Após uma longa hora, em que ela penteava meus cabelos e me arrumava para descer. Eu finalmente fiquei pronta. O vestido cor de rosa harmonizava com belos rubis e diamantes, Maeve fez questão de colocar um diadema entre meus cabelos.
Me senti da realeza.
O clima agradável da noite era aconchegante. Desci as escadas e logo encontrei com Thomas, que saia de seus aposentos.
-- oh, minha adorada -- ele veio até mim, com um beijo apaixonado -- está reluzente...
Ele segurou minha cintura e seguimos pelo corredor até às escadas.
-- por favor, eu não estou implicando, minha adorada... Mas eu pensei que fosse dividir os aposentos comigo...-- ele sussurrou, para que apenas eu ouvisse, sendo que estávamos a sós.
-- e vamos, se não se importar.
-- não me julga desesperado, mas eu pensei que estaria me esperando no quarto...
-- estive conversando com Maeve, minha criada, e ela me deu uma ideia. Ficarei com meus aposentos para me vestir e me arrumar, e caso precise de um tempo sozinha. Mas a noite, irei passar contigo.
Ele suspirou aliviado.
-- oh, céus! Ainda bem!
-- não se preocupe, meu querido marido, vou ficar contigo até que enjoe de mim.
Ele beijou minha mão com afeto.
-- isso nunca, minha adorada...
Terminamos os degraus da escadaria e fomos a caminho da sala de jantar. Onde Lady Clarisse já estava a nossa espera.
-- oh, meus pombinhos!-- ela sorriu -- fico feliz em vê-los!
Com um breve e delicado cumprimento, nos sentamos em nossos lugares. Fomos servidos pelos lacaios e logo nos deixaram a sós.
-- Amélia me comunicou que fomos convocados a esse jantar, minha tia -- Thomas começou, após beber de sua taça.
-- oh, sim... Convoquei. Tenho algo a conversar com vocês dois. Algo que não podia ter escrito em uma carta, enquanto estavam na Sicília.
Thomas pousou os talheres, preocupado. Eu também baixei minha taça.
-- oh, pois então, diga. Não nos deixe ansiosos. -- ele pediu, exigente.
-- depois do casamento, quando partiram em lua de mel. Eu prossegui com minha missão de descobrir quem foi a alma infeliz que vazou a história de Amélia aquele jornaleco. Que, posteriormente, gerou todo escândalo envolvendo vocês dois. E Cumberland's Hall, inevitavelmente.
-- eu imaginei que fosse continuar com sua investigação, minha tia. Agora, por favor, diga o que descobriu.
Eu estava atenta a conversa dos dois. Mas também estava preocupada e a ponto de sair correndo de ansiedade.
-- bem, usei meus contatos e descobri que foi alguém da criadagem. Em combinação com seu pai, George Cumberland.-- ela definiu, pesarosa.
-- meu pai fez parte disso?-- Thomas se exaltou, incrédulo.
-- fez sim. Ao que parece, ele entrou com um pedido para reaver sua posição na linha sucessória do título. Ele alega que você não é adequado para herdar o título e as posses de um Conde. E pede para reverter sua abdicação.
Thomas bufou, furioso.
-- ele tinha abdicado há décadas! Deixou de ser um herdeiro a esse título!
-- sim. Porém, ele quer, a todo custo, tomar o título de você.
-- isso é ridículo! Ele abdicou da sucessão há uns 20 anos, desde que o Conde Albert Cumberland foi a procura do próximo herdeiro!
-- exatamente. Nossos advogados garantem que ele não consegue essa façanha, visto que tem vários documentos assinados por ele mesmo abdicando de seus direitos.
Eu assisti a discussão aflita. E precisei entrar na conversa.
-- mas a pergunta é, Lady Clarisse, quem foi o serviçal que estava envolvido com George?
Eles ficaram em silêncio alguns instantes. E Lady Clarisse abriu a boca.
-- ao que tudo indica, fomos traídos por alguém que estava ao meu lado o tempo todo. Andy, a minha criada pessoal, se aliou a George e foi até o jornal, contar toda a sua história, em busca de um escândalo.
-- Andy? Não pode ser!-- eu rebati, perplexa.
-- você sabe, Amélia, que Andy foi amante do Conde Albert por longos anos. Ele jamais me deixaria por ela. Ele jamais faria qualquer coisa por ela. Nada do que Thomas fez por você.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Lágrimas de raiva, de tristeza e também de amor, quando meu olhar cruzou com o de Thomas.
-- ela não suportaria viver aqui, Amélia, vendo que Thomas está disposto a passar por todo esse escândalo, apenas para ficar contigo. Quando Albert apenas a usou por anos -- Lady Clarisse continuou, amargurada.
-- então se uniu ao George, para destituir Thomas do que é dele por direito?-- eu estava sentindo as lágrimas escorrendo, enquanto ficava cada vez mais incrédula.
-- sim, foi exatamente isso. Talvez ele tenha prometido que se casaria com ela, quando fosse o novo Conde.
Thomas levou a taça aos lábios e bebeu, em silêncio. Ficou alguns instantes pensativo.
-- o que faremos agora?-- eu perguntei, tentando me acalmar com um gole de vinho.
-- bem, eu planejo demitir Andy. Os advogados estão em Londres para conseguir uma boa defesa para Thomas.
-- uma boa defesa? Esse processo está correndo?-- Thomas perguntou, exigente.
-- ainda não, meu querido, mas eles querem ter uma aliança de influência, caso George leve isso adiante.
Eu estava muda diante daquelas informações. Thomas e Lady Clarisse continuaram a discutir sobre a possibilidade de George reverter sua abdicação. Mas eu não me importei com nada daquilo.
Estava perplexa.
Me esforcei para comer mais um pouco, bebi vinho para tentar afastar a ansiedade crescente. Pensei em Andy, que me odiava o suficiente para causar todo aquele rebuliço. Quando eu cheguei em Cumberland's Hall, ela tinha me recebido bem. Poderia considerar que éramos amigas.
Jamais imaginei que, um dia, ela pudesse me trair daquela maneira.
Afastei o prato, quando não fui capaz de comer mais. Thomas encerrou o que discutia com Lady Clarisse, ao perceber que eu estava atordoada.
-- minha amada... Por favor, diga alguma coisa -- ele murmurou, voltando sua atenção para mim.
-- estou pensando aqui, meu bem... Caso seu pai exponha o fato de ter tido amnésia grave, há alguma chance de você perder seu título?
Lady Clarisse engoliu em seco e Thomas não respondeu nada. Ficamos nós três, em silêncio, pensando sobre tal possibilidade.
-- oh, Amélia querida... George abdicou sua posição na linha sucessória e nada pode desfazer isso -- Lady Clarisse garantiu, solidária.
-- ele pode pedir a minha abdicação... Alegando que não sou capaz de continuar com o título.-- Thomas lamentou -- talvez para beneficiar meu irmão.
-- ora, Thomas! Não sejamos pessimistas! Não há motivo para lhe tomarem o título!
-- George tem usado de táticas não honrosas, Lady Clarisse -- argumentei, verdadeiramente preocupada.
-- escute bem, Thomas é um excelente Conde. É um homem influente e inteligente, tem lidado bem com as responsabilidades e com o povo. Não há motivo para ninguém tomar o título dele!
-- exceto o fato de que, há alguns meses atrás, eu não me lembrava nem mesmo de Amélia!-- ele retrucou, se levantando, irritado.
-- isso não importa! -- ela rebateu, se levantando também, igualmente irritada -- antes que tal desgraça aconteça, eu morro! Estão me ouvindo? Eu darei a minha vida para lutar por você, Thomas! Enquanto eu estiver aqui em Cumberland's Hall, ninguém vai ousar ameaçar o seu direito!
O semblante de Thomas mudou instantaneamente. As palavras de Lady Clarisse tocaram nossos corações. Sabíamos que ela jurava de verdade. Ela estava do nosso lado.
O jantar discorreu sem mais exaltações. Apenas uma falsa tranquilidade permaneceu pelos pratos seguintes, até a sobremesa. Lady Clarisse de despediu com educação e nos deixou a sós.
-- ela realmente está do nosso lado -- comentei, me levantando da mesa de jantar.
-- sim, está. Não imaginava ter laços tão fortes assim com ela -- Thomas acrescentou, me acompanhando para fora da sala de jantar.
-- apenas por saber que ela descobriu a responsável pelo vazamento de informações, eu já fico satisfeita.
-- pois é, quem imaginava isso... A criada pessoal de Lady Clarisse -- Thomas remoeu, pensativo.-- deve estar se sentindo traída.
-- bastava ter pensado mais um pouco nela, que eu teria suspeitado. Ela realmente tinha motivos para me detestar.Thomas me acompanhou a escadaria até o corredor dos aposentos. Quando percebi onde estávamos indo, fiz uma pausa.
-- pensei que fosse aos meus aposentos, durante a noite -- ele comentou, colocando as mãos nos bolsos.
-- parei para refletir que não entro em seus aposentos, desde que eu era governanta -- conclui, um pouco nostálgica e ansiosa.
-- oh, é verdade. Isso significa que mantemos toda a distância necessária em nosso noivado...-- ele riu, se aproximando de mim.
-- sei que estamos casados há um mês, mas agora estou sentindo um frio na barriga ao pensar que vou para seus aposentos nessa noite.
Thomas sorriu de canto e ajeitou os cabelos atrás das orelhas. Deu um passo em minha direção, o que me fez perder o ar.
-- ainda causo isso em você?-- ele perguntou, sem desviar o olhar.
-- nunca deixou de causar. Desde a primeira vez que te vi, anos atrás, em uma Ópera de Norfolk -- confessei, me aproximando dele ainda mais.
A porta de seus aposentos estava perto dali. Mas se não houvesse o mínimo de autocontrole, não haveria tempo para entrar por ela.
Sorte a minha que Thomas deu um passo atrás.
-- bem, minha adorada... Eu tenho uma surpresa para você...
-- surpresa?-- eu me animei, realmente não estava esperando.
-- sim, venha ver.
Caminhamos até a porta grandiosa dos aposentos do Conde e senhor daquela mansão. Estive ali para levar seu desjejum, logo que ele chegou para assumir suas responsabilidades. Respirei fundo.
-- bem, desde já, peço que não seja crítica sobre o que vou lhe mostrar... Foi algo do coração, de sentimentos... E não algo racional, que eu pudesse controlar.-- ele começou, com a mão na maçaneta.
-- eu prometo que serei gentil -- sorri, ansiosa.
Thomas fez um suspense antes de finalmente abrir a porta. Entramos por ela.
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Entre As Memórias E Os Pincéis
RomanceA história de Amélia Pevensie, uma jovem criada de uma casa de família, que conhece o apaixonante Lorde Cumberland na sua adolescência. Uma breve paixão arrebatadora inunda seus corações, mas infelizmente o destino os afasta sem piedade. Sete an...