Jantar

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  Eu sentia falta de ser sua assistente, e nesses dias mais leves, podia sentar ao lado dele segurando os pincéis. Era surreal como nós dois nos entendiamos bem.
  Thomas aumentava sua galeria particular com maestria. Depois de ter uma grande variedade de pinturas em que o tema era eu, convenci meu adorado marido a pintar outras coisas.
  E as semanas passaram.
  Meu querido bebê crescia e já não era possível esconder a gestação entre os vestidos. Lady Clarisse e eu caminhávamos toda manhã e tarde. Ela estava muito animada com a gravidez.
  Então, certo dia, ela me disse:
  -- Amélia, querida... Já se passaram algumas semanas desde o fim do seu problema com o Comitê de Privilégios.
  -- sim, ainda bem.
  -- você acredita que eles vão voltar?
  Franzi minha testa, pensativa.
  -- o que a preocupa?
  -- aceitei o pedido de casamento, Amélia. Eu e Fitzwilliam não vamos mais perder tempo.
  -- oh, esse assunto novamente... Tinha deixado de pensar nisso -- tentei me desvencilhar.
  -- e eu tenho pensado nisso a cada instante. Vamos nos casar, Amélia.
  -- e logo partirá?-- perguntei com amargura.
  -- provavelmente. Ainda estou preocupada com o Comitê.
  Respirei fundo, ficando emocionada com a breve mencao de sua partida.
  -- acredito que o Comitê não voltará aqui, a não ser por uma denúncia. Mesmo que tenha sido uma Condessa, maravilhosa por sinal. Atualmente não está desempenhando esse papel. Duvido que viria aqui novamente.
  -- fico aliviada que pense assim. Não quero trazer problemas.
  -- o bebê chega em algumas semanas. Poderia ficar comigo -- pedi, emocionada.
  -- bem... Eu adoraria.
  -- traga Fitzwilliam para o jantar. Você já o conheceu maravilhosamente bem nessas semanas. Deixe que nós o conheçamos também.
  -- farei o convite.
  -- só o convite não basta. Thomas e eu ficaremos honrados em conhecê-lo melhor. Afinal, é o amor da sua vida.
  Lady Clarisse deu um sorriso tímido. Concordou com a cabeça a caminhamos alguns metros em silêncio.
  -- você sabe que terá nosso total apoio, não sabe?-- acrescentei, emocionada.
  -- sei sim.
  -- pode ficar aqui o tempo que quiser.
  -- oh, Amélia... É tão complicado para Fitzwilliam estar nessa posição.
  -- eu sei. Ele não é um nobre. Ele é um jardineiro.
  -- a sociedade não está preparada para isso.
  -- não, não está. Mas nós estamos. Cumberland's Hall está.
  -- e a criadagem? Não aceitariam isso bem. -- ela se preocupou.
  -- deixe que da criadagem eu cuido. Apenas traga ele para o jantar esta noite.
  Ela concordou com a cabeça e continuamos a caminhar. Lady Clarisse era uma ótima companhia, principalmente para uma grávida.
  Como mãe de primeira viagem, eu estava confusa e ansiosa sobre tudo. Não tinha minha mãe, para me auxiliar. Não tinha ninguém, além de Lady Clarisse.
  E o que mais me surpreendia, era que ela estava tão confusa e ansiosa quanto eu.
  Todos os dias tinha uma dúvida diferente e um dica de procedência duvidosa. Sempre trazia novos tipos de chás, confiante de que traria algum benefício para o bebê.
  Quando Thomas estava fora, a trabalho, ela não saia de perto de mim. Não queria que eu me sentisse só.
  Conforme a gestação evoluía, mais enxovais ela encomendava. Eu estava com seis meses de gravidez, e já não havia lugar algum para guardar as coisas do bebê.
  Lady Clarisse tinha mandado reformar o berçário e estava entrevistando um seleto grupo de babás para trabalhar em Cumberland's Hall.
  Apesar de minha resistência, ela afirmava que queria me ver bem, feliz e descansada.
  Lady Clarisse era minha família. E a cada dia que passava, eu a amava cada vez mais. Não podia imaginar que ela logo partiria de Cumberland's Hall.
  Só de pensar sobre isso, eu ficava entristecida.

  Mais tarde, naquele dia, Thomas chegou bem a tempo de se arrumar para o jantar. Eu tinha acabado de me vestir e estava a sua espera.
  -- convidei Fitzwilliam Moore para o jantar -- comentei, enquanto ele terminava de pentear os cabelos, ainda úmidos do banho.
  -- oh, excelente. Estava querendo conhecê-lo melhor -- ele respondeu, com o tom de voz baixo.
  -- acabei de conversar com Boyle sobre isso, pedi que controlasse a criadagem.
  Thomas se olhou no espelho mais uma vez e veio até mim. Estava expendidamente perfumado.
  -- oh, melhor ainda. Pensei que ninguém soubesse. O moço Ted deve estar no quarto de vestir ainda, não queria que ele ouvisse.
  -- contei a Maeve antes de todos. Boyle me garantiu que o pessoal da criadagem vai se comportar. Tudo pelo bem de Lady Clarisse.
  -- ela merece ser feliz.
  -- sim. Polly me informou que o jantar vai ser especial, por ela.
  Thomas beijou minha testa.
  -- você realmente a ama, não é mesmo?
  -- claro que sim. Lady Clarisse merece essa gentileza. Tem me tratado muito bem. Desde que cheguei aqui, quero dizer.
  Thomas riu, acariciando minha barriga.
  -- mas tem que admitir que depois da gravidez, ela tem te mimado um pouco mais.
  -- oh, isso sim. Ela colocou os lacaios para procurar no sótão da mansão, o berço dos Cumberland. Estava perdido no meio das mobílias la em cima, há décadas. Mandou chamar aquele marceneiro de Londres, senhor Wallace, para restaurar.
  -- o berço dos Cumberland?-- Thomas riu, surpreso.
  -- isso, o berço oficial de Cumberland's Hall, onde os herdeiros dormem -- eu também sorri, feliz.
  -- meu Deus... Minha tia está apaixonada por uma criança que nem nasceu. Vamos descer, ela deve estar esperando.
  Enlacei meu braço ao seu e saímos tranquilamente. A escadaria estava ficando pesada para mim, mas era questão de hábito.
  -- meu amor, você precisa ver as fraldas que ela bordou.
  -- Lady Clarisse ainda borda?-- ele se surpreendeu.
  -- aparentemente sim. Me trouxe duas fraldas bordadas lindamente com a letra C.
  Thomas balançou a cabeça, rindo.
  -- ela nem sabe que nome daremos a criança.
  -- oh, querido... C de Cumberland. Quero dizer, pode ser o próximo Conde.
  Caminhamos rumo a sala de jantar, que estava perfeitamente organizada.
  Logo que nós sentamos, Lady Clarisse entrou, com braços dados a Fitzwilliam Moore.
  Um senhor, de certa forma, bonito. Os cabelos claros, a maioria grisalhos, bem penteados. Usava uma casaca elegante, o melhor que um senhor como ele poderia ter. Sua barba, bem aparada. Em seu olhar, ansiedade.
  Lady Clarisse, usava um dos seus vestidos mais simples, certamente para não constranger Fitzwilliam naquele momento.
  Thomas se levantou para cumprimentar o doce senhor com educação e gentileza. Senhor Moore fez uma pequena reverência.
  -- bem vindo, senhor Moore. Fico feliz que esteja aqui -- meu querido marido o saudou, com um aperto de mão firme.
  -- boa noite, vossa graça. Agradeço pelo convite.-- ele se virou para mim, com uma reverência -- estou muito grato, Vossa Graça.
  -- seja bem vindo, venha jantar conosco.-- respondi, apontando seus lugares a mesa.
  Lady Clarisse sentou ao seu lado, sem dizer nenhuma palavra. Fomos servidos, e apesar dos comentários de Thomas, eles não prolongaram os assuntos.
  Senhor Moore olhava ao redor constantemente. Desconfortável, talvez. Comeu, bebeu, respondeu as perguntas de Thomas.
  Aqui me incomodou.
  Após a sobremesa, decidi convidar ele para que ficasse um pouco mais, na sala de estar. Ele buscou o olhar de aprovação de Lady Clarisse, que concordou. Assim, nós fomos.
  -- podia ter convidado aquela jovem para tocar conosco, Lady Clarisse. Apreciei seu talento -- comentei, sentando próxima ela.
  -- oh, sim. Ela é uma jovem maravilhosa. Custeei seus estudos desde que era uma garotinha. Agora toca piano lindamente.
  -- foi algo muito gentil de se fazer.
  -- foi sim.
  -- o que achou do jantar?-- questionei, vendo que Thomas conversava com Fitzwilliam.
  -- adorável. Vou mandar os cumprimentos a Polly.
  -- sim, certamente. Senhor Moore parece meio ansioso.
  -- ele nunca esteve aqui. Quero dizer, num jantar. Sempre cuidou dos jardins e apenas isso.
  -- espero que esteja feliz.
  -- oh, sim, está. Mas também se sente deslocado.
  Ambas olhamos para o senhor Moore, que conversava algo com Thomas que não podíamos ouvir. Mas os dois estavam imersos em seus assuntos.
  -- Thomas é um excelente anfitrião-- ela comentou, sorrindo.
  -- espero que tenhamos recebido a ele bem. Esse jantar foi para nos aproximarmos.
  -- oh, Amélia querida... Estou grata.
  -- quero que Fitzwilliam frequente Cumberland's Hall. Que participe de refeições conosco.
  -- duvido muito que ele aceitará.
  Me espantei, um tanto ultrajada.
  -- oh, é por que acha isso?
  -- Amélia, ele não nasceu neste meio. Não conhece essas regras e protocolos que nós temos aqui. Está deslocado.
  -- em nenhum momento o pressionei. Espero que não tenha se sentindo assim por minha causa.-- me defendi, deveras sensível.
  -- oh, não, Amélia. Fitzwilliam é um jardineiro, sempre foi. Viveu a vida toda na fazenda. Trabalhou aqui. Mas não é um nobre. Não devemos forçar o homem a se encaixar no nosso meio. É um pouco cruel.
  -- Lady Clarisse, sei que não se importa com isso. O ama da mesma forma. E assim, nós também não nos importaremos. Caso ele não saiba se comportar entre a nobreza. Você vai se casar com ele, e nada mais importa.
  Ela ouviu cada palavra atenciosamente. Com um sorriso sincero, ela respondeu:
  -- agradeço sua sensibilidade. Fico realmente grata.
  -- além do mais, preciso que fique comigo quando o bebê chegar.-- acrescentei, num sorriso leve.
  -- oh, Amélia!
  Ela estendeu os braços e me abraçou carinhosamente.
  -- por favor, não conte comigo para muito. Não tenho experiência alguma com crianças. -- ela sussurrou como se me confidenciasse algo.
  -- mas tem experiência comigo. Você me conhece muito bem -- respondi com afeto, ela acariciou meus dedos em resposta.
  Thomas se aproximou com uma xícara de chá.
  -- Minha adorada, sei que está impossibilitada de se deliciar com esse vinho do porto, então pedi um chá de framboesa e lavanda.
  -- oh, que gentil de sua parte.
  -- eu quero o vinho do porto, se me permite -- Lady se ofereceu.
  Logo Fitzwilliam lhe trouxe uma taça.
  Ele ainda estava meio receoso, mas já estava menos tímido e ansioso. Sentou-se próximo a Lady Clarisse e participou de uma breve conversa conosco.
  Era um bom homem. E olhava para ela com adoração. Não se demorou muito, logo se retirou. E nós nos recolhemos.

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