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(...)

Velórios são todos iguais, as pessoas me cumprimentam e eu não enxergo ninguém. Eu sempre me pergunto o porquê de ter que passar quase 12h, às vezes até mais, prolongando o sofrimento da família e de quem ama o falecido.

Com toda certeza do mundo, botaram um remédio pra eu ficar mais calma na minha água, eu estava totalmente lerda. Eu não conseguia encarar o meu pai dentro do caixão. Foi assim com a minha mãe também. Prefiro a última imagem deles em vida, rindo, brincando, é bem melhor.

Estava sentada em um dos sofás na sala vi o Renato. Eu não acredito que ele teve a cara de pau de aparecer por lá, enfrentou 2h de viagem só pra eu mandá-lo tomar no cu na frente de todo mundo? Não é possível. Por sorte, eu tenho uma melhor amiga e uma mãedrasta que cuidam muito bem de mim, e não deixaram que ele se aproximasse, vi o momento certinho que ele tentou chegar perto e nenhuma das duas permitiu.

Meu tio e padrinho, irmão mais velho do meu pai, chegou e eu corri na direção dele. A semelhança entre os dois é surreal, a bichinha da minha avó era máquina de Xerox, só pode. Fiquei um tempo abraçada nele, chorando horrores e ele me consolando, disse que assim que voltássemos para o Rio, ele precisava me dar umas coisas que meu pai tinha deixado pra mim. É, Pedro, fez tudo de caso pensado. Quando me soltei do meu tio, vi que ele olhou meio torto pra alguém que se aproximou da Talia. Meu padrinho é policial, ele sente o erro de longe.

Olhei pro lado e pensei ser uma miragem. Era o Wesley. Todo arrumado, sem pinta nenhuma, de nada. Não pensei duas vezes e sai de encontro a ele, chorei demais. Ele me levou de volta ao sofá e me deixou chorar, não disse nada, só fez cafuné em mim, e às vezes me dava uns beijos na testa. Eu nem acreditei que ele estava ali, veio sozinho de carro e achou o lugar certinho, veio pra ficar comigo, me dar forças, se esse não é o meu amor, eu não sei de mais nada.

Enterrei o meu coroa, agora ele vai descansar, com a certeza de que eu farei o que for possível e o que não for também, pra tudo dar certo.

Eu já não comia há um tempo estava sem fome, sem vontade, mas o corpo não entende né? Na descida do cemitério, minhas pernas falharam, ficou tudo preto e não me lembro de mais nada. Acordei dentro da casa da minha tia, com um monte de gente em volta de mim, depois disso, eu tive que comer, mesmo contra vontade.

(...)

Tentei levar a semana de boa, continuei fazendo as coisas que fazia antes do meu pai ser internado. Pra dormir que era a merda, chegar em casa era ruim, entrar no carro dele, olhar pro Marcelo e me encarar no espelho, também eram missões muito difíceis.

Meu tio marcou de me encontrar hoje, quer me entregar algumas coisas que meu pai pediu a ele que entregasse. Saí da clínica, e fui até o estacionamento, no meio do caminho, um senhor me parou e me entregou um buquê de flores, agradeci e fui pro meu carro.

Abri o cartão e estava escrito:
"Eu sei que errei, mas deixa eu me explicar.
Eu te amo, meu dengo."
- R.

Joguei o buquê de qualquer jeito no banco do carona, e segui viagem. Meu telefone não parava de tocar, chegavam mensagens uma atrás da outra. Eu sou muito cagona quando dirijo, então, nem me preocupei em vê-las.

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