-- eu tenho certeza disso.
Ficamos em silêncio por alguns minutos.
-- estava na estufa esse tempo todo?-- questionei, tentando controlar o nervosismo.
-- sim, estava.-- ela respondeu, me olhou e continuou:-- mas não fale comigo dessa maneira.
-- deveria ser mais cuidadosa.
Ela ficou perplexa.
-- oh! Você está me repreendendo?
-- sim, estou. Eu sei que vocês se amam, sei que estão ansiosos por recuperar o tempo perdido, mas deveria ser mais cuidadosa.
Lady Clarisse se irritou.
-- acredito que devemos deixar essa conversa para outra hora.
-- eu sinto muito, se a ofendi -- me desculpei, preocupada com ela.
-- não estou ofendida. Apenas inconformada.
-- oh, Lady Clarisse! Perdi as contas de quantas vezes você me deu esse conselho antes do meu casamento com Thomas!
-- sim, mas foi diferente.
-- diferente? Você vivia insinuando que eu e Thomas tínhamos um caso! Dizia sempre para sermos menos óbvios! Vai negar, que disse isso diversas vezes?
-- oh, Amélia... -- ela ficou sem argumentos.
-- estamos em uma crise. Não podemos lidar com fofocas e escândalos sobre você também. Eu não quero que esteja na mesma situação que eu.
Ela piscou, pensativa.
-- tem razão. Uma coisa de cada vez.
Eu deixei meu bordado de lado.
-- não estou te proibindo de se encontrar com ele. Sei que o ama. Mas não podemos correr o risco de serem expostos.
Ela concordou com a cabeça.
-- eu aprecio a companhia dele. Ficamos horas com as mudas, trocando de vasos... Fazendo as podas... Tinha me esquecido do quão gostoso era lidar com a terra preta.-- ela comentou, olhando para ao nada, com brilho no olhar.
-- imagino que seja uma boa experiência.
-- quando decidi me aventurar com a jardinagem, minhas amigas diziam que eu estava desesperada para aderir a tal passatempo. Mas todas elas tinham seus filhos e exibiam suas famílias. Eu estava desesperada, de certa forma, com o percurso que minha vida estava tomando. Fitzwilliam foi o ponto de paz na minha jornada, Amélia. Desde o início, eu o amei intensamente.
Eu sorri, tocada pela delicadeza de suas palavras. Ela estava feliz, pela primeira vez, eu a vi sorrir de felicidade genuína. Não por mim, nem por Thomas. Estava feliz por si mesma.
Ficamos conversando alguns instantes. Até que eu me sentisse terrivelmente indisposta.
-- estou apreciando nossa conversa, mas vou me recolher -- informei a ela, me levantando da poltrona.
-- vai se deitar agora?
-- sim. Nós encontramos no jantar.
Ela concordou com a cabeça.
Deitei na cama dos aposentos de Thomas. Seu cheiro estava impregnado nos travesseiros e almofadas. Suspirei, me aconchegando.
Iria sentir falta dele.
Mas aquela viagem era importante demais para que ele adiasse. E eu não estava disposta a acompanhá-lo.
Não suportaria William olhando para ele com aquele amor reprimido. Eu me sentia enciumada na mesma proporção que me sentia triste por ele.
William Bennett tinha uma esposa e filhos. Vivia na propriedade que tinha herdado do pai. Era um lorde. Porém, não podia demonstrar os sentimentos que havia escondido dentro de si.
Naquele breve cochilo, tive pesadelos sobre William. Sonhei com Thomas recebendo sua declaração de amor. Foi apavorante.
Quando acordei, senti meu corpo pesado. Temi que fosse adoecer. Me levantei e tomei um copo de água.
Aqueles aposentos eram grandes demais e estavam vazios, sem a presença de Thomas.
Caminhei lentamente admirando as pinturas que estavam por ali. Ele tinha talento. E muitos sentimentos, para fazer uma coleção daquelas. Suas memórias trouxeram detalhes de mim, de nós. E estavam tudo naquelas telas.
Eu iria sentir muita falta do meu amado marido.

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