Compartilhando

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  Após aquele longo dia, reencontrei meu adorado marido no jantar. Thomas se assentou a mesa, bem vestido e sorridente. Segurou minha mão sobre a mesa, delicadamente.
  Lady Clarisse não estava ali.
  -- onde está tia Clarisse?-- ele questionou, percebendo que ela não iria comparecer ao jantar.
  -- aconteceu algo intrigante hoje. Acredito que ela precise de um tempo.-- respondi, notando que haviam lacaios na sala de jantar ainda.
  Ele ergueu as sobrancelhas, concordando. Não era sábio comentar sobre a intimidade de Lady Clarisse a mesa de jantar.
  Fomos servidos. O jantar estava maravilhoso. Mas eu só pensava em sair dali para conversar a sós com Thomas. Ele precisava saber sobre o passado inacreditável de Lady Clarisse.
  Thomas levava seu garfo a boca em silêncio, pensativo e misterioso. Decidi perguntar sobre seus compromissos.
  -- espero que tenha sido uma tarde proveitosa para você -- comentei, atraindo sua atenção.
  -- oh, sim. Estive com advogados. Depois resolvi alguns assuntos sobre a herdade, os inquilinos das terras e tal. Assuntos tediosos, por sinal -- ele explicou, após baixar os talheres.
  -- ossos do ofício.
  -- exatamente. Eu preciso conversar com pessoas que não conheço sobre assuntos que não gosto. Mas eu sou o Conde. Essa é minha obrigação.-- ele acrescentou, um tanto melancólico.
  -- identifiquei um tom de melancolia nessa frase?
  -- peço que me perdoe. Não foi minha intenção -- ele lamentou, bebericando de sua taça -- eu posso estar um pouco infeliz, ao ter que disputar esse título com meu pai.
  -- ele não vai desistir?
  -- bem, já encontrou diversos impecilhos de continuar com essa loucura. Porém, eu tenho medo de mais alguma surpresa ruim.
  Suspirei.
  Terminei de comer e trouxeram a sobremesa.
  Trocamos mais algumas palavras e nos retiramos da sala de jantar. Ele me ofereceu o braço e subimos para seus aposentos.

  Quando estávamos a sós e a porta trancada, Thomas tirou o casaco, curioso.
  -- diga-me: o que houve de diferente no dia de Lady Clarisse?-- questionou, se sentando em uma poltrona.-- algo que a fez deixar de comparecer no sagrado jantar de família.
  -- uma coisa que você não vai acreditar.
  Ele sorriu. Eu amava aquele sorriso.
  -- por favor, não me faça esperar mais.
  -- bem, logo que você se foi, eu decidi caminhar pelos jardins e pela estufa.
  -- certo. A estufa é maravilhosa.
  -- deveras. Porém, nessa visita, conheci o adorável Senhor Moore, Fitzwilliam Moore, chefe dos jardineiros. Ele me apresentou o lugar, me contou tudo sobre os jardins e a estufa, sua família serve a Cumberland's Hall há mais de cem anos.
  -- bem, acredito que conheci o Senhor Moore algum dia desses. E como ele está relacionado a Lady Clarisse?
  -- eles se amavam, no passado.
  Thomas ficou atônito.
  -- sim, eu sei. É inacreditável.-- comentei, ansiosa.
  Ele sorriu, incrédulo.
  -- Lady Clarisse, a Condessa viúva, amava o jardineiro? Como assim? Estou tentando imaginar cenários onde isso foi possível.
  -- ela já contou várias vezes que sofreu horrores por conta das traições do Conde Albert. E porque não teve nenhum filho também. Lady Clarisse me contou, de forma bem resumida, que se aproximou de Fitzwilliam Moore, décadas atrás, durante uma crise de seu casamento. E eles se apaixonaram perdidamente. Ele desenvolveu uma qualidade de narcisos amarelos que floresciam em todas estações. E a presenteou com um buquê dessas flores. Então, o Conde Albert descobriu e ameaçou Lady Clarisse, dizendo que o demitiria e expulsaria toda sua família das terras de Cumberland's Hall.
  Thomas ouviu cada palavra atentamente, absorvendo a história e os sentimentos.
  -- e então, ela se afastou dele?
  -- sim. Nunca mais o viu. Nem aos lindos narcisos amarelos. Ela me contou essa história, porque senhor Moore me deu um buquê desses narcisos para entregar a ela. Você precisava ver como o olhar dela foi diferente.
  Ele se levantou. Caminhou pela sala, pensativo. Coçou a barba.
  -- pobre tia Clarisse... Por isso, ela sempre incentivou o nosso amor...-- comentou, dolorosamente -- ela foi impedida de seguir seu coração.
  -- sim. Eu jamais imaginaria algo assim no passado dela.
  -- eles tiveram um caso extraconjugal?
  -- ela disse que nunca chegou a se deitar com ele. Eles se amavam e se admiravam. Confessou que o beijou algumas vezes, mas nunca chegou as vias de fato.
  Ele concordou, ainda pensativo.
  -- ela colocou os narcisos em um vaso nos aposentos dela. Disse que não os via há muitos anos.
  -- eu imagino porque.
  -- sabe algo sobre isso?
  -- quando cheguei aqui, questionei Boyle sobre a falta de narcisos amarelos nos jardins. Afinal, eles são como um símbolo da primavera aqui na Inglaterra. Ele me informou que o velho Conde tinha proibido de planta-los em Cumberland's Hall. E mesmo após sua morte, ninguém tinha coragem de fazer isso.
  -- o velho Albert proibiu os narcisos amarelos?-- eu me indignei.
  -- eu ignorei isso. Afinal, é apenas uma flor. E se era tão importante para o velho Conde, talvez importasse também para ela. E eu jamais magoaria tia Clarisse.
  Eu suspirei, me controlando. Aquele assunto tinha me deixado totalmente indignada.
  -- ele a manipulou por anos a fio. Ele sabia como mexer com ela, Thomas. Ela se dedicou a vida toda a ele. Enquanto ele a traia até com a criada pessoal dela! E proibiu os narcisos amarelos que ela tanto amava...-- reclamei, sentindo amargura.
  Thomas veio até mim, segurando minhas mãos com cuidado.
  -- Lady Clarisse nos apoiou em tudo, Amélia. Ela esteve ao nosso lado a todos instante -- ele começou, determinado -- ficou contra a alta sociedade para estar ao nosso favor. Eu a recompensarei por tudo.
  -- ela merece ser feliz também...-- completei, sentindo o ar faltando aos meus pulmões, Thomas me olhava intensamente.
  -- sim, merece.
  Antes que eu dissesse mais alguma coisa, Thomas encontrou meus lábios em um beijo carinhoso, me puxou para perto de seu corpo e nos encaixamos como duas peças feitas para isso.
  Levei minha mão ao seu rosto, acariciando a barba macia que cobria seu rosto. Depois desci a mão até seu pescoço, puxando-o para mais perto.
  Nossos corpos se entendiam. Sem que eu precisasse pensar sobre qualquer coisa, minhas mãos sabiam qual caminho percorrer. Assim como as suas.
  E não havia outro final para o que tínhamos começado. Peça por peça, nossas roupas terminar no chão e nos entrelaçamos entre os lençóis. Os únicos sons que haviam no ambiente eram o de nossos corpos se chocando e os gemidos de nossas gargantas.
  O clímax alcançado, enfim.

  Tais sensações que eu jamais imaginaria sentir. Nem mesmo durante os sete anos em que eu guardei sua memória, sofrendo como uma quase viúva. Acompanhando a vida de recém casada de Mary Fersnby, eu tinha uma breve ideia das delícias de um casal.
  Não posso negar que ouvia sons. Sua casa podia ser grande, mas as minhas obrigações de governanta me colocavam nos mais diversos cômodos, assim eu ouvia e imaginava o que eles tanto apreciavam fazer.
  Agora, deitada no peito do meu marido, eu sabia bem o que ocupava tanto o tempo do senhor e senhora Fersnby.
  E me atrevo a comparar, chegando a conclusão de que eu estava bem mais satisfeita do que ela. Sendo constantemente cortejada e desejada por Thomas, que havia guardado celibato desde que tinha me conhecido, apesar dos anos que nós estivemos separados.

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