Sentimentos

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A gravidez já estava avançada e, por conta disso, nossa vida social se tornou menos pública. Os bailes e jantares foram reduzidos, toda vida agitada se tornou tranquila.
  Lady Clarisse e Fitzwilliam estavam aguardando o nascimento do bebê para se casarem. Logo após meu resguardo, Lady Clarisse me deixaria, seguindo rumo a sua felicidade.
  Thomas, por sua vez, estava ansioso e dedicado. Passava a maior parte do tempo em casa, raramente saía, apenas para resolver assuntos urgentes.
  Nosso hobby principal era adquirir novos itens para a galeria de arte, que já estava sendo bem visitada. Alguns professores traziam seus alunos, aristocratas também adoravam admirar a arte, e grande maioria dos inquilinos frequentavam a galeria.
  Cada um no seu horário, logicamente. A nobreza não estava preparada para a igualdade que a arte trazia.
  Thomas não colocou nenhuma outra pintura de sua autoria lá, mas frequentemente pintava coisas novas. Passávamos grande parte do tempo juntos como no início.
  A química entre nós era palpável.
  Ainda com a barriga imensa, aparentemente Thomas estava ainda mais apaixonado por mim. E eu por ele.
  As noites eram agitadas.
  E alguns dias também.
  Pelos cálculos do médico, eu já estava entrando no último mês de gestação. O berçário estava pronto assim como o berço oficial dos Cumberland e todo enxoval.
  Eu me sentava na cadeira de balanço para admirar tudo que estava preparado para a chegada do meu primeiro filho. Ansiosa e sensível, sempre acabava chorando.
  Thomas se aproximou, me abraçando carinhosamente.
  -- vou trancar esse quarto, se continuar assim -- murmurou, limpando as lágrimas -- não suporto te ver chorando.
  -- ora, por favor, não faça isso... Eu não estou triste -- retruquei, me recompondo.
  -- então o que a aflige?-- ele se agachou bem a minha frente, com as mãos sobre minha barriga.
  -- é que eu o amo tanto... Queria... -- solucei, emotiva.
  -- oh querida... -- ele sorriu, se inclinando para me beijar.
  Beijava carinhosamente bem. Me deixava sem fôlego. Me deixava sem rumo.
  -- eu a amo infinitamente, minha querida. E também amo esta criança que ainda nem nasceu -- sussurrou, de forma sedutora.
  Eu apenas o beijei de volta.
  -- bem, venha comigo. Não quero que fique chorando aqui sozinha -- ele disse, se levantando.
  -- onde vai?
  -- responder uma carta. Vou para o escritório.
  -- está me chamando para fazer companhia enquanto escreve uma carta?-- respondi, me levantando com certas dificuldade.
  -- sim, por favor. William Bennett me escreveu há alguns dias e acabei me esquecendo de responder.-- ele me ofereceu o braço e saímos caminhando.
  -- tem mantido contato com William?-- rebati, com certo ciúmes.
  -- ele me escreve, as vezes. Por que a pergunta?-- Thomas me encarou, certamente notando que minha reação não tinha sido boa.
  -- devo confessar que estou incomodada.
  Demos alguns passos pelo corredor. Eu olhei ao redor para certificar de que estávamos sozinhos.
  -- sinto muito. Não imaginava que o contato de William Bennett te deixaria incomodada -- ele comentou, me analisando.
  -- oh, Thomas... Vocês sempre foram próximos.
  Ele ergueu uma sombrancelha, esperando pelo que eu diria a seguir.
  -- você deve ter notado que, essa amizade era mais do que isso para ele.
  -- William Bennett?-- ele se surpreendeu, chocado.
  -- ora, por favor, não me faça me sentir ridícula.
  -- está com ciúmes de William?-- ele questionou, mas não de uma forma em que me sentisse ridícula, era um questionamento válido.
  -- meu bem, quando fomos até sua casa, eu percebi algo em William. Como se ele... Bem, como se ele sentisse algo por você.
  -- devo confessar que William me olhou de forma estranha, algumas vezes. Mas eu nem pensei muito sobre isso.
  -- talvez fosse um sentimento incubado, desde muito tempo atrás.
  Thomas coçou a barba, pensativo.
  -- isso faz um certo sentido. Ele foi muito prestativo e atencioso comigo. Tem me escrito regularmente... Mas, digamos que não somos tão amigos assim. Pelo menos, não mais.
  -- onde a senhora Bennett está?
  -- quando estive em sua casa, William estava só. Me disse que a esposa estava em Londres com os filhos.
  -- eu acredito que William nem goste de damas, meu bem. Acredito que seu casamento é mera formalidade. Ele me disse, algumas vezes, que teria se casado comigo, se fosse necessário.
  Thomas me olhou, continuou pensativo.
  -- eu me lembrei que, quando estávamos no exército, ele me disse isso. Caso eu morresse, e você ficasse sem ninguém para cuidar de você, ele se casaria contigo para te proteger do mundo. Eu nem dei moral para aquilo, afinal, tinha certeza de que voltaria para me casar contigo.
  -- se eu tivesse precisado de um casamento, ele certamente se casaria comigo por formalidade. Visto que ele nunca tinha pretendente alguma. O casamento, para ele, não significava nada. Porque ele amava você.
  Aquelas palavras foram amargas, tanto para se falar quanto para se ouvir. Thomas balançou a cabeça negativamente.
  -- isso é... É inacreditável -- ele conseguiu dizer, com amargura.
  -- por favor, não me diga que estou ficando louca.
  -- não, na verdade isso faz total sentido. Analisando as memórias que tenho de minha juventude, William fazia parte de alguns clubes de cavalheiros, porém eu nunca o vi com mulher alguma. Louis sempre tinha mulheres. Mas William parecia não se importar. E ele estava sempre próximo, frequentava minha casa, ia a jantares comigo... Sua atenção era voltada para mim.
  -- oh, céus... Ele viveu a vida toda com esses sentimentos.
  -- ora, Amélia... Ele jamais seria correspondido. Pelo menos, não por mim. Deve ter algum cavalheiro desse tipo que se interesse por ele. William é uma boa pessoa. Não merece esse sofrimento.
  -- ainda assim, é algo dolorido.
  -- duvido muito que ele me pressione com isso algum dia. Ele sabe que não tenho interesse algum. Mas se chegar a esse ponto, espero ter gentileza para dispensa-lo sem mágoas.
  Thomas seguiu pelo corredor, enquanto eu o acompanhava de perto. Estava pensativo ainda, senti que aquele assunto mexeu com ele.
  Me senti um pouco culpada de ter tocado naquele assunto. Mas não pude controlar os ciúmes. Não sentia isso com frequência, apesar da quantidade de mulheres que cercavam Thomas em vários lugares.
  Ele era encantador. Tinha uma aura de sedução. E atingia mais pessoas do que eu gostaria. Porém, não me preocupava, ele era inacessível para elas.
  Entretanto, William Bennett estava próximo dele. E tinha sentimentos guardados, que não podiam ser apagados. Aquilo me tocava de uma maneira estranha. E me fazia sentir medo.

No escritório, eu lhe fiz companhia enquanto ele respondeu a tal carta. O fez de maneira distante. Poucas palavras e informações, menos ainda sobre sentimentos.
  -- não quero encoraja-lo, de forma alguma. Só prolongaria seu sofrimento -- Thomas se justificou, ao terminar a carta -- ele não merece isso, não tem culpa de ser como é e esse amor platônico não lhe faz bem.

  Achei justo. E corajoso também.
  Não era justo para William, ter suas esperanças alimentadas sobre um sentimento que não prosperaria. E Thomas precisou de coragem para se afastar de seu amigo.
  Ele me abraçou forte, antes de sairmos do escritório. Eu entendi que ele estava machucado pela decisão que tinha tomado. Afinal, William Bennett era seu amigo, eles foram para a guerra juntos.
  Mas como já disse, William não poderia alimentar suas esperanças e sentimentos com uma coisa que não iria acontecer.

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