Minhas manhãs foram menos enjoadas com a ajuda do bom chá de gengibre. Minha indisposição melhorou bastante com breves caminhadas após o desjejum e ao entardecer.
Maeve cuidava de mim como se eu fosse uma criança. Estava a todo instante verificando se eu estava bem. Eu tinha certeza de que ela sabia o que estava acontecendo. Mas ela nada dizia.
Maeve era mais experiente na vida do que eu. Certamente podia reconhecer uma mulher grávida. Ainda mais sendo uma fiel camareira e que nada escapava de seus cuidados.
Porém, ela era discreta a ponto de sequer comentar algo a respeito.Eu estava esperando meu amado retornar de viagem. Queria que ele fosse o primeiro a receber a notícia de minha boca.
Mas parecia que aquela viagem nunca acabava.
Lady Clarisse me encontrou na biblioteca, com uma carta em mãos, olhar ansioso e uma vontade de tagarelar que eu podia ver de longe.
-- Amélia, querida...
-- diga, minha tia.
Ela sorriu, se sentando perto de mim.
-- o que tem aí?-- insisti, curiosa.
-- se lembra que eu tinha escrito para a casa dos Bennett, pedindo por informações do Conde?
-- claro que sim.
-- bem, obtive resposta.
Eu sorri, ansiosa demais para formular uma frase.
-- Nosso querido Thomas respondeu.
-- oh, por favor... Deixe-me ler!
Ela não se demorou e me entregou dois envelopes, um estava aberto, endereçado a ela. E outro lacrado, endereçado a mim.
-- pode ler a minha, se quiser -- ela disse, despreocupada.
-- primeiro, lerei a minha.
Ela deu um risinho enquanto eu abria o envelope com pressa.
Thomas declarou seu amor e a falta que sentia de mim nos primeiros dois parágrafos da carta. Meus olhos se encheram de lágrimas. Suas palavras eram doces quando estavam escritas também.
Depois, me acalmou, dizendo que tudo estava sob controle. E que seu retorno estava planejado para a semana seguinte. Terminou a carta declarando-se novamente.
Sequei as lágrimas enquanto dobrei o papel com cuidado. Lady Clarisse desviou o olhar, ela ficava constrangida com demonstração de emoções. Como uma boa inglesa.
Me dediquei para ler a carta que ele tinha endereçado a ela.
O primeiro parágrafo foi para declarar suas saudades também. Depois, garantiu a Lady Clarisse que tinha encontrado uma solução para nosso problema com o Comitê de Privilégios.
Dobrei o papel, devolvendo para ela.
-- ele logo estará de volta-- ela comentou, suspirando.
-- sim. E, pelo que escreveu, volta com uma solução.
-- exatamente. Estávamos certas em confiar nele.
-- não duvidei nem por um instante.Ela esfregou as mãos, com um longo suspiro. Parecia que queria me dizer algo e não tinha como fazê-lo.
-- está tudo bem contigo?-- questionei, incomodada.
-- quero te pedir que me acompanhe a modista. Quero deixar os vestidos de viuvez. Quero dizer, nunca mais usá-los. Preciso mandar fazer muitos outros.-- ela se explicou, um pouco constrangida.
-- tudo bem. Já tinha mencionado esse desejo.
-- eu sei. Mas não sei se consigo ir lá no ateliê, entre todas as madames... Sei que me julgam por isso.
Analisei seu rosto, verdadeiramente constrangido. Eu não esperava vê-la daquela maneira.
-- já ostentou um vestido maravilhoso no dia do evento. Isso não seria novidade.-- comentei, para acalmar sua angústia.
-- eu sei, Amélia... Mas eu tenho mais de sessenta anos. Sou viúva após um longo casamento. Todos esperam meu luto.-- ela respondeu, pensativa.
-- Lady Clarisse, não se aflija por isso. Sofreu o bastante por esse luto. E chegamos a conclusão de que não valeu a pena.
Ela concordou com a cabeça, pensativa. Mas nada disse.
-- todavia, vamos a modista. Também adoraria ter mais vestidos -- acrescentei, vendo o brilho surgir em seus olhos.
-- oh, não me diga! Há poucos dias, vi que recebeu encomendas... Não estou te censurando, de maneira alguma -- ela se explicou, um pouco constrangida -- só pensei que não precisasse mais.
-- sim, recebi algumas encomendas. Porém, um bom armário de vestidos nunca é demais para uma Condessa -- comentei, me esquivando de seus julgamentos sem filtro.
A razão verdadeira para essas novas encomendas era simplesmente o óbvio: minhas roupas estavam apertadas nos quadris.
Dia após dia, eu me sentia mais grávida. Sentia uma saliência em meu abdômen, que amanhecia um pouco tímido e anoitecia um pouco mais aparente.
Não demoraria a ser notado por todos.
Meu apetite estava aumentando gradativamente e eu poderia usar essa desculpa para explicar as roupas mais apertadas.
Mesmo com meu desejo de segredo, eu sentia falta de conversar com alguém sobre aquela fase de minha vida.
Sentia falta da minha mãe. Como nunca tinha sentido antes. Até tinha chorado algumas vezes por conta disso. Culpei os sentimentos da gestação por pensamentos tristes e fantasiosos.
Mas a chegada de meu amado estava próxima. Dentro de alguns dias, eu poderia revelar aquele segredo e ficar livre para desabafar e comentar sobre o quão feliz eu estava.Mais tarde, naquele dia, nossa visita a modista foi agitada. Lady Clarisse escolheu uma dúzia de novos vestidos nas mãos variadas cores. Assim como chapéus e luvas.
Ninguém ousou comentar nada negativo.
Ela estava radiante em cada novo modelo e novo tecido que provava. Eu não podia evitar o sorriso orgulhoso em vê-la tão feliz.
Depois de um longo tempo esperando a minha vez, Madame Desirée veio tirar minhas medidas.
Assobiava enquanto estendia a fita métrica por mim, e quando circulou minha cintura e abdômen, ela me encarou.
-- oh, poxa vida, milady. Acredito que teremos que ajustar aqueles novos vestidos que te enviei -- ela comentou, anotando no seu bloco de notas.
-- deveras.-- me limitei a dizer.
-- acredito que a ansiedade da ausência de Vossa Graça esteja te fazendo ganhar alguns centímetros.
-- é exatamente isso que está acontecendo. Minha vida é um tédio sem o Conde por perto.
Ela sorriu maliciosamente.
-- até porque, um bom marido em casa obriga a esposa a estar sempre fazendo atividades que exigem esforços, se é que me entende.
Eu sorri de volta, sentindo meu rosto corar. Aquelas piadas de mulher adulta me deixavam constrangida, apesar de minha idade e situação matrimonial.
Seguimos a escolha de modelos e tecidos, sem mais algum comentário do tipo. Mas eu desconfiei que ela imaginava que eu estivesse esperando um filho.
Madame Desirée era uma mulher vivida e sabia reconhecer uma grávida de longe. Mas também era incrivelmente profissional.
Lady Clarisse não tinha comentado nada sobre meu recente aumento de peso, talvez não tinha percebido, ou talvez não queria me aborrecer.
Ela estava mais preocupada em ser feliz.Nós duas caminhamos no parque, antes de voltar para Cumberland's Hall, reencontrando suas amigas. E eu pude conhecer novas pessoas.
O meu círculo social estava se expandindo rapidamente, assim como minha influência na cidade.
Recebi diversos convites para jantares e bailes. As pessoas me respeitavam e ouviam o que eu tinha a dizer.
Era uma vida que eu não esperava jamais viver. Não imaginava ser assim. Era um pouco inacreditável tudo que eu estava vivendo.
Quando deitava meu corpo na cama, a noite, eu esfregava os olhos para ter certeza de que não tinha sido um sonho.
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Entre As Memórias E Os Pincéis
RomanceA história de Amélia Pevensie, uma jovem criada de uma casa de família, que conhece o apaixonante Lorde Cumberland na sua adolescência. Uma breve paixão arrebatadora inunda seus corações, mas infelizmente o destino os afasta sem piedade. Sete an...