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Passei o dia todo com a Marina no quarto, pedi comida aqui mesmo e tá tudo tranquilo.

É muito difícil as pessoas entenderem certas coisas, sabe? Família tem muito mais a ver com lealdade do que com genes. A minha mãe foi uma mulher incrível, o meu pai apesar dos erros e de todas os pesares da vida, se arrependeu e me ensinou o verdadeiro sentido do perdão, me ensinou a dar segundas chances e quebrou todo o gelo do meu coração. A Edna é uma segunda mãe, uma mulher incrível, que cuida de mim como se eu fosse sangue dela, não me desampara em nada e tá sempre me ajudando.

A minha vida está toda encaminhada, minha loja está crescendo, o dinheiro roda porque a Edna e eu aprendemos com o meu pai a investir. E eu vou abrir mão disso? Não vou. Dona Márcia sempre me disse que quando a gente vai pela cabeça dos outros, esquecemos das nossas próprias vontades. E priorizar a si mesmo não tem nada a ver com egoísmo. E é assim que eu vivo.

As coisas que passei me fizeram chegar aqui hoje, ser a mulher que eu sou, a mãe que eu sou e eu me orgulho disso. Não vai ser a opinião de alguém que me conheceu ontem que vai mudar, aliás, a opinião de ninguém vai me fazer mudar. Eu posso escolher um caminho, dar três passos e cair. Mas eu vou levantar e persistir até onde eu quiser, isso é um problema meu. Ninguém tem nada a ver com isso.

A campainha do quarto tocou, me levantei e abri. Era o Felipe.

Felipe: Você sempre cabeça dura. - entrou, veio na minha direção pra me dar um selinho e eu me esquivei. - Cadê minha princesa?

Malu: Boa tarde, né? - fechei a porta e voltei pra cama.

Felipe: Minha mãe disse que você a respondeu e não gostou de sua atitude. - ele se sentou na cama também e botou a mochila no chão.

Malu: Direito dela, quem fala o que quer, tem que estar preparado pra ouvir qualquer coisa. - dei de ombros. - E eu também não gostei da atitude dela, por isso saí de lá.

Felipe: Fez pirraça igual criança mimada, cara. Até parece que ela falou alguma mentira. Você acha que a gente sustenta namorar à distância igual adolescente? Eu tenho minhas necessidade de homem e você tem suas necessidades de mulher. Quer se enganar?

Malu: Aprendi com você, anos de curso. - fui até uma salinha que tinha no quarto com uma poltrona, um sofá e um frigobar. - Deixa a Marina brincar e vem pra cá, não quero discutir na frente dela.

Felipe: Como se aí fosse mudar algo. - reclamou, mas veio. - Cara, não discordo sobre o que minha mãe disse a respeito de prender. Não dá pra morar aqui e ser casado com alguém que mora lá.

Malu: Vamos pedir o divórcio. - sentei na poltrona cruzando as pernas. - Eu não quero te prender mesmo, Felipe. Nunca quis.

Felipe: Você fala como se já tivesse isso em mente. - ele abaixou a cabeça.

Malu: E tinha. Não tenho maturidade pra viver um casamento a distância, o sentimento esfriou.

Felipe: Tenho que concordar, mas eu ainda gosto muito de você.

Malu: Eu também gosto muito de você, Felipe. Você é o pai da minha filha, um puta pai, e eu não me arrependo de ter me casado contigo. - deixei uma lágrima cair. - A única coisa que aconteceu é que antes disso tudo, a gente não viu que nossos sonhos eram muito diferentes.

Felipe: Eu não queria que isso acontecesse, não acho que a Marina mereça passar por isso. Eu imaginei ela crescendo e nós dois juntos ainda. - ele chorou também. - Eu fui egoísta em vir pra cá e nunca ter falado pra você que tinha essa pretensão. Errei em exigir que vocês viessem também, e errei mais ainda em esquecer que você também tem seus sonhos e sua família.

Malu: Não, Felipe. Você não errou! Você tá mais do que certo em viver o seu sonho, buscar suas conquistas. A gente não tem o poder de controlar as coisas que nos acontecem. O destino manda! - me sentei ao lado dele e peguei em sua mão. - Não duvido que construímos coisas lindas nesses nossos anos de amor, nossa filha é maravilhosa, é fruto do nosso amor, mas o nosso pra sempre, a nossa eternidade não tem a ver com estarmos juntos como casal, tem a ver com estarmos juntos cuidando dela. Ela é a nossa eternidade. Ela é a prova de que o amor existiu, de que nós vivemos uma história linda. 

Felipe: Eu volto pro Brasil se você quiser. - me abraçou.

Malu: E vai ser infeliz? Abrindo mão do seu sonho, pra viver uma coisa que a gente sabe que não vai dar certo? Sabe que quando brigarmos esse vai ser o primeiro assunto a ser jogado na cara? A gente se conhece. Você conseguiu conquistar o teu sonho, vai largar? A Marina não vai querer crescer e saber que o pai dela deixou de lutar por um sonho. Ela vai ter orgulho de você, você vai ser o exemplo dela, o herói dela.

Felipe: Consegui o meu sonho, mas tô perdendo a Marina.

Malu: Ih, falou merda. Nunca vou te privar de vê-lá, trazê-la pra cá, ficar com seus pais. Nunca! - ele me abraçou mais forte.

Felipe: Você acha que vamos conseguir resolver isso de forma civilizada? Ou isso tudo só está acontecendo porque os dois estão putos?

Malu: Como eu disse, eu não tenho controle de tudo e nem você. Mas a questão de resolvermos tudo como pessoas civilizadas, só cabe a nós. Só a nós. Não tem mãe, não tem pai, não tem irmão. Somos adultos o suficiente pra não deixar que as pessoas nos influenciem.

Felipe: Tá falando como se a minha família não gostasse de você. - me soltou - E quisesse ver você longe, quando na verdade não é assim. Meus pais vem de uma época totalmente diferente da nossa, e eles acham que se um casal casou, tem que ser até que a morte os separe. E que a mulher deve sim ir atrás do marido e pedir desculpas. Você sabe que lá no fundo, eu ainda tenho isso em mim, mas você mesma me ajudou a mudar um pouco essa questão. Conheço você o suficiente pra saber que não faria nada disso, e não por orgulho, mas sim por todo o seu histórico e esse teu gênio.

Malu: É isso. Eu não acho que a gente deva empurrar com a barriga. Tá ruim pra mim, tá ruim pra você e vai ficar pior se a gente achar que as coisas podem ser resolvidas assim.

Felipe: Eu concordo e te admiro muito por ser desse teu jeito. - me deu um beijo na ponta do nariz. - E se for pra ficarmos juntos, vamos ficar. Nem que seja a última coisa que faremos na vida.

Malu: Com certeza. - dei um abraço forte nele e me levantei, indo lavar o rosto no banheiro.

Felipe: Posso ficar aqui hoje e aproveitar vocês? - ele disse enquanto ia pro quarto.

Malu: Claro. Viemos pra passar o tempo contigo mesmo.

VAMOS FUGIR!Onde histórias criam vida. Descubra agora