Na Estufa

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  Passei o dia me escondendo de Lady Clarisse, pedi minhas refeições no quarto para evitar cruzar o caminho dela.
  Naquele dia todo, não a vi nenhuma vez.
  Mas eu confesso que fiquei curiosa. Queria saber se ela tinha ido até o senhor Moore e como teria sido esse reencontro. Era algo que me consumia.

  Na manhã seguinte, logo após meu desjejum, ela bateu a porta. Maeve estava terminando de pentear meus cabelos, quando Lady Clarisse entrou no quarto.
  Seus cabelos, novamente, estavam estranhos. Francis deveria mesmo parar de tentar substituir uma camareira de Lady.
  Dispensei Maeve, quando percebi em seu olhar que ela queria privacidade. Um cumprimento gentil entre nós três e minha fiel criada deixou os aposentos.
  Lady Clarisse olhou ao redor, esfregando as palmas das mãos.
  -- duvido que esteja dormindo nestes aposentos... Por que o esforço de bagunçar os lençóis?-- ela comentou, afrontosa.
  -- Thomas saiu logo cedo, ao amanhecer, eu vim me deitar aqui e Maeve trouxe meu desjejum na cama -- rebati, colocando o último acessório no cabelo -- mas duvido que tenha vindo aqui tão cedo para discutir sobre onde eu passo a noite.
  -- oh, Amélia querida! Você me abandonou ontem! Fiquei te esperando para ir até a estufa...-- ela lamentou com voz chorosa.
  -- como assim? Não foi até lá ainda?-- me indignei.
  -- mas é claro que não! Estou esperando para que vá comigo -- ela respondeu, como se fosse óbvio.
  Não pude evitar o olhar de desânimo mais complacente do mundo. Ela realmente queria minha companhia para isso. E eu queria ficar quieta no meu canto.
  Por mais que apreciasse a companhia de Lady Clarisse, o reencontro com o senhor Moore não era um compromisso interessante para mim. Na verdade, não era nem uma opção!
  Suspirei, me dando por vencida. Afinal, não adiantaria nada fugir dela novamente.
  -- tudo bem. Tudo bem.-- falei, me levantando.
  -- por favor, Amélia... Só mais dessa vez...-- ela passou a mão pelos cabelos mal arrumados -- prometo que hoje mesmo contratarei outra camareira. Francis me assegurou que uma nova criada está sendo treinada.
  -- sem problemas. Sente-se aqui.
  Ela logo se sentou diante da penteadeira. Como de costume, desmanchei o penteado para iniciar outro. E ela, manteve-se imóvel e em silêncio.
  Rapidamente, eu prendi as mechas com grampos, formando um penteado bonito e elegante. Ela me encarou pelo espelho.
  -- algum problema?-- questionei, me sentindo observada.
  -- tenho medo de que ele me rejeite. Que grite comigo. Que me xingue. Por favor, caso ele faça alguma dessas coisas, me traga de volta pra casa. Não me deixe me submeter a isso.-- ela pediu, com a voz quase falhando.
  -- estarei do seu lado. Vou te proteger.-- lhe assegurei, terminando de colocar o último grampo. Alisei alguns fios rebeldes e falei:-- está pronto, Lady Clarisse.
  -- ficou lindo. Espero que eu esteja apresentável.
  Olhei para ela, usava um bom vestido cinza claro, com algumas pedrarias. Tinha um bom corte, mas não era, de longe, luxuoso, como os outros que ela costumava usar. Era o vestido ideal para ir até a estufa.
  -- está perfeita.
  Ela sorriu e se levantou, alisando a saia do vestido.
  -- bem, temos que ir, então.
  Eu concordei com a cabeça, pegando minhas luvas e meu chapéu. Ela ajeitou seu chapéu também, suspirando ao olhar no espelho uma última vez.

  Descemos as escadas em silêncio.
  Os passos apressados nos levou até o Hall de entrada, depois descemos as escadarias até o gramado. Lady Clarisse enlaçou o braço ao meu. Como se estivesse recebendo o meu apoio, tanto para caminhar, quanto para sua missão.
  Os jardineiros tinham ordens de não serem vistos pelos senhores, então logo que nós aproximamos dos jardins, pude perceber que, tranquilamente, eles deixaram o espaço. Eu sabia dessas ordens por já havia trabalhado ao lado dos serviçais. Mas Lady Clarisse, nem percebeu tal detalhe.
  Apreciamos as flores e plantas verdes, caminhamos sob as copas das árvores. A estufa ficava relativamente longe, mas com os nossos passos tranquilos, não nos cansamos.
  Após alguns minutos de caminhada, nos aproximamos da estufa.
Lady Clarisse parou ao meu lado.
  -- algum problema?-- perguntei, olhando em seus olhos, em busca de uma explicação.
  -- estou com medo.-- ela confessou, quase trêmula.
  -- não seja covarde. Caminhamos um bom bocado para vir até aqui -- retruquei, impaciente.
  -- não seja rude, eu te peço.
  -- não estou sendo rude e, sim, prática. Já viemos até aqui. Basta entrar.
  -- e se ele não estiver aí?
  -- perguntarei a qualquer outro jardineiro sobre seu paradeiro.
  -- e se ele não quiser me ver?
  -- pare de inventar desculpas. Vamos logo -- insisti, com a voz mais firme.
  Ela concordou com a cabeça.
  Segui na frente dela e bati na porta com gentileza.

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